sábado, 30 de maio de 2020


30. Elgar: concerto p/ violoncelo |

O concerto para violoncelo de Edward Elgar: a atitude de um homem perante a vida... do regaço de um poema chamado Alice...






Para o meu filhote João, que quando me perguntou: "...que concerto p/ violoncelo?", eu respondi: "O de Elgar!" (...pergunta que me pareceu estranha na altura, conhecendo o João o pai que tem...).


(E à lembrança de um "Concerto p/ violoncelo, de Elgar", por Steven Isserlis e direcção de Joseph Swensen, com a Orquestra Nacional do Porto, na Casa da Música [22-6-2008])






Embora vivesse outros quinze anos, a última obra importante que o compositor britânico, Edward Elgar (1857-1934), viria a compor, seria o seu concerto para violoncelo de 1919 (partitura que enviaria para o seu editor a 8 de Agosto desse ano), um áudio-auto-retrato do desalento que a realidade da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) teria provocado no espírito pacífico do compositor, como o demonstraria claramente na carta que escreveu, em 1917: "Tudo o que é bom & agradável & limpo & fresco & doce está longe, nunca irá retornar".
Nesse ano de 1917, Elgar arrendaria uma casa de campo em Brinkwells, perto de Fittleworth, no Sussex, na tentativa de ganhar a força e inspiração necessárias para compor (sabendo-se que o isolamento campestre seria, como sempre, o tónico para a tão desejada natalidade Elgariana, como aliás se viria a provar pelo nascimento imediato de uma sonata para violino, um quarteto de cordas e um quinteto com piano... excelentes ares do campo, esses do Sussex!... porventura melhores que os do Middlesex londrino, dos quais, supostamente, terá usufruído também... questões de predilecção ambiental, entenda-se), e ao mesmo tempo convalescer de forma domiciliária (tivesse vivido nos nossos tempos e Elgar teria, seguramente, criado obras por estes dias também...), não só do cansaço físico provocado por uma intervenção cirúrgica à amígdala séptica, mas, sobretudo, da exaustão mental provocada pelas notícias dos horrores da guerra.
E seria nesse ambiente de música outonal (semelhante, aliás, à música de câmara tardia, escrita pelo seu ídolo artístico, Johannes Brahms), que o concerto para violoncelo terá florescido, como seria referido pela sua esposa, Alice, no seu diário, em Setembro de 1918: "Nova música maravilhosa, sonoridades verdadeiras nas madeiras e outros lamentos (...)", e pelo próprio autor, numa carta que escreveria ao amigo Sidney Colvin, em 26 de Junho de 1919: "Estou quase a completar um concerto para violoncelo, realmente um trabalho grandioso, e, penso eu, bom e vivo."
A obra viria a estrear-se, desta forma, no Queen's Hall de Londres em 27 de Outubro de 1919, pelo violoncelista Felix Salmond, a London Symphony Orchestra e Elgar na direcção, mas sem o sucesso aguardado (e com a consequente desilusão do autor), devido, em larga medida, a uma interpretação inconvincente do impreparado Salmond (interpretação essa, cujo brilhantismo seria maravilhosamente atingido na apresentação que se seguiu, por um jovem violoncelista de origem italiana, de nome Giovanni Battista "Tita" Barbirolli, que mais tarde viria a ser conhecido por Sir John Barbirolli... e sim, não há coincidências... embora por vezes haja sorte, que o diga Jaqueline), da notória falta de ensaios (sabendo-se que algum do tempo de ensaio atribuído a Elgar, teria sido gasto por Albert Coates... a ensaiar o reportório Russo que o próprio apresentaria nesse concerto também; o que terá levado Alice a dizer furiosa e justificadamente, aquilo que o bom Edward seguramente pensaria: "...um insulto a Edward daquele brutal egoísta... Coates."... não havia necessidade), ao que se acrescentaria a falta das cores opulentas da heroica pompa e circunstância que o público certamente esperaria (ou não fosse música de Elgar!), substituídas, neste caso, pela expressão destilada na aguarela introspectiva do compositor... um colorido difícil de aproximar, visto que teria pouco de semelhante (...o jovem Edward dum romantismo impulsivo, com o maduro Elgar, esgotado por uma última chama de inspiração, porventura representativa do fim do modo de vida social e artístico vivido até então). Se naquele dia de Outubro não houve milagres, em todos os outros que lhe sucederão haveria de permanecer um intenso concerto para violoncelo, legado por Elgar, e uma "Atitude do homem perante a vida", tomada por Edward.
Apesar de orquestrado de forma leve, o concerto nunca soaria superficial ou irrelevante, com o solista no centro da acção, acompanhado pelas cordas na maior parte das vezes e, pelos metais,
de forma menos frequente. Está dividido em quatro andamentos: o primeiro, forte, assertivo e com uma melodia longa e ondulante, como um desejo não alcançado; seguindo-se "um endiabrado pequeno andamento", baptizado assim pelo compositor e musicólogo britânico, Donald Tovey, que embora fosse amigo dos violoncelistas Pablo Casals e Guilhermina Suggia (um catalão e uma portuguesa, adeptos de si próprios, da sua ligação sentimental e deste concerto), como atestaria uma sonata para dois violoncelos que lhes ofereceria em 1912, teria, alegadamente e nessa malfadada ocasião, provocado a transgressão de Suggia, o ciúme de Casals, a tensão no nº 20 da Villa Molitor, de Paris, e a infeliz separação do celebrado casal (...o cataclismo que uma sonata pode provocar nos egos preconceituosos dos que desejam tocar a parte do 1º violoncelo..., ou eventualmente outros acontecimentos... mais despidos de preconceitos); a melodia do terceiro, numa melancolia para lá das palavras, sentida profundamente no canto de um violoncelista afortunado (...por estar ali... a tocar aqueles sessenta compassos); e o quarto andamento final, que faria recordar sonoridades escutadas, o desespero na despedida do modo de vida que se saberia ter acabado... e a profecia da perda dum poema chamado Alice, que Edward viria derradeiramente a sofrer seis meses depois.
Este concerto para violoncelo viria a ser a obra mais conhecida do compositor e uma peça chave no reportório para o instrumento, como seria reconhecido pelas sucessivas gerações de interpretes, encabeçada por Beatrice Harrison, e, mais tarde, por Paul Tortelier e Pablo Casals, que lhe dariam o reconhecimento e fama internacionais, ajudado também por Guilhermina Suggia, pelas suas apresentações da obra, mas fundamentalmente pelo legado que deixou a todos os violoncelistas, passados, presentes e futuros, sob a forma do sempre motivador (...para quem ganha) Prémio Suggia para a excelência da prática do violoncelo. A extensão da importância Suggia, está bem visível nos exemplos de audição que proponho a seguir: do melhor que o mundo tem para oferecer, pelos meninos e meninas da Sra. Dona Guilhermina!

