63. Sibelius: concerto p/ violino |
O concerto do violino de Jean Sibelius e as saudades da infância de um sinfonista de Hämeenlinna.
Para a comadre Carla Passos.
Embora a maioria dos grandes sinfonistas do séc. XIX fossem pianistas, o finlandês Jean Sibelius (1865, Hämeenlinna - 1957, Järvenpäa) não o era. Em boa verdade, para os que tocassem o seu intensamente idiomático concerto para violino, Jean só poderia ser um dos seus. E assim era. O jovem estudante de violino em Viena e activo do quarteto de cordas do Conservatório daquela cidade, chegaria inclusive a julgar-se suficientemente talentoso para idealizar uma carreira a solo, ambição da qual o finlandês viria a desistir em 1891, um ano fundamental para a história que nos viria a legar: malfadado porque faria a audição falhada para a Orquestra Filarmónica austríaca, e, ao mesmo tempo, afortunado, visto que reorientaria a sua educação musical para a composição em consequência de tal rejeição... porventura legítima, ou talvez não. No final de contas, e depois de ponderados todos os prós e os contras entre um violino e os múltiplos instrumentos de uma grande orquestra, poderemos inclusivamente sentir que esse terá sido mesmo um ano abençoado, não só para os múltiplos instrumentos (os alvos das sete sinfonias e das muitas outras obras que viria a criar) mas também para os inúmeros seres humanos, instrumentistas variados ou não, mas ouvintes exigentes seguramente.
✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 27 e 43)
✰ Outras sugestões:
Lugares remotos, desportos de inverno e um violino... Concerto de Sibelius.
Embora a maioria dos grandes sinfonistas do séc. XIX fossem pianistas, o finlandês Jean Sibelius (1865, Hämeenlinna - 1957, Järvenpäa) não o era. Em boa verdade, para os que tocassem o seu intensamente idiomático concerto para violino, Jean só poderia ser um dos seus. E assim era. O jovem estudante de violino em Viena e activo do quarteto de cordas do Conservatório daquela cidade, chegaria inclusive a julgar-se suficientemente talentoso para idealizar uma carreira a solo, ambição da qual o finlandês viria a desistir em 1891, um ano fundamental para a história que nos viria a legar: malfadado porque faria a audição falhada para a Orquestra Filarmónica austríaca, e, ao mesmo tempo, afortunado, visto que reorientaria a sua educação musical para a composição em consequência de tal rejeição... porventura legítima, ou talvez não. No final de contas, e depois de ponderados todos os prós e os contras entre um violino e os múltiplos instrumentos de uma grande orquestra, poderemos inclusivamente sentir que esse terá sido mesmo um ano abençoado, não só para os múltiplos instrumentos (os alvos das sete sinfonias e das muitas outras obras que viria a criar) mas também para os inúmeros seres humanos, instrumentistas variados ou não, mas ouvintes exigentes seguramente.
Na realidade, depois dos seus pais, o violino teria sido a sua primeira adoração, voltando-se para o piano aos cinco anos (!) possivelmente para tentar perceber o quanto teria estado desafinado até então (!). Mais tarde, enquanto intérprete, seria admirado pela pureza de entoação, e mesmo depois de aos trinta e dois anos lhe ter sido oferecida uma pensão para que se concentrasse na composição, continuaria a acolher estudantes de violino como forma de sustento familiar suplementar e, como eu gosto de acreditar, de terapia (justificada, em parte, pelos desafios existentes nesta obra-prima e que a maioria dos violinistas de talento deverão gostar de encontrar... penso eu).
Neste concerto (escrito entre 1903 e 1905), para além de percebermos o amor infantil pelo instrumento solista (o autor reconheceria, aliás, que o tema principal teria sido "uma ideia inspirada" ocorrida muitos anos antes), podemos também notar o Sibelius, já quadragenário, em busca de refúgio na bebida sempre que as tentativas de mudança do estilo musical lhe colocavam incertezas estéticas ou, pior do que isso, lhe provocavam dúvidas existenciais; sendo também provável que o mesmo já não seria capaz de interpretar o seu próprio concerto por aquela altura, embora seja razoável admitir que ele pudesse ter gostado de o fazer (de facto, alguns anos depois, em 1915, viria a registar uma frase enigmática no seu diário ao mesmo tempo que escrevia a sua sinfonia nº 5 [ver publicação nº 27]: "Sonhei que tinha doze anos e era um violinista virtuoso!").
Por outro lado, o musicólogo finlandês Erik Tawaststjerna forneceria ainda vários detalhes sobre a génese e o caminho labiríntico que o compositor teria percorrido na composição deste concerto, assim como o seu comportamento perante Willy Burmester, o violinista que antes de suceder ao seu mentor Josef Joachim como o maior violinista alemão, teria trabalhado na Finlândia e conhecido o compositor, tendo sido aquele que o encorajaria a escrever esta obra e a quem teria sido prometida a estreia; uma promessa entretanto não honrada devido a considerações de Jean sobre alegadas faltas de autoritarismo nas apresentações do chamado reportório sério pelo violino de Willy, que, ao que parece, daria mais importância à quantidade do que à qualidade das "notas" por aquela altura... (uma característica que a idade viria aparentemente a remediar, sobrepondo-se a qualidade à quantidade com o amadurecimento natural das performances dos mais variados teores artísticos), chegando ao ponto de lhe ter sido, por um lado, retirada pelo compositor a dedicatória após alguns episódios de concertos marcados e indisponibilidades de agenda demonstradas, e, por outro, a recusa do violinista em interpretar esta obra durante toda a sua vida concertística (já o lirismo apelativo aliado a alguns cabelos brancos poderão ter proporcionado algumas audições caseiras... eu, pelo menos, gosto de acreditar que sim).
