quinta-feira, 16 de abril de 2020


16. Rimsky-Korsakov: Scheherazade |

Resultado final que opôs a exótica "Scheherazade" ao marinheiro "Rimsky-Korsakov": (ela enganou) 1 - (ele enganou) 4!?






Para os meus amigos Ricardo Lameiro e Andreia Pereira, um menino e uma menina que fizeram a estreia de um instrumento parecido com uma espécie de... empa (o Ricardo gosta desta obra tanto quanto eu e o orientalismo próprio da Andreia soa-me adequado).


(E à memória dos mais belos solos de fagote d' "O conto do Príncipe Kalendar" que ouvi ao vivo. Foram-me oferecidos pelo sr. Arlindo Santos, da Orquestra Gulbenkian.)






Seguindo a tradição familiar, o compositor russo Nicolai Rimsky-Korsakov (1844-1908) integraria o colégio naval de São Petersburgo em Junho de 1856, tendo-lhe sido seguramente atribuída a patente de cadete pelos doze anos de idade que apresentaria por aquela altura, uma idade que porventura não lhe daria a confiança necessária para a aposta no métier da composição, uma actividade pela qual sentia particular fascínio, enquanto que a navegação em alto mar seria familiarmente mais acertada, embora porventura menos fascinante... como se viria a comprovar.
Posteriormente, viria ainda a alcançar o posto de oficial da marinha, ao mesmo tempo que ia compondo em part-time com a devida tutoria do famoso pedagogo Mili Balakirev. Com efeito, por aquela altura a vida do Nicolai poderia ser resumida desta forma: aos comandos do navio durante o dia e aos comandos de tudo o resto durante a noite, o que, com razoável assertividade, poderia ser considerada a existência de uma vida dupla, uma vivência esgotante e eventualmente potenciadora do desaconselhado surgimento de determinadas enfermidades, nomeadamente as do foro cardíaco (ou porventura hepático...), o que felizmente não viria a acontecer já que em 1873 Rimsky-Korsakov renunciaria à sua comissão na marinha para se dedicar exclusivamente à música, iniciando desta forma a vivência de todas as vidas possíveis, aparentemente numa só...
A partir daí, inicia o corte com o autocrático Balakirev, afastando-se de alguma forma do grupo dos cinco compositores nacionalistas do qual fazia parte com Borodin, Mussorgsky, Cui... e o encarregado pela supervisão Balakirev (o famoso "Poderosos Cinco"), começando logo depois a sua carreira de professor no Conservatório de São Petersburgo, alegadamente sem a preparação adequada para o exercício lectivo (seguramente um bom exemplo de que nem sempre um ensino intuitivo, supostamente o fornecido por Balakirev, é sinónimo de ensino qualitativo), sendo inclusivamente conhecida a necessidade que Rimsky-Korsakov teria de estudar na noite da véspera os livros que iria referir na aula da manhã seguinte (sempre um passo à frente este Nicolai... mesmo quando é necessário dar dois passos atrás).
Rimsky-Korsakov começaria cedo a mostrar a sua habilidade de orquestrador, no sentido em que escolheria os melhores timbres, os aplicaria de forma acertada e os adequaria na perfeição às necessidades expressivas como uma espécie de tapeçaria de sons. Este seu talento, aliado à motivação extra traziada pela música de Hector Berlioz, leva-lo-iam a escrever o seu famoso livro de "Princípios de Orquestração" a partir de 1873.
No inverno de 1887, numa época de fecunda inspiração, Rimsky-Korsakov tem a ideia de compor uma obra orquestral inspirada no conto árabe das "Mil e uma Noites" compilado pelo académico Ibn En-Nadim. Esta ideia amadureceria durante a primavera seguinte, vindo Scheherazade a nascer para o mundo durante as férias de verão passadas nas margens calmas do lago Cherementz, umas águas porventura indutoras de um extraordinário relaxamento, já que desse parto sairiam também a "Abertura Grande Páscoa Russa" e a "Mazurca Polaca para violino e orquestra".
Scheherazade conta a história do Sultão Shahriar, que desiludido com a duplicidade e infidelidade femininas resolve matar cada uma das suas esposas após a primeira noite. No entanto, a Sultana Scheherazade salva a sua própria vida através do interesse que transmite ao esposo para as histórias poéticas de aventuras que conta durante mil e uma noites, prolongando assim a sua existência e adiando a fatídica execução dia após dia. Nesse sentido, Rimsky-Korsakov utilizaria o leitmotiv Wagneriano, mas de forma caleidoscópica de modo a deixar a impressão de uma narrativa oriental de histórias de encantar (permitindo-nos notar com alguma segurança também, que ao corte com a tradição germânica e à criação de uma música inspirada no folclore russo, pedidos pelos seus quatro companheiros de irmandade, o nosso Nicolai responderia com o leitmotiv, o colorido orquestral e o interesse francês pelo exótico, juntando-lhe ainda o folclore da antiga Pérsia!).
A obra apresentaria quatro... quadros: "O mar e o navio de Sinbad" [1], que retracta a história dum mercador que pela sua fantástica sorte transforma todo o desastre numa oportunidade de aventuras e prosperidade (e ainda bem, porque a vontade de aplicação deste comportamento deverá ser considerada por todos de vital importância, particularmente neste momento da história... De forma modesta, tenho-me sentido também um pouco Sinbad por estes dias...); "O conto do Príncipe Kalendar" [2], que narra as aventuras do filho de um rei que na procura de sabedoria se disfarça de vagabundo; "O Jovem Príncipe e a Jovem Princesa" [3], aqui sem que Rimsky-Korsakov divulgasse o conto da sua inspiração, supondo-se, no entanto, que se trataria da história de amor entre Aladino e a princesa Badur; e "Festival de Bagdad, o mar, naufrágio num rochedo rodeado por um guerreiro de bronze e conclusão" [4], com as suas cenas de aventura e onde se ouviriam algumas melodias dos quadros anteriores.
O amigo e musicólogo Vladimir Stassov seria o honrado dedicatário, Scheherazade estrearia com enorme sucesso a 9 de Novembro de 1888 em Leipzig, pela mão do seu criador, e nunca mais deixaria de ser ouvida... em Debussy, Ravel, Stravinsky, Resphigi...