Nuno Oliveira




"Concerto p/ violoncelo, em mi menor, op. 85"


Extractos que proponho para audição:
  • Jacqueline du Pré
  • London Symphony Orchestra
  • John Barbirolli
  • EMI, CDC 5 56219 2
"o belo": toda a obra (O registo mítico pela derradeira interprete britânica, vencedora do
                Prémio Suggia, em 1956... com 11 anos, acompanhada por o especialista supremo
                que é "Tita" Barbirolli!); (aconselho também a interpretação soberba de "Sea pictures")
                I - violoncelo, tutti, (Os rubatos arrebatadores da juventude, numa invenção genial da
                    maturidade!) [youtube]
                II - violoncelo, tutti (Cordas irrequietas e pedal no acelerador!) [youtube]
                III - violoncelo, tutti (Poema... impossível a indiferença face a este: "o Belo"!) [youtube]
                VI - violoncelo, tutti (Clímax que não chega a convencer... Vestígios de tragédia, talvez?)
                    [youtube]






  • Steven Isserlis
  • London Symphony Orchestra
  • Richard Hickox
  • Virgin, VC 7 90735 2
"o belo": (Uma interpretação de excelência, por um vencedor do Prémio Suggia, também.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Yo-Yo Ma
  • London Symphony Orchestra
  • André Previn
  • Sony, SK 39541
"o belo": (A visão a não perder pela referência do nosso tempo, chamada Ma.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Mischa Maisky
  • Philharmonia Orchestra
  • Giuseppe Sinopoli
  • Deutsche Grammophon, 431 685-2 GH
"o belo": (Nostalgia, intimismo e a exuberância habitual de Maisky.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Julian Lloyd Webber
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Yehudi Menuhin
  •  Philips, 416 354-2 PH
"o belo": (O testemunho deixado por Lloyd Webber, que também venceu o Prémio Suggia.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Robert Cohen
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Charles Mackerras
  • Argo, 436 545-2 ZH
"o belo": (O legado espiritual de Cohen, um vencedor do Prémio Suggia, também.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Robert Cohen
  • London Philharmonic Orchestra
  • Norman del Mar
  • EMI, CD-CFP 9003
"o belo": (Um Cohen mais contido na emoção, mas assertivo e intenso. Excelente escolha.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