A partitura seria finalizada no Outono de 1903, cerca de um ano depois da estreia da sua segunda sinfonia [ver publicação nº 43], e seria apresentada pela primeira vez ao público no dia 8 de Fevereiro de 1904, em Helsínquia, pelo violinista Viktor Novácek, concertino da orquestra daquela cidade, e direcção do próprio compositor, com o pouco sucesso que a performance inadequada terá proporcionado, levando Sibelius a reescrevê-lo de imediato, purificando-o e removendo os detalhes desnecessários e os ornamentos supérfluos que impediriam a concretização de uma estrutura coerente.
A sua forma definitiva seria, desta maneira, estreada com boa aceitação a 19 de Outubro de 1905, na Singakademie de Berlim, pela Hofkapelle e o seu concertino, o violinista Karel Halír, todos dirigidos por nem mais nem menos do que o genial Richard Strauss, sendo que, e apesar deste sucesso pontual, o concerto permaneceria como uma peça periférica no reportório para este instrumento, tendo seguramente contribuído para isso os comentários reprovadores do professor Joachim, que para além de olhar pelos seus protégé seria também conhecido por não apreciar a música pós-Brahmsiana (atitude que a sua estreia do concerto para violino de Brahms teria seguramente influenciado...), existindo inclusivamente referências de que o consideraria mesmo "Odiável e aborrecido" (!?...). Com efeito, este magnífico concerto só ficaria para a história após o interesse do violinista russo Leopold Auer, levando-o a ensiná-lo ao seu aluno Jascha Heifetz, tendo este posteriormente persuadido outros violinistas a considerar esta obra no grupo dos grandes concertos para violino (uma influência que podemos rapidamente constatar no testemunho de 1935, proposto em baixo).
A pureza gélida do registo agudo do violino na melodia inesquecível que abre o Allegro Moderato [1] e o embate imediato com as suas sonoridades mais graves, fazem-nos recordar um mergulho em brasa na água gelada de um fiorde finlandês, imergindo de seguida na canção expressiva do Adagio di molto [2], aliviando os contrastes anteriores com um murmúrio intimista de um bosque de abetos, até ao surgimento do comando orquestral no Allegro, ma non tanto [3], uma espécie de Scherzo alla Rondo que viria a ser descrito de forma memorável por Donald Tovey, como uma "evidente Polonaise para ursos polares" (depois do correspondente período de hibernação, suponho eu).
Embora tivesse escrito variadas Serenades e Humoresques, este concerto seria o único que Jean Sibelius viria a compor. Disponível desde 1905 nas melhores salas de espectáculo do mundo, este é um concerto verdadeiramente virtuoso; no virtuosismo do brilho da habilidade técnica que conseguimos observar, na virtuosidade dos mistérios das deslumbrantes florestas finlandesas que conseguimos imaginar...
Em ambas a beleza é real. Em todas o olhar é branco.
Nuno Oliveira
"Concerto p/ violino em ré menor, op. 47"
✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 27 e 43)
- Cho-Liang Lin
- Philharmonia Orchestra
- Esa-Pekka Salonen
- CBS, MK 44548
✿"o belo": (O magnetismo e a sonoridade gloriosa de Lin num registo de referência
imbatível. Tudo o que esperamos numa interpretação podemos encontrar
aqui. Perfeita e simplesmente imperdível!)
[1]: violino, aos 0:00-0:55 (O mistério da inspiração num olhar hibernante
através do gelo da nossa janela...), 4:47-5:10 e 14:38-15:01 ("o belo" que é
quando o violino é LINdo!); tutti, aos 5:30-5:49 (E chega a vez de Salonen nos
apanhar de surpresa...) e 13:09-13:30 (... e de uma orquestra que lhe seguiu o
exemplo!); violino, aos 15:34-15:53 (A sempre complexa ausência de esforço!) [youtube]
[2]: (Intermezzo de beleza meditativa...) [youtube],
[3]: (Virtuosismo e apoteose final!) [youtube]
- Kyung Wha Chung
- London Symphony Orchestra
- André Previn
- Decca, 425 080-2 DM
especial afinidade a esta música. Tanto sentimento só poderia resultar neste
marco discográfico da carreira de Chung. Uma maravilha a não perder.)
- Anne-Sophie Mutter
- Staatskapelle Dresden
- André Previn
- Deutsche Grammophon, 447 895-2 GH
respiração fria das florestas finlandesas. Lento meditativo e final poderoso.
Mutter impressionante, numa excelente escolha a ter em conta também.)
- Nigel Kennedy
- City of Birmingham Symphony Orchestra
- Simon Rattle
- EMI, CDC 7 54127 2
Kennedy. Um par de excelência como só Rattle e Birmingham poderiam
formar. Um registo de eleição.)
- Maxim Vengerov
- Chicago Symphony Orchestra
- Daniel Barenboim
- Teldec, 0630-13161-2
a habitual sonoridade cósmica da CSO. Uma escolha sentimental e uma
boa proposta também.)
- Dylana Jenson/Eugene Ormandy/The Philadelphia Orchestra/RCA, RD84548 (Ternura, elegância e suavidade numa interpretação a descobrir.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]
- Jascha Heifetz/Thomas Beecham/London Philharmonic Orchestra/Naxos, 8.110938 (O registo histórico de 1935 que viria a influenciar futuras gerações de intérpretes. Palavras para quê: o princípio começou aqui.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]
- Gidon Kremer/Gennadi Roshdestvensky/London Symphony Orchestra/RCA, GD 60957 (A versão que Kremer gravou na Aula Magna da Universidade de Salzburgo em 1977. Mais solene e menos místico. Para descobrir.), [1-3] [youtube]
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Comadres & compadres [Nazaré, 31-12-1999].