sábado, 17 de outubro de 2020


40. Mozart: sinfonia concertante p/ violino e viola |

A "Sinfonia concertante para violino e viola", do Mozart de sempre, e a "Sinfonia concertante para viola e violino", de Aloysia e Anna Maria... para quando olhamos para uma cadeira e vemos Portugal...






Para a nossa Ana Bela Chaves, que após 40 anos à frente do naipe das violas da magnífica Orchestre de Paris, realizou o seu último concerto no dia 1 de Outubro de 2020, numa despedida com o segundo andamento da Sinfonia concertante para violino e viola, um Andante do génio de Mozart. Começou os primeiros compassos acompanhada pelo violino do concertino Philippe Aiche, até que chegou uma surpresa chamada Gil Shaham... Seguiram-se Música e Amor em forma de beijos atirados e devolvidos, muitos sorrisos, vivas e um enorme aplauso (...porventura numa mensagem divina, nesse dia Mundial da Música, para que não se ponha, ainda, a viola ao saco...).  


(E à recordação do orgulho que senti na primeira vez que vi a Ana Bela com a Orchestre de Paris [era Portugal naquela cadeira], num programa dirigido por Claus Peter Flor, no Théâtre Mogador, em Paris. Foi, até agora, a única vez que assisti ao vivo a uma 15ª de Shostakovitch, numa aventura passada entre "Navette-RER-Metro-Où est la Rue du Mogador?" e "Taxi-Centre Technique de Vélizy", que acaba de fazer quinze anos de idade. [22-9-2005])






Tivéssemos nós vivido na Salzburgo de 1777 e poderíamos muito provavelmente ter observado um jovem, chamado Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), a abandonar uma cidade onde se respirava mal a cultura, em direcção a uma outra, Mannheim, onde de forma oposta se sentia uma brisa artística constante.
E seria naquela cidade de Mannheim, que Wolfgang viria a passar o inverno de 1777-1778, acompanhado pela sua mãe, Anna Maria, e pela orquestra da corte, cujo vigor e competência o terão impressionado enormemente (numa mistura de disciplina e talento igual a excelência, como não poderia deixar de ser), à semelhança, aliás, daquilo que o poeta Friedrich Klopstock pensaria também, pelo menos nos momentos pós-concerto, onde perante algumas testemunhas chegaria mesmo a afirmar de que até poderia "...nadar nas delícias da música...", na companhia de outros eventuais nadadores, suspensos no leito renano dos sons daquele tempo (águas onde, descaradamente, também eu me vou atrevendo a, de vez em quando, dar algumas braçadas também... a procura de "o belo" impele-me irremediavelmente a isso). 
Mas não seria apenas a orquestra das margens do Reno, a melhor do mundo daquela época, que o viria a impressionar. Aloysia Weber, uma jovem cantora por quem ficara seriamente apaixonado, deixar-lhe-ia, de igual modo (se não superior...Weber era belíssima e Amadeus era... Amadeus!), uma marca profunda no espírito... e, admissivelmente, no corpo também (... Amadeus a ser Amadeus!, mais uma vez). Este seu relacionamento amoroso levá-lo-ia, no entanto, à partida precoce de Mannheim. O seu pai, Leopold, desapontado com o facto de que o filho não estivesse a fazer mais do que o necessário para viver uma vida modesta, escreveria a Wolfgang, ordenando-o que não ficasse mais naquela cidade e partisse de imediato para Paris... coisa que Wolfgang, embora com alguma relutância, fez, incapaz de desobedecer às ordens do pai (...e enfrentar o seu indesejado humor), mas levando consigo a lembrança insatisfatória (...Amadeus!) de uma parte (...a melhor, era Amadeus!) do que vivera em Mannheim: um par de luvas tricotadas por Aloysia (... e, certamente, perfumadas também... para Amadeus!).
Mozart chegaria a Paris, com a mãe, em março de 1778, onde, ainda estimulado pelas memórias de Aloysia (...aquele perfume, sentido agora junto aos Jardins do Luxemburgo) e da Orquestra de Mannheim (...aquela corrente de sons, murmurada agora junto ao Sena), viria rapidamente a compor várias obras importantes, onde se incluiria a sua famosa Sinfonia nº 31, K297, "Paris", um sucesso que ficaria contudo por celebrar devido à dor que viria a sofrer com a morte da sua mãe, a 3 de Julho desse ano (uma Luz que entretanto se apagara na cidade da luzes, a de Anna Maria, a sua Luz).
Desapontado com a vida artística parisiense, seriamente impactada com as mortes de Voltaire e Rousseau em 1778, Mozart decide abandonar a cidade e retornar a Salzburgo no inicio de 1779, onde, descontente, reentra ao serviço do Príncipe-Arcebispo, o opressivo (... e pouco sensível a odores artísticos e correntes estéticas... mesmo quando apreciadas dos Jardins de Mirabell ou das margens do Salzach): Hieronymus von Colloredo. Para Mozart, essa realidade seria sentida como uma profunda derrota, o seu espírito afundar-se-ia e nada parecia sair da sua pena genial até que chegaria o Outono, e, com ele, o súbito impulso da criatividade que resultaria na criação de uma indiscutível obra-prima: a sua Sinfonia concertante para violino e viola, em mi b maior, K364; num registo na moda naqueles anos 70, uma fusão (ou confusão... em alguns casos, se por autores insuficientemente talentosos) de concerto grosso, concerto a solo e sinfonia.
Pouco se conhece sobre a proveniência dos solistas originais ligados a esta obra virtuosa (e, já agora, virtuosística), no entanto supõe-se que terão sido os mesmos músicos que Mozart teria pensado, juntamente com um violoncelista (também desconhecido), para um pretendido concerto triplo em lá maior (o violinista Antonio Brunetti, para quem Mozart teria escrito alguns dos seus concertos para violino, estaria entre eles, ou eventualmente Ignaz Franzl, o concertino da Orquestra de Mannheim). A ausência de clarinetes, entretanto, não deixaria ficar dúvidas de que esta obra teria sido escrita para Salzburgo ao invés de Mannheim, contribuindo, assim, para confirmar a suspeita da falta do razoável bom gosto orçamental (tratar-se-ia seguramente mais de uma questão de bom gosto do que de orçamento, numa Salzburgo abastada naquela época), característica que, ao que parece também, viria a ser sucessivamente adoptada por um país chamado Portugal, culminando em Outubro de 2020 com a atribuição para a cultura de uma verba de 0,21% do orçamento geral para 2021 (assim não chegamos lá... ao sítio onde os mais felizes que nós estão).
Esta obra, dividida em três andamentos, é simultaneamente poderosa e intimista, num estilo verdadeiramente concertante (desconcertante... o modo como os instrumentos solistas interagem entre si, numa espécie de diálogo entre um casal verdadeiramente cúmplice... quem sabe Wolfgang e Aloysia!?), com uma explosão de ideias melódicas e uma multiplicidade de temas no Allegro Maestoso [1] inicial, onde só no tutti dos primeiros compassos podemos apreciar seis temas interligados entre si, um emocionante Andante [2] intermédio, sugerido por muitos como uma espécie de homenagem à memória da sua mãe, numa tristeza leve, que sem ser opressiva é contudo avassaladora (...de génio!), e um rondó agitado no Presto [3] final. Tudo isto apresentado com as texturas orquestrais ao gosto de Mozart, um jovem que aos vinte e três anos de idade já conheceria bem os difíceis sentimentos da saudade e da perda, e com as responsabilidades solísticas repartidas igualmente pelo casal... porventura numa espécie de prelúdio aos direitos da mulher e da igualdade de género, ou dum ideal sindical que despontava...
As voltas que a história dá... quando se anda às voltas com a História... 