 
 
   
Outras sugestões:




  • Heinrich Schiff/Neville Marriner/Staatskapelle Dresden/Philips, 412 880-2 PH (... e como não poderia deixar de ser: a versão de Schiff.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




  • Janos Starker/Leonard Slatkin/Philharmonia Orchestra/RCA, 09026 61695 2 (Um registo diferente do habitual, de sonoridade frágil e interpretação mais directa que emotiva. Para descobrir.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






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Edward Elgar e Beatrice Harrison [Londres, 1920]




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O João e o Calouste [Fundação Gulbenkian, Lisboa, 06-10-2017]



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terça-feira, 19 de maio de 2020


29. Mozart: Requiem |

Um Requiem de Luz Eterna, por um anjo divino chamado Wolfgang Amadeus Mozart.






Para ti Mãe, no aniversário da tua dor que iluminou o meu mundo.






Apesar do seu frágil estado de saúde e das debilidades infelizmente irreversíveis que o impediriam de finalizar a redação do seu Requiem (que, seguramente, já estaria totalmente concebido na sua mente), eventuais dúvidas sobre a real autenticidade da autoria da obra deixam de fazer sentido quando nos apercebemos dos instintos religiosos e da riqueza expressiva dos textos utilizados, para além da imaginação musical elevada ao patamar de visionário, que, naquela época, seriam sinónimo do génio de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).
Na realidade, Mozart escreveria mais de cinquenta obras para uso litúrgico na sua Salzburgo natal, e apenas três, já em Viena, nos últimos dez anos da sua vida e com um cargo oficial de músico na Igreja: a Missa em dó menor (K427), o moteto "Ave Verum Corpus" (K618) e o Requiem (K626), que deixaria inacabado (administrativamente...).
A encomenda para compor o Requiem chegaria em Julho de 1791, proveniente do conde austríaco, Franz Walsegg-Stoppach, cuja esposa teria falecido em Fevereiro desse ano, e que, por isso, pretenderia adquirir uma missa para dedicar à sua memória. Pelo que é conhecido, este monárquico representante se auto-congratularia por ser, ele mesmo, um compositor amador, sendo que teria, também, o penal hábito de atribuir como sua a música que encomendaria a outros, razão provável que o levaria a delegar a tarefa da encomenda num seu representante, que, ao que parece, teria a lição exemplarmente estudada, demonstrada, aliás, pela maneira misteriosa e reservada que terá adoptado durante o encontro com o compositor (...que, por aquela altura, já não se encontraria na melhor das formas).
Mozart, um homem já doente, ficou convencido que o "estranho vestido de cinzento" seria na realidade um mensageiro da morte, como testemunharia Mary Novello, na visita que faria à viúva de Mozart, Constanze, em 1829: "Seis meses antes da sua morte ele estava possuído com a ideia que teria sido envenenado: 'Eu sei que vou morrer', disse ele, 'Alguém me deu aqua toffana [um veneno de acção lenta] e calculou o preciso momento da minha morte, para a qual me encomendou um requiem'".
No entanto, e apesar de naquela época já se encontrar ocupado com a ópera "A Flauta mágica", encomendada pelo seu amigo Emanuel Schikaneder, Mozart aceitaria trabalhar prontamente no Requiem, completando o Requiem aeternam e o Kyrie, tendo esse trabalho no entanto sido interrompido devido à necessidade de finalizar a ópera "La Clemenza di Tito" (que aconteceria a 5 de Setembro de 1791), entretanto encomendada para as comemorações da coroação de Leopoldo II da Boémia, em Praga, e cujo prazo estaria a terminar (uma real necessidade, por vários motivos, portanto).
Após a estreia de "A Flauta mágica", em 30 de Setembro de 1791, e até à sua morte, a 5 de Dezembro de 1791, Mozart voltar-se-ia novamente para o Requiem (exceptuando-se a conclusão, em Outubro, do belíssimo concerto para clarinete, encomendado pelo amigo Anton Stadler), tendo rascunhado o Dies irae, Tuba mirum, Rex tremendae, Recordare, Confutatis, Domine Jesu e Hostias, tudo música do mais alto valor, mesmo num rascunho Mozartiano. Teria ainda escrito, ao que se sabe, os oito primeiros compassos (apenas?) da famosa Lacrimosa (...o que me custa acreditar, por razões de lógica matemática na intransmissibilidade do génio humano... isto é: O Génio=O Génio, Os Outros=Os Outros, O GénioOs Outros, O Génio>Os Outros, Os Outros<O Génio; uma demonstração clara para todos, génios ou não), vindo depois a fechar os seus olhos e a fazer lacrimejar os da restante humanidade (...).
