terça-feira, 28 de abril de 2020


24. Bruckner: sinfonia nº 8 |

Anton Bruckner e a sua Sinfonia nº 8, com um prazo de validade inesgotável se consumida de uma garfada só.






Para todos os amigos Brucknerianos que conheci lá para os lados de Espinhel.






Anton Bruckner (1824-1896) ficaria conhecido por ser um sinfonista teimoso e um perfeccionista eternamente insatisfeito, como atestariam as inúmeras revisões que faria nas suas obras (como seria o caso desta 8ª sinfonia, onde teremos de abrir os cordões à bolsa para podermos dizer que conhecemos a obra... na sua forma original, na editada por Nowak e na edição de Robert Haas... uma despesa facilmente recuperável, no entanto, pela possível redução das faturas do eventual Xanax pandémico...). 
Numa época em que o drama musical e o poema sinfónico programático eram a moda, Bruckner, contra todas as expectativas, manter-se-ia um sinfonista-organista do Mosteiro de S. Florian, próximo de Linz, um tripulante num barco que poderia ser considerado à época, naufragado e na iminência de se afundar.
Bruckner escreveria a sua 8ª sinfonia durante os três anos que ocorrem entre Julho de 1884 e Agosto de 1887, numa época coroada pelo sucesso e pela rara autoconfiança coincidentes com o sucesso triunfante das primeiras reproduções da sua sinfonia nº 7, em Leipzig e em Munique, tendo inclusive sido dirigida nesta cidade pelo grande maestro Wagneriano Hermann Levi, que era o seu maior simpatizante e apoiante, sendo por isso tratado por Anton com o paternalismo evidentemente esperado de: "o meu pai artístico".
Ao seu progenitor... artístico, enviaria, pois, a partitura completa da sua sinfonia, a 8 de Setembro de 1887, na esperança de que este concordasse em dirigi-la. Já a resposta que receberia seria mais adequada a um castrador... artístico... Na realidade Levi não compreenderia a obra, consideraria a sua grande escala difícil de superar e impossível de tocar, e consciente do que o seu julgamento pudesse provocar no autor, pede ao intermediário Josef Schalk que o faça por ele (...).
O resultado seria o que Schalk escreveria a Levi a 18 de Outubro: "O Professor Bruckner recebeu muito mal o seu veredicto. Ele ainda está muito descontente e recusa ouvir uma palavra de conforto... eu apenas desejo que ele se acalme rapidamente e siga o seu conselho de tentar uma revisão, o que, por falar nisso, penso que já terá começado no primeiro andamento...", ou seja: à devastação e desespero, corresponderá a recusa da desistência e umas mãos-á-obra (...o contrário é que não poderia ser), o que de facto aconteceu.
Bruckner iria reescrever a sua partitura, entre pequenos, mas importantes detalhes, até à reconcepção total de algumas passagens e a alguns cortes draconianos (... o que de certo modo daria alguma razão a Levi...). A revisão ficaria terminada em 1890, a partitura seria publicada em 1892, pela editora Haslinger, e dedicada ao Imperador Francisco José, que arcará (e muito bem!) com as despesas da edição (não me sendo conhecido, entretanto, se já saberia ou não das intenções dedicatórias de Anton, no momento dessa sua decisão).
A obra estrear-se-ia em Viena a 18 de Dezembro de 1892, pelo maestro Hans Richter, com o enorme sucesso que mesmo a língua viperina do seu inimigo, o critico Hanslick, não conseguiria ofuscar. Anton receberia uma estrondosa ovação nessa noite, Hugo Wolff exclamaria "O trabalho de um gigante!", a imprensa escreveria "O coroar da realização musical da nossa era"... e a Hans Richter aguardava um tabuleiro com 48 bolos quentinhos, entregues pelo compositor entre a saída pela porta de palco e a entrada na sala de convívio (pormenores deliciosos de um romantismo não menos apetecível).
A 8ª sinfonia tornar-se-ia num excelente exemplo das suas famosas "ondas sinfónicas" (a acumulação gradual da incrementação de clímaxes poderosos e a tensão dinâmica gerada). Bruckner torna-se no seu próprio mestre, absorvendo e colhendo tudo o que necessita dos seus modelos Beethoven e Wagner, mas sem a necessidade de recorrer a uma imitação inocente ou escravizadora. Deste modo, e embora a influência de Wagner seja perceptível (...por um quarteto de tubas Wagnerianas e um trio de harpas...), a mesma não se tornaria obstrutiva à intensão original do autor.
Desde a época de Bruckner, que se discute se a sua 8ª sinfonia é ou não uma obra programática. À partida porventura não, mas depois supostamente sim!? Explico: Bruckner não necessitaria de uma inspiração particular que não fosse a do seu "querido Deus", já Anton poderia ter proferido algumas frases porventura acauteladoras e potenciadoras do bom estado de conservação de um bote de salvação, que (hipoteticamente...) poderia ter de usar, uma vez que também seriam sobejamente conhecidos os seus dotes culinários... do ponto de vista do consumidor. Tudo isto seria talvez, ou não tivesse Bruckner declarado, "A minha oitava é um mistério".
Na realidade o autor faria alguns comentários ilustrativos sobre os quatro andamentos da sinfonia: a "anunciação da morte", no primeiro, como escreveria ao maestro Felix Weingartner; o retrato da personagem do folclore Austro-germânico, "Michel", um simplório sonhador idealista, no segundo; "Os olhos de uma jovem rapariga onde mergulhei demasiado fundo" (valha-nos Deus, Anton...), no terceiro; e o encontro entre o Imperador Francisco José e o Czar Alexandre III em Olomouc, ao som de galopes cossacos, no quarto.
Mas apesar de tudo, o que realmente ouvimos é uma sinfonia gloriosa, que mais de 100 anos após a sua criação, ainda nos surpreende com a excelência do material temático que utiliza, em particular no sublime Adagio (um dos mais maravilhosos andamentos lentos escritos até hoje), e na estrutura que liga de forma magistral todo o edifício sinfónico (de vários andares).
Por isso, deve ser consumida de uma só vez, como se de um penalty (alimentar) se tratasse. Bruckner certamente o aconselharia (como poderão atestar, o conhecido interesse literário pelos Menus de restaurantes e o famoso almoço no Ouriço Vermelho, em Viena... com Brahms), e os seus seguidores das margens do Águeda seguramente também.

