39. Smetana: A minha Pátria |
"A Pátria", de Bedrich Smetana... que bem poderia ser "minha" também (... a da minha Isabel e do meu Mondego, da minha Brites de Almeida, do meu Minho, dos meus Lusitanos de Viseu e da nossa Serra da Estrela...)
Para a minha pátria: o meu Pai.
(...nesta data do teu aniversário... um número redondo, medianamente polémico, igualmente apreciado por alguns "starolusos" e "mladolusos"... e eventualmente desapreciado por outros que tais).
O compositor Bedrich Smetana nasceu na cidade de Litomysl em 1824 e faleceu em Praga em 1884, tendo vivido a grande maioria dos seus sessenta anos 100% CHECO.
Durante a infância, a linguagem predominante na sua terra natal era ainda o alemão, apesar das crescentes vozes nacionalistas que despontavam (de marcado sotaque checo...). Na sua juventude, e à semelhança da maioria dos jovens músicos checos daquela época, Bedrich receberia uma educação ocidental(izante...), e seria apenas a partir da Revolução Checa de 1848 que ele viria a tornar-se um nacionalista convicto. Tinha então vinte e quatro anos de idade. Quando a revolução é esmagada, Smetana viaja para a Suécia, onde ficaria durante quatro anos a trabalhar como professor de piano, maestro e compositor na cidade de Gotemburgo, até ao seu retorno a Praga em 1861 ("Eu sou um Checo, de coração e de alma, e estou orgulhoso em estar cá para a nossa glória", escreveria a um antigo aluno).
E seria na "sua" cidade de Praga que Smetana viria a escrever "A minha Pátria" (Má Vlast), o ciclo de seis poemas sinfónicos que constituiria o mais completo exemplo do espírito checo na música e representaria o culminar da corrente do Revivalismo Nacional Checo do séc. XIX; uma obra a todos os níveis profética, na medida em que seria composta para celebrar a grandiosidade de uma nação que ainda não existiria por aqueles dias, a futura Checoslováquia, com os sentimentos triunfantes de Bedrich numa época de grande angústia para Smetana...
Na realidade, em 1866, e após décadas de luta pelo justo reconhecimento, Smetana seria nomeado maestro principal do Teatro Provisório de Praga (teatro que funcionaria entre 1862 e 1882, ano da inauguração do Teatro Nacional, como local temporário para representações de teatro e ópera), sendo-lhe atribuída a remuneração anual de 1200 gulden e a encomenda de uma ópera (a sua maravilhosa "A noiva vendida"), proporcionando-lhe, deste modo, a oportunidade para concretizar a sua ambição tantas vezes sonhada: a renovação da vida cultural checa pela promoção de uma tradição operática (...de letra, música e afins...) genuinamente checa.
Ora esse sonho tornar-se-ia muitas vezes num pesadelo. O trabalho que Smetana desejava desenvolver nesse sentido (do sonho) viria a passar por inúmeras dificuldades (de pesadelo), numa época em que a vida cultural checa se encontrava polarizada nos dois extremos opostos do campo político existente: os "Velhos Checos" (Starocech) e os "Novos Checos" (Mladocech). Smetana simpatizaria pelo grupo dos "Novos", daqueles que defendiam a liberdade de pensamento e opinião, composto na grande maioria por artistas e jornalistas, enquanto que os seus patrões das direcções dos teatros (actuais e potenciais) eram sólidos "Velhos", conservadores e com uma tradição de apoiantes nos abastados proprietários de terras (... e fornecedores de 1200 gulden anuais...). Esta realidade viria a conduzir ao inevitável conflito: Smetana era visto como um perigoso modernista, sendo muitas vezes acusado pelo status estabelecido por alegadamente exibir determinadas tendências Wagnerianas, acusações que, em parte, eram verdade. Terão sido muitas as tentativas de destituição do seu cargo à frente do Teatro Provisório de Praga, tentativas a que respondeu de forma vigorosa até ao momento que contrairia a sífilis que lhe viria a aniquilar a audição (entre outros, infelizmente... culminando na própria vida), forçando-o, desta maneira, a abandonar o seu trabalho naquele teatro.
