64. Schumann: sinfonia nº 2 |
A "Sinfonia nº 2" como o retrato do espírito quixotesco de Robert Schumann que nos fala ao coração.
Para os meus padrinhos das encostas do Águeda.
Por ampararem a minha história.
"Sinfonia nº 2, em dó maior, op. 61"
✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicação nº 20)
✰ Outras sugestões:
O colapso nervoso ocorrido no Verão de 1844 marcaria para sempre a trágica vida do compositor alemão Robert Schumann (1810 - 1856). Com efeito, este acontecimento traumático estaria na origem dos sérios problemas profissionais e da consequente miséria pessoal que o levariam a decidir mudar de Leipzig para Dresden, cidade a que chegaria em Outubro de 1844 e onde recomeçaria gradualmente a recuperar a saúde, culminando na composição da sua segunda sinfonia entre Dezembro de 1845 e Outubro de 1846 (que em termos cronológicos teria sido, na realidade, a sua terceira sinfonia, uma vez que a obra conhecida hoje como a sua quarta sinfonia teria sido escrita depois da nº 1, "Primavera", tendo sido revista e publicada posteriormente, em 1851, como a sua nº 4; a última sinfonia que escreveria seria realmente a nº 3, "Renana" em 1850).
A estreia desta sua Sinfonia nº 2, em dó maior, op. 61, viria a acontecer a 5 de Novembro de 1846 na mítica Gewandhaus de Leipzig com a direcção de Felix Mendelssohn, o maestro mais famoso daquele tempo, mas sem trazer o sucesso que o compositor esperava. Já algumas semanas mais tarde, porém, a obra receberia uma recepção mais entusiástica numa reapresentação realizada no mesmo local (que continuaria lendário) e pelos mesmos protagonistas (que se manteriam igualmente virtuosos), suspeitando-se, neste caso, que o motivo diferenciador da apreciação original teriam sido as correcções, ou melhor, modificações levadas a cabo pelo autor (...à semelhança do que diria alguns anos antes o igualmente trágico, Antoine de Lavoisier, de que na natureza nada se perderia, tudo se transformaria, entendo igualmente elegante considerar que a genialidade não se corrige... modifica-se), entre as quais se poderiam encontrar a inclusão de três trombones nos primeiro e quarto andamentos. Ora toda a gente sabe, ou pelo menos desconfia, que os trombones nunca são demais para os românticos (os que vivenciam o romantismo, a corrente artística quero dizer...), e teria sido eventualmente também por essa razão, que o número de aplausos teria aparentemente subido nessa segunda audição.
Schumann escreveria esta sinfonia na sombra da fatídica doença mental que por aquela altura já se tornaria evidente após os vários episódios depressivos ocorridos (pressagiando já o final trágico aos 46 anos de idade; por coincidência a minha). De forma consciente, viria a escrever naquela época: "Eu rascunhei-a enquanto tinha ainda muito pouca saúde. De facto, posso dizer que foi a minha resistência mental, da maneira que estava, que teve aqui visível influência, e esta foi a minha maneira de tentar lutar contra a doença". Este relato permite-nos, assim, compreender o contexto biográfico na criação desta obra-prima e as ideias poéticas em que se inspirou, como são o desafio perante a adversidade e a atitude positiva como garante da vitória final.
A obra é composta pelos quatro andamentos tradicionais. Abre [I] com um "coral" nos metais, misterioso e ao mesmo tempo revelador da semente temática a partir da qual toda a sinfonia é desenvolvida, ao qual se segue um Scherzo [II] em cinco partes. O sublime Adagio espressivo [III] surge depois, com a sua melancolia e caracter fortemente emocional; sem dúvida um ícone d"o belo" romantismo. O quarto andamento, Allegro molto vivace [IV], viria a seguir e com ele a força da mensagem de que a vida merece ser vivida em triunfo, representada através do colorido da instrumentação e do final apoteótico.