Nuno Oliveira




"Sinfonia nº 8, em dó menor"


Extractos que proponho para audição:
  • Wiener Philharmoniker
  • Herbert von Karajan
  • Deutsche Grammophon, 427 611-2 GH2
"o belo": toda a obra (ed. Haas: A versão de referência onde von Karajan sobressai!)
                I: tutti (... no meio do mosteiro e cheio de sentimentos contraditórios...) [youtube]
                II: tutti (...fluidez e mudanças de humor a fazer lembrar alguns anéis a pastagens
                    alpinas...) [youtube]
                III: tutti (...e o que poderia ser banal transforma-se em transcendental!) [youtube]
                IV: tutti (...peripécias à procura do divino, afinal!?) [youtube]






  • Wiener Philharmoniker
  • Bernard Haitink
  • Philips, 446 659-2 PH2
"o belo": (ed. Haas: A magnitude e nobreza sonora, no respirar duma Wiener Philharmoniker
                dirigida pelo mestre holandês.) I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • Daniel Barenboim
  • Teldec, 4509-94567-2
"o belo": (ed. Haas: Detalhes de música de câmara ao vivo, no meio da catedral.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • Lorin Maazel
  • EMI, 5 69796 2
"o belo": (ed. Nowak: Visão clara e elevada intensidade numa gravação que não deve
                ser negligenciada pelos amantes de um Bruckner mais musculado, [4º and.,
                pormenor de tímpanos aos 0:23]!)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Chicago Symphony Orchestra
  • Georg Solti
  • Decca, 430 228-2 DH
"o belo": (ed. Nowak: O poder da orquestra de Chicago e a inspiração de Georg Solti
                num registo a não perder.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Radio-Sinfonie-Orchester Frankfurt
  • Eliahu Inbal
  • Teldec, 2292-43791-2
"o belo": (ed. original: A versão de 1887 registada pelo especialista neste reportório.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






   
Outras sugestões:




  • Zubin Mehta/Israel Philharmonic Orchestra/Sony, S2K 45864 (ed. Nowak: A versão de Mehta que merece ser ouvida [1º and., trompa, trombone, trompete aos 5:35 e 8:32].); I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube] 




  • Hans Knappertsbusch/Munchner Philharmoniker/MCA, MDC 80089 (ver. original: A visão do mestre de Wuppertal no início dos anos 60, aos 75 anos de idade.); I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]







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Anton Bruckner [Viena, 1890]




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"...lá para os lados de Espinhel"


 
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