O pagamento da obra teria sido generoso (cerca de metade do que Mozart receberia por uma ópera), tendo o Conde, que era maçónico, pago metade por avanço a Wolfgang, que era maçónico também, na tentativa de que este pudesse honrar a dívida que teria contraído com o seu irmão, Michael Puchberg, igualmente maçónico, ficando, desta maneira, tudo resolvido dentro da grande família... maçónica.
Após o falecimento do compositor, a situação para Constanze seria, por certo: a de uma encomenda por terminar e de uma metade por receber, pelo que iniciaria esforços no sentido de completar a partitura e eliminar alguma natural ansiedade. Assim, consultaria vários músicos, como Joseph Eybler (compositor da corte e ex-aluno de Mozart, mas que não chegaria a completar a tarefa), Franz Jacob Freystadtler (um aluno de Mozart, que teria trabalhado com o mestre, ainda em vida, na orquestração das cordas), ou Maximilian Stadler (que chegaria a orquestrar o Kyrie e os dois andamentos do Offertorium), até recorrer, finalmente, à escolha aparentemente óbvia, de Franz Xaver Sussmayr: aluno de Mozart e cinco anos mais novo, que teria estado sempre na companhia do compositor enquanto este trabalhara na obra, e que, por isso, saberia mais do que ninguém das suas intenções, tendo eventualmente recebido algumas instruções no caso de acontecer o pior, como infelizmente se verificou. O porquê da enésima escolha: Sussmayr? Especula-se que poderia estar relacionado com as faltas à rotina da aprendizagem (justificadas pelo próprio encarregado da educação... musical), consequentes da sua nomeação para o cargo de "cuidador" da esposa, Constanze, durante a temporada que esta teria passado em Baden... a banhos, para acalmar os nervos. Quer tivesse sido pela temperatura aquática ter deixado algo a desejar, ou porque outras actividades termais tivessem porventura ficado aquém das expectativas criadas, o que é sabido, é que, a partir daquele momento, a relação estre Xaver e Constanze não seria mais a mesma... embora não impeditiva da conclusão de uma transação comercial (em forma de partitura para vozes e orquestra).
Quanto do Requiem pertenceria a Sussmayr, provavelmente nunca o saberemos com total certeza. Na verdade, Sussmayr afirmaria que teria tido larga responsabilidade na escrita do Sanctus, Benedictus e Agnus Dei. Contudo, e embora não deva ser negada a vital contribuição que teria dado para esta obra (sendo a "sua" versão a mais interpretada, embora existam ainda as versões de Franz Beyer e de Richard Maunder), é difícil de acreditar que um músico de talento comum, possa ter criado o memorável Agnus Dei... como se de um original Mozartiano se tratasse... à semelhança do que aconteceria com a Lacrimosa, que teria sido concluída com um Ámen que Mozart teria escrito, mas que só viria a ser descoberto em 1962 (pondo assim a descoberto alguma da careca Sussmayriana... o que já se desconfiava).
Sussmayr teria, obviamente, todo o interesse em reinvindicar a maior parte da obra para si mesmo, assim como, para Constanze, interessaria afirmar que o seu marido teria virtualmente completado a obra. Resta-nos apenas imaginar, a que outros "rascunhos" de Mozart Sussmayr teria acesso (para além de todos os que Constanze teria encontrado na secretária do marido, e lhe terá entregue), sem que o tivesse mencionado (... porque já nessa altura, o segredo seria, também, a alma do negócio artístico).
A composição orquestral: cordas, clarinetes, fagotes, trompetes, trombones e tímpanos, seria do próprio Mozart, e embora a textura da partitura, particularmente nos últimos andamentos, seja por vezes traída pela mão pesada de Sussmayr, a mesma não prejudicaria seriamente a dignidade, grandiosidade, força e compaixão, da visão do compositor.
Após a conclusão da partitura e correspondente entrega a Constanze (que chegaria a publicá-la, na editora Breitkopf und Hartel, em 1800), Sussmayr viria a redigir uma segunda cópia que daria ao Conde... que, por sua vez, faria ainda uma terceira cópia, atribuindo a obra a ele próprio (seguindo, deste modo, a sua tradição...).
E assim,...
...o Requiem do Genial Mozart, seria estreado num concerto de benificência a favor de Constanze, em Viena, a 2 de Janeiro de 1793,
...o Requiem do Conde Walsegg-Stoppach, seria estreado pelo próprio, no Mosteiro de Cister de Neukloster, em Wiener Neustadt, a 14 de Dezembro de 1793,
...já o Requiem do Aprendiz (de Génio e de Conde) Sussmayr...

