segunda-feira, 20 de abril de 2020


18. R. Strauss: Sinfonia Alpina |

A religião da Natureza ou o montanhismo Humano da "Sinfonia Alpina" de Richard Strauss.






Para os meus avós, que me vêm do cume da montanha, sobre as nuvens, e me fizeram descobrir quem sou.

(E à memória da excelente surpresa que tive, quando encontrei caras familiares nos palcos da Casa da Música e da Fundação Gulbenkian, nas Sinfonias Alpinas que lá assisti [em 31-10-2009 e 26-10-2012])






O conceito da natureza na música, terá no inicio do séc. XIX dois importantes exemplos na sinfonia "Pastoral", dum Ludwig van Beethoven que acredita que a natureza é o meio que aproxima o homem de Deus (a um homem em harmonia com a natureza corresponderia um homem mais perto de Deus... espiritualmente, não necessariamente através da proximidade física... se bem que isso pudesse porventura acontecer à custa de eventuais acidentes na busca da tão desejada harmonia..), e na sinfonia "Ce qu'on entend sur la montagne", dum Franz Liszt, que, por outro lado, consideraria que o conflito existente entre o homem (real) e a natureza (ideal), sinónimo da mútua oposição entre ambos, só conseguiria ser resolvido através da oração que conduziria à redenção do homem (leia-se: autor), perante Deus (um assinalável desnível de romanticidade, diga-se, eventualmente compreensível face à progressiva perca de audição de um e à adopção do hábito Franciscano por outro...).
Ora um Richard Strauss autor duma Sinfonia Alpina, discípulo de Friedrich Nietzsche e consequentemente adepto das suas ideias, não sentiria a necessidade de introdução de Deus na equação. A sua visão do mundo admite apenas um conceito de homem e natureza ausente de Deus, como aliás escreve no seu diário a 18 de Maio de 1911, após ter tido conhecimento da morte de Gustav Mahler, que admirava: "Vou chamar à minha Sinfonia Alpina "O Anticristo", porque ela conduz à purificação moral através da força de cada um, à libertação pelo trabalho, e à adoração da eterna e magnífica natureza..." (... tivesse Richard previsto o futuro e talvez, admito mesmo certamente, não tivesse proferido a "libertação pelo trabalho" que alguém terá usado num sinal de boas-vindas algumas décadas depois... problemáticas que os diários trazem quando se isolam os devidos enquadramentos...). Desta forma, usa a crença pagã da natureza para ilustrar os sentimentos de um herói (o compositor, seguramente) durante uma jornada na montanha (aparentemente inspirada naquela que terá vivenciado em Agosto de 1878, então com 14 anos, em Murnau, na Alta Baviera), e a sua reacção antirreligiosa face à natureza que observa, o que o leva ao conhecimento profundo de si mesmo (... de cima a baixo).
Na Sinfonia Alpina, o próprio som tornar-se-á o tema, existindo vários exemplos de equivalentes acústicos da reacção do artista à natureza que o rodeia (a existência de aparatos simuladores de ventos e trovões, e os característicos sinos dos quadrúpedes bovinos, poderão ser escutados na obra ...com a adequada atenção cognitiva, naturalmente...), e apesar da orquestração não apresentar os excessos descritivos que o título da partitura eventualmente sugerisse (Strauss acreditava que a riqueza da orquestração seria um meio para a invenção poética e nunca um fim), é célebre a frase que terá dito no final do primeiro ensaio: "Por fim aprendi a orquestrar!" (ao que acrescento de forma particular: ...os 137 recursos sinfónicos necessários para a reprodução do panorama Alpino... e da descoberta interior do homem!). Dessa orquestração resultarão 22 secções nomeadas pelo autor, que segundo as suas próprias palavras, terão sido o fruto de uma composição semelhante à produção intuitiva de leite pelos respectivos bovídeos (supostamente alpinos): [1] Noite (e a escuridão na aproximação ao sopé da montanha), [2] Nascer do sol (e a visão majestosa da montanha), [3] Subida (e o início da jornada de montanhismo), [4] Entrada nos Bosques (o vento nas árvores e os sons dos animais), [5] Caminhada ao longo do ribeiro (ao som da corrente), [6] Na queda de água (depois dos rápidos), [7] Aparição (da fada dos Alpes sob um arco-íris), [8] Nos campos floridos (e coloridos), [9] Nas pastagens Alpinas (de Verão), [10] Por caminhos errados debaixo de ramagens (perdido e desesperado para encontrar o trilho certo), [11] No glaciar (o reconhecimento da localização e a renovação da energia), [12] Momentos perigosos (sobre gelo fino e quebradiço), [13] No cume (após a vitória sobre todas as adversidades encontradas), [14] Visão (do horizonte e exaltação do objectivo atingido), [15] Aparecimento de névoas (e diminuição da Visão), [16] Obscurecimento gradual do sol (e Visão diminuta), [17] Elegia (da reflexão da natureza... e do Cosmos... interior), [18] Calma antes da tempestade (e a transformação dos ventos), [19] Tempestade e descida (apressada), [20] Pôr do sol (e algum cansaço), [21] Epílogo (e fim da aventura) e [22] Noite (chega e a montanha adormece).
Richard Strauss terá iniciado a ideia de escrever a sinfonia em 1900, mas a composição da obra só terá sido realizada nos 100 dias que ocorreram entre 1 de Janeiro de 1914 e 8 de Fevereiro de 1915 (no inverno inicial da 1ª Guerra Mundial), na temporada que terá passado na sua casa de montanha em Garmich-Partenkirchen, de onde observaria os picos dos Zugspitze e Wetterstenngebirge alpinos, da sua janela do escritório (...evidentemente, uma mais valia inspiradora... uma vez que acredito, com razoável convicção, que alguma inspiração me terá porventura também surgido, após a paralela contemplação dos picos da Serra da Estrela, a partir da minha...), e nos entreactos do trabalho criativo da sua ópera "Die Frau ohne Schatten" (uma composição para relaxar esta Sinfonia Alpina, portanto... porventura à sombra de alguma encosta alpina...).
Seguir-se-á a dedicatória ao Conde Nikolaus Seebach e à Orquestra da Corte de Dresden (Dresden Hofkapelle, da qual era o director musical): "Com gratidão" (...seguramente merecida, considerando as produções operáticas que previamente este lhe terá patrocinado), e a estreia em Berlim a 28 de Outubro de 1915, pelos músicos de Dresden dirigidos pelo compositor.
A recepção pelo público terá sido um sucesso, já pela critica seria recebida de forma menos consensual, tendo surgido alguns comentários nefastos, desde melodias com efeitos sonoros cinematográficos, até ao uso indevido da palavra Sinfonia, por todo o peso intelectual do conflito e triunfo que esta implicaria (... a preferência pelo Poema Sinfónico teria sido eventualmente mais confortável...), ao que Richard logicamente ignorou... pois já teria descoberto quem verdadeiramente era há muito tempo atrás...

