48. Mendelssohn: concerto p/ violino |
Um concerto para violino entre Felix Mendelssohn e Ferdinand David... e a extensão de um laço umbilical a partir do nº 14 da Grossen Michaelisstrasse.
Para o violino da MEniNA!
Felicidade e sorte no sapatinho.
Música debaixo do pinheirinho.
Felix Mendelssohn (1809-1847), o prodígio musical alemão, nasceria em Hamburgo a 3 de Fevereiro de 1809, numa casa onde, curiosamente um ano depois, a 16 de Junho, viria de igual modo a nascer Ferdinand David, o violinista e amigo com quem partilharia toda a sua curta vida terrena de trinta e oito anos de existência. Esse dia de Verão começava, assim, com uma amizade verdadeira no nº 14 da Grossen Michaelisstrasse.
Desde muito cedo que Felix apresentaria dotes geniais para a música, pelo que viria a estudar composição com Carl Friedrich Zelter a partir de 1817, em Berlim, cidade para onde a sua abastada família e respectiva actividade bancária, sinónimo também de negócio de família (sempre importante, e, contudo, de menor relevância neste caso, porque falamos de verdadeiro génio), tinham mudado em 1811. Em 1833, aos vinte e quatro anos, viria a desempenhar o primeiro cargo remunerado na direcção musical de Dusseldorf, deixando posteriormente essa cidade, em 1835, para liderar a Orquestra da Gewandhaus de Leipzig e viver numa cidade que o viria a deixar inúmeras vezes feliz a partir do pódio do maestro, com o seu velho amigo Ferdinand ao seu lado, no lugar do concertino, uma posição que viria a desempenhar por mais de trinta anos, e próximo de todos os músicos de uma orquestra que florescia com a sua liderança, e que, por essa razão, lhe trazia a elevada admiração e consequente estima por todos aqueles que escutavam a sua arte suprema!
De visita à sua família em Berlim no Verão de 1838, Felix viria a escrever ao amigo Ferdinand: "Eu preferia escrever-te um concerto para violino para o próximo Inverno: um em mi menor cuja abertura não me tem deixado em paz, a correr de um lado para o outro dentro da minha cabeça". A criação teria germinado ali, mas passariam sete anos ainda até que o concerto visse a luz do dia. Na realidade, aquela que viria a ser a sua obra a solo mais popular tornar-se-ia num "parto muito difícil de suportar" (à semelhança do que o norte-americano Aaron Copland dissera também um dia acerca da sua própria experiência como compositor, aparentemente uma actividade natalícia muito próxima da extrema unção), com muitas dúvidas sobre se possuiria a capacidade necessária para criar "o" algo "brilhante" que David tão bem desejava, embora a correspondência trocada entre ambos mostrasse não só as ofertas de encorajamento deste, como também o trabalho que realizaria próximo do compositor, aconselhando-o e guiando-o pela escrita violinística, gestos que Mendelssohn não esqueceria e não deixaria de agradecer, como se pode testemunhar pela carta que escreve a 1 de Março de 1839, de Leipzig, a William Horsley, um amigo que teria em Londres, numa altura em que David iria viajar para Inglaterra e, por essa razão, necessitaria decerto de alguma hospitalidade: "O sr. David, que conheço desde jovem, é um dos músicos mais eminentes, um violinista muito distinguido e o concertino da nossa orquestra, e embora o admire enquanto artista, ele tem o meu maior respeito enquanto homem, porque, na realidade, existirão poucos músicos tão ausentes de vaidade, tão pouco afectados e tão admiradores da sua arte e dos seus progressos". Uma amizade forte, sem dúvida, a que corresponderia a necessária extensão umbilical... até Londres.
A juntar a todas essas incertezas, surgiriam ainda outras razões para que a escrita deste concerto fosse deixada sucessivamente de parte. Em 1840, o recém-coroado Imperador Frederico Guilherme IV ofereceria a Mendelssohn a direcção do departamento de música da Academia de Artes de Berlim, na tentativa soberana de transformar esta cidade num centro cultural de prestígio. Surge, desta forma, a mudança em 1941 para Berlim, e a dura realidade que o compositor não imaginaria que pudesse acontecer, tendo em conta o upgrade que a sua carreira estaria aparentemente a viver. Com efeito, Mendelssohn aperceber-se-ia pela primeira vez do quão elevada poderia ser a discrepância entre as suas necessidades artísticas e a possibilidade de as conseguir concretizar. A burocracia generalizada, a falta dos fundos necessários e a ignorância instalada, impediam o funcionamento que pretendia para a escola, levando-o mesmo a afirmar que: "O primeiro passo de saída de Berlim é o primeiro passo para a felicidade"... passo que viria a dar em 1843, a caminho, uma vez mais, de Leipzig, cidade onde já fôra feliz e onde viria a fundar uma importante escola, o Conservatório de Leipzig, o primeiro conservatório alemão e uma instituição que chegaria com o seu nome até aos nossos dias. Neste, como noutros casos também, a perda de uns terá sido, efectivamente, o ganho de outros.