Nuno Oliveira




"Requiem, K626"


Extractos que proponho para audição:
  • McNair, Watkinson, Araiza, Lloyd
  • Academy and Chorus of St Martin in the Fields
  • Neville Marriner
  • Philips, 432 087-2 PH
"o belo": toda a obra (A gravação de referência. Excelência nas vozes, orquestra e
                direccção, sem igual.), com alguns destaques, identificados a seguir;
                I - Requiem: tutti, (Início espiritual e misterioso... Melhor? Difícil.) [youtube]
                II - Kyrie: tutti (A celebração das vozes do Senhor!) [youtube]
                III - Dies irae [youtube], IV - Tuba mirum [youtube], V - Rex tremendae [youtube]
                VI - Recordare [youtube]
                VII - Confutatis: tutti (A exaltação pelos condenados e malditos!) [youtube]
                VIII - Lacrimosa: tutti (num sonho...) [youtube]
                IX - Domine Jesu: tutti (Ao Senhor Jesus Cristo.) [youtube]
                X - Hostias [youtube], XI - Sanctus [youtube], XII - Benedictus [youtube]
                XIII - Agnus Dei [youtube]
                XIV - Lux aeterna: tutti, (No fim do caminho e junto de Deus.) [youtube]




 
  • Price, Schmidt, Araiza, Adam
  • Staatskapelle Dresden, Rundfunkchor Leipzig
  • Peter Schreier
  • Philips, 411 420-2 PH
"o belo": (A referência seguinte, numa gravação que dominou o catálogo durante anos.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]




 
  • Ameling, Scherler, Devos, Soyer
  • Orquestra & Coro Gulbenkian, Lisboa
  • Michel Corboz
  • Erato, 2292-45127-2
"o belo": (O belíssimo timbre de Elly Ameling, um coro de classe mundial e um
                trombone que se falasse português falava assim. Os que procuram o mais
                "o belo" Amem dito no final da Lacrimosa encontram-no aqui. Um exemplo
                icónico da visão superlativa e direcção sublime do mestre Corboz.)
                I [youtube], III [youtube], IV [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube]





 
  • Bonney, von Otter, Blochwitz, White
  • English Baroque Soloists, Monteverdi Choir
  • John Eliot Gardiner
  • Philips, 429 197-2 PH ou 00289 475 7057 PMO
"o belo": (A primeira escolha para uma interpretação com instrumentos da época.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]




 


  • Panzarella, Stutzmann, Prégardien, Berg
  • Les Arts Florissants
  • William Christie
  • Erato, 0630-10697-2
"o belo": (Uma excelente escolha também, numa interpretação com instrumentos originais.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]

 


 
  • Tomowa-Sintow, Muller Molinari, Cole, Burchuladze
  • Wiener Philharmoniker, Wiener Singverein
  • Herbert von Karajan
  • Deutsche Grammophon, 419 610-2 GH
"o belo": (Se a preferência é uma visão musculada, então que seja pelo mestre austríaco.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]