Vysehrad e Vltava (Moldava), os dois primeiros poemas sinfónicos do ciclo "A minha Pátria", terão sido compostos no Outono de 1874, logo após a notícia da doença do autor (Smetana viria, aliás, a ficar totalmente surdo até ao final desse ano), sendo que o compositor continuiria a trabalhar no ciclo durante os anos que lhe seguiram, alternando com a escrita de outras obras (principalmente de câmara e óperas), até ao início de 1879 e à conclusão de Blanik, o último dos poemas sinfónicos do ciclo.
"A minha Pátria", dedicada à cidade de Praga pelo autor, seria interpretada pela primeira vez na sua totalidade, no Teatro (já) Nacional daquela cidade (que Smetana teria ajudado a erguer), em 5 de Novembro de 1882, sendo aclamada com estrondoso sucesso.
Esta obra, que mergulha no imaginário das lendas checas e nos factos recolhidos de alguns dos momentos mais marcantes da história checa, quer se tratem dos mais luminosos ou dos mais obscuros, viria a ocupar um significado especial que permaneceria até aos nossos dias. Iniciar-se-ia com Vysehrad [I], que conta a história da princesa checa Libuse (com ligação directa à sua ópera com o mesmo nome), que imaginaria um futuro glorioso e de liberdade para o seu povo, do alto do seu castelo de Vysehrad, num promontório nas margens do rio Moldava, em Praga. Vltava (Moldava) [II], o segundo quadro do ciclo, segue o olhar de Libuse pela corrente do rio Moldava, desde a sua nascente nas florestas da Boémia até à união com o rio Elba, a norte de Praga, num vasto olhar sobre os cenários responsáveis pela inspiração da banda sonora da caça nos bosques e de um casamento simples e tradicional numa aldeia rural do sudoeste da Boémia, passando pelas danças das ninfas do rio ao luar, castelos orgulhosos, mansões, ruínas e os perigosos rápidos de S. João, até à grandiosidade da cidade de Praga, onde a fortaleza de Vysehrad espreita e o Elba aguarda pacientemente. Seguir-se-ia Sárka [III] e as características do povo (feminino...) checo (e não só...) retratado na lenda da guerreira com o mesmo nome, que vingaria a infidelidade do seu amado Ctirad em todos os homens com quem se viria a cruzar (a cena de amor entre Sárka e Ctirad, com páginas tendenciosamente sangrentas, revelar-se-ia, aliás, num importante exemplo do Wagnerismo de Smetana). No quarto quadro encontraríamos Z ceských luhu a háju (Dos prados e bosques da Boémia) [IV], que à semelhança de Vltava evocaria a poesia das paisagens checas, com belas melodias e ritmos contrastantes, até à sua conclusão com Tábor [V] e Blaník [VI], duas obras ligadas tematicamente, no sentido em que o material melódico que ambas apresentariam derivaria, em grande parte, do coral Hussita "Ktoz jsu bozi bojovnici" (Aqui estão os guerreiros de Deus), que o compositor usaria como afirmação da vontade férrea e do espírito invencível dos guerreiros Hussitas, um movimento revolucionário de descontentamento com a Igreja Católica que durante o séc. XV teria o seu baluarte na cidade de Tábor, no sudoeste da Boémia, enquanto que Blaník apresentaria uma carácter mais introspectivo, reflectindo a narrativa do momento em que estes heróis da história checa se refugiariam no monte Blaník, aguardando até que a sua pátria voltasse a necessitar de si uma vez mais, numa apoteose final de emoção e de optimismo triunfante.
Na estreia de Praga, alguém viria a escrever: "Os acordes solenes de Vysehrad elevou-nos a um tal grau de entusiasmo, que imediatamente após a sua emotiva conclusão, um "Smetana" em forma de choro soou através das centenas que ali se encontravam. Depois de Vltava, libertou-se um turbilhão de aplausos e o seu nome ressoou por todo o lado".