A razão que levou Schumann a colocar o andamento lento depois do Scherzo não é clara à primeira vista e, no entanto, torna-se decisiva. A batalha do compositor com a sua própria instabilidade mental reflecte-se na música, na escuridão do terceiro andamento como reacção profunda ao incansável e preocupado Robert dos ritmos obsessivos do primeiro andamento e do fervor do segundo, enquanto não chega transfigurada no segundo tema daquela vitória difícil de alcançar, do quarto andamento final. Esta característica serviria ainda de inspiração a outros compositores, levando inclusive Gustav Mahler (admirador confesso das sinfonias de Schumann como se pode constatar nas propostas em baixo) a fazer o mesmo com o Adagietto e o Finale da sua quinta sinfonia.
Incompreensivelmente (pelo menos para mim...), esta sua segunda sinfonia (...a que mais gosto) tornar-se-ia menos conhecida que as restantes três que escreveu, sendo por isso menos vezes apresentada, o que lhe conferiria algum estatuto de "Patinho feio" das sinfonias de Schumann. Talvez tivesse ficado mais conhecida e, também por essa razão, sido mais apreciada (porque, entendo eu, depois de a conhecermos só nos resta apreciá-la... mas, como é claro, sou suspeito nesta afirmação), acaso Schumann se tivesse lembrado também de atribuir um apelido do género "Primavera" ou "Renana"...
A impressão digital de uma história de vida que nos fala ao coração a cada compasso...
...teria seguramente ficado bem como: Sinfonia nº 2, em dó maior, op. 61, "Discursiva".
Nuno Oliveira
"Sinfonia nº 2, em dó maior, op. 61"
✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicação nº 20)
- Philharmonia Orchestra
- Christian Thielemann
- Deutsche Grammophon, 453 482-2 GH
e repleta de expressividade. Este 3º and. destaca-se pela interpretação que todos
os ícones do romantismo merecem. Glorioso e absolutamente imperdível!),
com alguns destaques, identificados a seguir;
[I]: tutti, aos 0:00-1:24 (As "dinâmicas" de um mistério...) [youtube]
[II]: tutti (Pensamentos irrequietos...) [youtube]
[III]: "o belo" Adagio espressivo (...e o sublime que é "o belo" dentro d"o belo",
desenhado pelo mestre Thielemann aos 3:53-5:06 e 8:57-10:08!) [youtube]
[IV]: tutti (Vitória e apoteose final!) [youtube]
- Staatskapelle Dresden
- Wolfgang Sawallisch
- EMI, CDM 7 69472 2
espontaneidade e sentimento proporcionais ao real significado da música.
O testemunho do mestre Sawallisch e a excelência dos músicos da Dresden
de Schumann que não podemos perder.)
- Symphonie-Orchester des Bayerischen Rundfunks
- Rafael Kubelik
- Sony, SBK 48269
e a orquestra bávara, gravado na Hercules-Saal de Munique a 19 de Maio
de 1979 - uma data que me toca particularmente... De primeira linha e a
não perder também.)
- Wiener Philharmoniker
- Giuseppe Sinopoli
- Deutsche Grammophon, 459 049-2 GCC
Expressividade e magnetismo habituais, numa excelente escolha
a ter em conta.)
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
- Chamber Orchestra of Europe
- Nikolaus Harnoncourt
- Teldec, 4509-98320-2
alguns pormenores pessoais deliciosos. Sonoridade doce e madura como a
COE já nos habituou. Os exageros românticos são poucos, mas mesmo assim
valem a pena.)
- Orchestre des Champs Elysées
- Philippe Herreweghe
- Harmonia Mundi, HMC 901555
surpreendem. Uma interpretação para os que elegem o lirismo ao
dramatismo. Escolha de qualidade.)
- London Philharmonic Orchestra
- Kurt Masur
- Teldec, 2292-46446-2
para os que preferem uma abordagem mais racional da obra.)
- Riccardo Chailly/Gewandhausorchester/Decca, 475 8352 DH (Presenças instrumentais e dinâmicas retocadas por Mahler, num manuscrito a descobrir.) [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
- Franz Welser-Möst/The London Philharmonic/EMI, CDC 7 54898 2 (A interpretação de um jovem Welser-Möst no início dos anos 90.), [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
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