Todavia, nem tudo o que teria vivido naquela época viria a ser mau. Em boa verdade, terão existido alguns momentos de alegria e felicidade, principalmente os que terá usufruído junto do seu círculo familiar que tanto estimava. O Verão de 1844 seria passado pela família Mendelssohn na pequena cidade termal de Bad Soden, e seria ali, junto dos seus, que Felix viria a recuperar do cansaço de uma das suas inúmeras viagens a Inglaterra, a sua oitava neste caso, e a usufruir de umas férias restabelecedoras, como aliás viria a escrever a partir do seu apartamento da Villa Nassivia: "...deitava-me debaixo de macieiras e grandes carvalhos... muitas vezes comia morangos ao lanche, ao almoço e ao jantar, bebia água mineral Asmannshäuser e levantava-me às seis em ponto depois de já ter dormido por nove horas e meia". Um ambiente idílico, imagino, e uma dieta à base de fruta, extremamente relaxante, suponho, que terão seguramente contribuído para encarcerar algumas memórias berlinenses e libertar um Concerto para violino e orquestra, em mi menor, op. 64, a 16 de Setembro.
Mendelssohn, no entanto, continuaria insatisfeito com o resultado a que chegara e que iterativamente se esforçaria por melhorar, e, ao que parece, a sua insegurança acerca do valor da obra continuaria a persistir até aos últimos instantes da estreia prevista para Março do ano seguinte, como aliás nos faz acreditar pela carta que escreverá a David, a partir de Frankfurt, em 12 de Dezembro de 1844: "Hoje tenho um favor a pedir-te. Enviei a partitura do concerto para violino à Breitkopf & Härtel, que pode ser copiada para as partes. Mudei algumas coisas também na parte solista, que espero tenham sido melhorias. Mas o que eu gostava, em particular, era que me desses a tua opinião sobre tudo isto antes de se enviar a música para a irrevogável impressão". A essa carta, o compositor juntaria a lista das partes das quais não só quereria a opinião do dedicatário Ferdinand David, mas também a do colega dinamarquês, Niels Gade, que iria conduzir a estreia a 13 de Março de 1845 na Gewandhaus de Leipzig.
Nessa noite de estreias, dar-se-iam finalmente a conhecer ao mundo as melodias de uma amizade sem pausas, ligadas entre si por três andamentos... sem intervalos, num diálogo constante entre amigos, o solista-David e a orquestra-Mendelssohn, desde a primeira nota, pelo que se dispensar-se-ia a habitual introdução orquestral inicial, desnecessária entre os dois desde 1810. A interpretação "para que os anjos rejubilem nos céus" prometida pelo seu amigo David, ter-lhe-á sido honradamente oferecida, o que elevaria o concerto a obra-prima aclamada a partir desse instante, um amor à primeira vista que viria a ser amado na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida...
Nuno Oliveira
"Concerto p/ violino, em mi menor, op. 64"
✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 50, 70 e 82)
- Nigel Kennedy
- English Chamber Orchestra
- Jeffrey Tate
- EMI, CDC 7 49663 2
magnificamente pelo maestro inglês. O optimismo que envolve cada nota é
sentido de forma maravilhosa, num dos melhores registos da arte de Kennedy,
juntamente com um Bruch também de excelência. A não perder!);
I - violino, tutti, (Narrativa poética...) [youtube]
II - violino, tutti (A expressão masculina também pode ser doce!) [youtube]
III - violino, tutti (O triunfo da graciosidade...) [youtube]
II - violino, tutti (A expressão masculina também pode ser doce!) [youtube]
III - violino, tutti (O triunfo da graciosidade...) [youtube]
- Maxim Vengerov
- Gewandhausorchester Leipzig
- Kurt Masur
- Teldec, 4509-90875-2
✿"o belo": (Expressividade ao limite, espiritualidade e virtuosismo avassalador.
A experiência que o jovem Maxim, aos 19 anos, deixou nas paredes da
Gewandhaus terão certamente deixado Felix feliz. Sou fã!
PS. O Bruch é brutal!)
- Cho-Liang Lin
- Philharmonia Orchestra
- Michael Tilson Thomas
- CBS, MDK 44902
✿"o belo": (Interpretação repleta de poesia e emoção. Um dos clássicos intemporais
de Lin. Simplesmente maravilhoso.)
- Kyoko Takezawa
- Bamberger Symphoniker
- Claus Peter Flor
- RCA, 09026 62512 2
✿"o belo": (Sonoridade delicada e interpretação apelativa, repleta de alegria e
sensibilidade. A floresta aqui é de bonsais. Magnífica escolha.)
- Anne-Sophie Mutter
- Gewandhausorchester Leipzig ou Berliner Philharmoniker
- Kurt Masur ou Herbert von Karajan
- Deutsche Grammophon, 00289 477 8001 GH2 ou 400 031-2 GH
pormenor. A evolução dos detalhes e subtilezas em cada frase, com o
espírito de Mendelssohn a sobrevoar a Gewandhaus sob os dedos
femininos da princesa do violino. História e histórico.)
- Joshua Bell
- Camerata Salzburg
- Roger Norrington
- Sony, SK 89505
e nos músicos de Salzburgo, sabiamente dirigidos pelo mestre Norrington.
A não perder também.)
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Renaud Capuçon
- Mahler Chamber Orchestra
- Daniel Harding
- Virgin, 7243 5 45663 2 5
violinista francês. Músicos empenhados e direcção irreverente de Harding.)
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
✰ Outras sugestões:
- Dmitry Sitkovetsky/Neville Marriner/Academy of St. Martin in the Fields/Hänssler, CD 98.934, (Solista exuberante e agrupamento de excelência, dirigidos magistralmente pelo mestre Marriner. Uma boa escolha.), I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Nadja Salerno-Sonnenberg/Gerard Schwarz/New York Chamber Symphony/EMI, CDC 549276, (Dupla Salerno-Sonnenberg/Schwarz a ter em conta também.), I [youtube], II [youtube], III [youtube]
Felix Mendelssohn [Edward Magnus, 1846]
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Voo
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