 
  • Blasi, Lipovsek, Heilmann, Rootering
  • Symphonieorchester und Chor des Bayerischen Rundfunks
  • Colin Davis
  • RCA, RD60599
"o belo": (Um mestre inglês e uma boa escolha para uma visão musculada, também.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]

 



 
  • Kirkby, Watkinson, Rolfe-Jonhson, Thomas
  • Chorus & Orchestra of The Academy of Ancient Music
  • Christopher Hogwood
  • L'Oiseau-Lyre, 411 712-2 OH
"o belo": (A escolha para os que prefiram a edição Maunder.)
                I [youtube], II [youtube], VII [youtube], VIII [youtube], IX [youtube], XIV [youtube]

 


 
  • Argenta, Robbin, Ainsley, Miles
  • The London Classical Players & The Schütz Choir of London & Consort
  • Roger Norrington
  • EMI, CDC 7 54525 2
"o belo": (Uma visão racional, cristalina e sem excessos da versão de Duncan Druce
                que pretende aproximar-se do que pensou serem as intenções do compositor.
                Primeiro estranha-se, depois entranha-se.)
                III [youtube], IV [youtube], V [youtube], VI [youtube], VII [youtube], IX [youtube],
                XI [youtube], XII [youtube], XIII [youtube]





  
   
Outras sugestões:
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"Os últimos dias de Mozart" [Hermann von Kaulbach, 1873]




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"Promenade próxima da maioridade" [13 de Abril de 1969]




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sexta-feira, 15 de maio de 2020


28. Mahler: sinfonia nº 1, "Titã" |

Gustav Mahler e a sua Sinfonia nº 1, um "Titã" onde cabe o mundo todo... e todo o mundo...






Para aqueles amigos que rejubilam com a ambiguidade da apoteose Mahleriana.

(E à memória de uma noite no Coliseu de Lisboa, na companhia da "Titã", Riccardo Chailly e da Orquestra Sinfónica de Londres [29-03-2000])