Nuno Oliveira





"Sinfonia concertante para violino e viola, em mi b maior, K364"


✨ Extractos que proponho para audição:
  • Maxim Vengerov, Lawrence Power
  • UBS Verbier Festival Chamber Orchestra
  • Maxim Vengerov
  • EMI, 3 78374 2
"o belo": toda a obra (Tensão, magnetismo, nuances e sombras, melancolia... Vengerov
                à frente de si próprio e de um "Power" ao mesmo nível, num registo que reflecte
                o estudo aprofundado da obra. A não perder!);
                [I] - solistas e tutti (Aloysia...[youtube]
                [II] - solistas e tutti (Anna Maria...[youtube]
                [III] - solistas e tutti (Wolfgang...) [youtube]






  • Cho-Liang Lin, Jaime Laredo
  • English Chamber Orchestra
  • Raymond Leppard
  • Sony, SK 47693
"o belo": (A luminosidade e elegância de Lin, superiormente acompanhado por
               Laredo numa interpretação de referência desta obra. Sublime e imperdível.)
               [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]






  • Anne-Sophie Mutter, Bruno Giuranna
  • Academy of St. Martin in the Fields
  • Neville Marriner
  • EMI, CDC 7 54302 2
"o belo": (A sensibilidade, delicadeza e expressividade que esperamos de Mutter,
               acompanhados pela frescura de Giuranna e Marriner. A ouvir, sim ou sim.)
               [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]






  • Monica Huggett, Pavlo Beznosiuk
  • Portland Baroque Orchestra  
  • Monica Huggett
  • Virgin, 5 45290 2
"o belo": (A pureza e expressividade calorosa, numa interpretação com instrumentos
                de época de referência absoluta. Solistas e músicos de Portland de parabéns.)
                [I-III] [allmusic]






  • Midori, Nobuko Imai
  • NDR-Sinfonieorchester
  • Christoph Eschenbach
  • Sony, SK 89488
"o belo": (Detalhe e precisão nos solistas de topo, Midori e Imai, brilhantemente
                acompanhados pelo mestre Eschenbach.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]






  • Daniel Majeske, Robert Vernon
  • The Cleveland Orchestra
  • Christoph von Dohnányi
  • London, 443 175-2 LH
"o belo": (Interpretação fiel e verdadeira, frescura e som a condizer. No top de qualquer escolha.)
                [II] [youtube]






  • Frank Peter Zimmermann, Tabea Zimmermann
  • Radio-Sinfonieorchester Stuttgart
  • Gianluigi Gelmetti
  • EMI, CDC 7 54196 2
"o belo": (Uma boa proposta apresentada por dois jovens solistas. Sonoridade e
               articulação limpas, com algumas belas passagens a demonstrar a personalidade
               e competência desta dupla.)
               [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]






   
✰ Outras sugestões:
  • Yehudi Menuhin/Rudolf Barshai/Bath Festival Orchestra/HMV, HMVD 5 73201 2 (Também na visão do mestre Menuhin.), I [youtube], II [youtube], III [youtube] 




  • Isaac Stern/Pinchas Zukerman/New York Philharmonic/Zubin Mehta/CBS, CD 36692 (Parabéns ao mestre Stern pela música e pelos 60 anos!), I [youtube], II [youtube], III [youtube] 






∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞






Wolfgang Amadeus Mozart [1777]





∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞





Muito obrigado e muitas felicidades, Ana Bela Chaves!


Mozart, Sinfonia Concertante para violino e viola, em mi b maior, K364
Ana Bela Chaves, Gil Shaham
Paavo Järvi, Orchestre de Paris
Philharmonie de Paris, 01-10-2020


-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Sem comentários:

Enviar um comentário