Nuno Oliveira




"Scheherazade, op. 35"


Extractos que proponho para audição:
  • New York Philharmonic
  • Yuri Temirkanov
  • RCA, 09026-61173-2
"o belo": toda a obra, com alguns destaques em baixo;
                I: tutti, violino (belíssimos solos de violino, sonoridade fabulosa nos tuttis) [youtube]
                II: tutti, e solos de violino, fagote e oboé (0:38, 7:52), clarinete (5:06), flauta e trompa
                (11:12)  (...o fagote mágico... parte 1...e um final apoteótico) [youtube]
                III: tutti (excelência e máxima expressividade para quem gosta de histórias de amor)
                [youtube]
                IV: tutti, violino (...sonoridade grandiosa e violino soberbo, com o sentido do dever
                cumprido... Até amanhã... Shahriar...) [youtube]




 

  • London Symphony Orchestra
  • Charles Mackerras
  • Telarc, CD-80208
"o belo": A sumptuosidade sonora no seu expoente máximo. Solistas de excelência,
                com a história romântica a ser contada de forma profunda. Um registo icónico
                e uma das principais referências discográficas da obra. Imperdível.
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




 

  • Israel Philharmonic Orchestra
  • Zubin Mehta
  • CBS, MK 44559
"o belo": Sonoridade orquestral aconchegante, com a sensualidade a chegar-nos através
                da simplicidade interpretativa. Um registo onde o mistério é encarado com leveza
                e os solistas brilham de forma intensa. Não estava à espera de encontrar uma
                gravação de que gostasse tanto aqui, mas a verdade é que a encontrei.
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Philharmonia Orchestra
  • Emmanuel Krivine
  • Denon, CO-77068
"o belo": Som quente, trombones e tubas exuberantes, sensibilidade e emoção nas
                madeiras e violoncelo solistas, violino solo de topo. Em síntese, um registo
                repleto de força, mas também de intimismo e sensualidade. Boa surpresa.
                Magnífica escolha.
                I-IV [allmusic]





 
  • New York Philharmonic
  • Kurt Masur
  • Teldec, 0630-17125-2
"o belo": gravado ao vivo; I [youtube], II (...o fagote mágico... parte 2...) [youtube],
                III [youtube], IV [youtube]






  • Scottish National Orchestra
  • Neeme Järvi
  • Chandos, CHAN 8479
"o belo": As mil e uma noites ecoam nas ruas de Glasgow. Metais exuberantes,
                clarinete luxuriante e um violino a acabar a história que deixa vontade
                de ouvir mais. Excelente escolha.
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




 

  • Orchestre Symphonique de Montréal
  • Charles Dutoit
  • Decca, 410 253-2 DH
"o belo": I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
  • Philadelphia Orchestra
  • Riccardo Muti
  • EMI, CDC 7 47023 2
"o belo": I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
  • Royal Concertgebouw Orchestra
  • Riccardo Chailly
  • Decca, 443 703-2 DH
"o belo": I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
    
Outras sugestões:



 



 



 
  • Loris Tjeknavorian/Armenian Philharmonic Orchestra/ASV, CD DCA 771 [youtube]



 


 



 



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Nikolai Rimsky-Korsakov [São Petersburgo,1894]





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Os artistas em foto artística





 
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