Que bom que teria sido, ter lá estado nesse dia também! (...ou será que estive?!).
Nuno Oliveira
"A minha Pátria"
✨ Extractos que proponho para audição:
- Milwaukee Symphony Orchestra
- Zdenek Macal
- Telarc, CD-80265 (obra completa)
detalhes a seguir (...e não, não estão a ver mal! Directamente de Milwaukee, no
Wisconsin, um registo que não deverão perder, com a direcção de um nativo
Checo, de Brno: o mestre Zdenek Macal!);
[I]: tutti (Harpa, música de câmara e corais de trompas a contemplar o
horizonte...) [youtube]
[II]: madeiras, aos 0:00-0:53 (A corrente inquebrável das águas de um rio formado
[II]: madeiras, aos 0:00-0:53 (A corrente inquebrável das águas de um rio formado
por flautas e clarinetes (sobre)naturais... Isto, senhoras e senhores, é "o belo"!);
cordas, aos 0:59-2:42 (equilíbrios e melodias inesquecíveis, parte 1...); trompas, aos
2:43-3:40 (...de caça); tutti, aos 3:48-5:09 (...numa boda de melodias inesquecíveis,
parte 2!); tutti, aos 8:23-9:28 (...pelas correntes mais fortes!); ... [youtube]
[III]: tutti (...e um contrafagote que corta...) [youtube]
[IV]: tutti, dos 0:00 aos... (Poesia, sempre... e um vira do Minho, às vezes...!) [youtube]
[V]: tutti (Da Cava de Viriato...) [youtube]
[IV]: tutti, dos 0:00 aos... (Poesia, sempre... e um vira do Minho, às vezes...!) [youtube]
[V]: tutti (Da Cava de Viriato...) [youtube]
[VI]: tutti (...à Cabeça da Velha!) [youtube]
- Czech Philharmonic Orchestra
- Rafael Kubelík
- Supraphon, 11 1208-2 031 (obra completa)
após ausência de mais de 40 anos. Um registo nobre, que transparece as
saudades de casa e as saudades do mestre. Ouve-se muita coisa nova por cá,
e as harpas a abrir sensibilizam qualquer um. Livre, lendário e imperdível.)
- Wiener Philharmoniker
- James Levine
- Deutsche Grammophon, 431 652-2 GH (obra completa), 427 340-2 GH (extractos)
enorme WP, dirigida com total confiança por James Levine.)
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V] [youtube], [VI] [youtube]
[I] [youtube], [II] [youtube], [IV] [youtube]
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- Royal Liverpool Philharmonic Orchestra
- Libor Pesek
- Virgin, CUV 5 61223 2 (obra completa)
mestre nativo de Praga.)
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- Czech Philharmonic Orchestra
- Jiri Belohlávek
- Supraphon, 11 0957-2 031 (obra completa)
agora, o mestre Belohlávek. Uma escolha de qualidade.)
- Detroit Symphony Orchestra
- Neeme Järvi
- Chandos, CHAN 9230 (apenas Vysehrad e Vltava)
- The Cleveland Orchestra
- Christoph von Dohnányi
- Decca, 444 867-2 DH (apenas Vltava)
maestro alemão von Dohnányi.)
[II] [youtube]
✰ Outras sugestões:
[II] [youtube]
- Zubin Mehta/Israel Philharmonic Orchestra/Sony, SK 58944 (obra completa), [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V] [youtube], [VI] [youtube]
- Wolfgang Sawallisch/Orchestre de la Suisse Romande/RCA, RD83242 (obra completa), [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V] [youtube], [VI] [youtube]
- André Previn/Los Angeles Philharmonic Orchestra/Philips, 416 382-2 PH (apenas Vltava), [II] [youtube]
- José Serebrier/The Czech State Philharmonic Orchestra, Brno/Conifer, 75605 51522 2 (apenas Vltava), [II] [allmusic]
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"A minha Pátria" [Malaposta, 8-10-2020]
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