Nuno Oliveira




"Sinfonia Alpina, op. 64"


Extractos que proponho para audição:

  • San Francisco Symphony
  • Herbert Blomstedt
  • Decca, 466 423-2 DM
"o belo": toda a sinfonia [youtube], no entanto proponho as secções seguintes;
                [1]: Noite - tutti (...visão obscura e passadas incertas...) [youtube]
                [2]: Nascer do sol - tutti (...o 1º raio de luz...) [youtube]
                [9]: Nas pastagens Alpinas - tutti (...alguma fauna dos Alpes...) [youtube]
                [13]: No cume - tutti (...no topo do Mundo!) [youtube]
                [19]: Tempestade e descida - tutti (...a força da Natureza!) [youtube]
                [21]: Epílogo - tutti (...religiosidade... afinal!?) [youtube]






  • Sinfonieorchester des Bayerischen Rundfunks
  • Georg Solti
  • Decca, 414 676-2 DH
"o belo": (...directamente dos Alpes Bávaros.) [1] [youtube], [4] [youtube],
                [13] [youtube], [21] [youtube], [1-22] [youtube]






  • Concertgebouw Orchestra, Amsterdam
  • Bernard Haitink
  • Philips, 416 156-2 PH
"o belo": (...a percepção dos Países Baixos.) [1] [youtube], [2] [youtube],
                [9] [youtube], [13] [youtube], [1-22] [youtube]






  • Gustav Mahler Jugendorchester
  • Franz Welser-Most
  • EMI, 3 34569 2
"o belo": (...o som impressionante que esta rapaziada impetuosa tirou!)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [13] [youtube], [21] [youtube]






  • The Cleveland Orchestra
  • Vladimir Ashkenazy
  • London, 425 112-2 DH
"o belo": (...from the Ohio mountains...) [1] [youtube], [2] [youtube], [12-13] [youtube],
                [21] [youtube], [1-22] [youtube]






  • Vienna Philharmonic Orchestra
  • André Previn
  • Telarc, CD-80211
"o belo": (...a parte Austríaca dos Alpes.) [1-22] [youtube]






  
Outras sugestões:


















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Richard Strauss com a esposa Pauline na casa de Garmish-Partenkirchen





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Quatro partes de um coração.




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