O percurso da sinfonia nº 1 de Gustav Mahler (1860-1911) seria relativamente longo, numa espécie de procura pela compreensão de um filho, que parece perfeito aos olhos dos pais, e tudo menos isso para os da restante família.
Na realidade, o jovem Mahler de 28 anos, iniciaria em 1888, na cidade de Leipzig, a escrita do ainda "Poema sinfónico em duas partes" (e com cinco andamentos), obra que viria a estrear posteriormente, a 20 de Novembro de 1889, em Budapeste, com a Orquestra da Ópera Real Húngara e a direcção do próprio, que também seria o seu director artístico à altura, posto que viria a ocupar entre 1888 e 1891.
Nesta obra, considerada por alguns como a mais original primeira sinfonia desde a homóloga de Beethoven e notoriamente autobiográfica, poder-se-ia observar o esforço do compositor para transformar a experiência pessoal em algo com um significado universal: a Música! Nesta medida, Mahler usaria, no primeiro e terceiro andamentos, alguns dos temas do seu ciclo de canções, "Lieder eines fahrenden gesellen" (Canções de um viandante), que teriam sido escritas previamente num acto de recuperação do apaixonado, mas infeliz, caso amoroso que tivera com Johanna Richter, uma cantora da Ópera de Kassel, onde ele teria sido maestro (e, ao que parece, não só...), por aquela altura (já um viandante, portanto... neste caso, urbano). Gustav seria, ele mesmo, o audível herói romântico!..., só que embrulhado por um viandante rapaz da província, apaixonado, mas não correspondido, que procura sanar o seu infortúnio através da peregrinação solitária no soprano, ou melhor... supremo, seio (!)... da natureza (onde eventuais semelhanças com o protagonista de um "Winterreise", de Schubert, poderão não ser apenas coincidências).
Ou seja, enquanto uns escrevem ciclos de canções de desespero e resignação, numa espécie de termas recuperadoras da psique, mas que não debelariam totalmente a enfermidade emocional, outros, haverão, que criam sinfonias onde cabe o mundo inteiro, concluídas em triunfo, sugerindo, finalmente, a eliminação de eventuais pensamentos suicidas a meio do caminho, afirmando a vida na sua plenitude e reconhecendo a eterna beleza do mundo à sua volta... a prova da tão desejada cura... de todos aqueles Mahlers.
Naquela noite, em Budapeste, a originalidade da sinfonia seria sinónimo de hostilidade e ridículo (um pronúncio do que a sua música lhe viria a provocar ao longo da vida, infelizmente), tendo inclusive escrito à amiga, a violinista Natalie Bauer-Lechner: "Em Budapeste, onde eu a estreei, os meus amigos evitaram-me posteriormente; ninguém se atreveu a mencionar o concerto e eu tornei-me como um leproso ou um fora-da-lei. Nestas circunstâncias, você pode imaginar como a crítica terá sido."... por certo: arrasadora, e seguramente: o motivo pelo qual decidiria voltar a contar as alegrias e tristezas da sua juventude por outras palavras, ou na linguagem universal, por outros sons.
A reescrita desenvolver-se-ia nos anos seguintes: em 1893, num concerto em Hamburgo, o ainda Poema Sinfónico apareceria com o subtítulo "Titã", nome que teria sido apadrinhado pelo seu escritor favorito, o romancista Jean Paul, que, ao que parece, teria escrito uma obra literária com esse nome (...mas que seria, apenas, remotamente comparável à do herói titânico, de nome: Gustav Mahler), numa representação a 3 de Junho de 1894, em Weimar, dar-lhe-á o nome de "Sinfonia em Ré Maior" (menos poema e mais som, à partida, e dando, em certa medida, alguma coerência ao abandono da ideia de escrever um programa explicativo, que teria tido no início... adivinhando uma eventual rebaixa da taxa de críticas e o consequente levantamento do índice da tão desejada moral criativa), e em 1896 chegaria mesmo a retirar o segundo andamento original, o floral "Blumine" (que iria sobreviver há história da primeira metade do séc. XX, até ser encontrado de novo em 1967... uma flor de estufa, portanto).
A partir de 1897, e já como Director da Ópera de Viena, incrementa o número de trompas de quatro para sete, e acrescenta um segundo conjunto de tímpanos, um quinto trompete e um quarto trombone, uma visão artística renovada, seguramente difícil de aplicar caso Gustav estivesse a cargo de uma outra Ópera, porventura mais atlântica, onde a problemática da gota, gotícula ou aerossol orçamental, seria já uma realidade covidiana (a ínfima porção que tudo fragiliza... para não ser indelicado), indigna de uma nação fundadora da civilização europeia, defensora dos seus valores ($)... todos (). E a sinfonia seria publicada, tal como a conhecemos hoje, em 1898.
No primeiro andamento, apercebemo-nos do acordar da natureza através da introdução lenta, do chamamento dos pássaros e da inspiração na segunda Canção do Viandante: "Ging heut, morgen ubers feld", enquanto, no segundo, encontramos a celebração numa aldeia rodeada pela natureza (Alpina...), através de um landler austríaco, distorcido por uma valsa pastoral... um quanto yodelerisada.
Já o terceiro andamento viria a iniciar um escândalo! Aqui, entramos num mundo de sombras e de conflitos interiores, com algum eco da última Canção do Viandante: "Auf der strasse steht ein lindenbaum", e inspirados na xilogravura da capa do livro infantil austríaco: "A procissão fúnebre do caçador", de Moritz von Schwind, que ilustraria um cortejo funerário, onde os animais da floresta, outrora perseguidos, ombreariam com o caixão do defunto, outrora perseguidor, ao som duma canção de adormecer, nem mais nem menos que o famoso "Frère Jacques"... só que apresentado num tom menor, indicador de uma inteligência maior... Palavras para quê...
E o quarto, iria terminar em choque! Ao "...raio de luz de uma nuvem escura... simplesmente o choro de um coração profundamente ferido.", que Mahler teria querido elevar, sucedeu o que o amigo pessoal, Friedrich Lohr, lhe comentaria, após o concerto, sobre a sonoridade feroz que inicia o andamento: "Uma senhora da sociedade, que estava sentada ao meu lado, ficou tão transtornada que deixou cair no chão todas as coisas que segurava!". São rosas Senhor!? Não, são as dissonâncias heroico-depressivas de Gustav Mahler!

Nuno Oliveira




"Sinfonia nº 1, em ré maior, 'Titã'"


Extractos que proponho para audição:
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Georg Solti
  • Decca, 411 731-2 DH
"o belo": toda a obra (A visão presidencial da superpotência que é a Chicago Symphony!),
                com alguns destaques, identificados a seguir;
                I: tutti, início e aos 13:56-15:40 (O mistério que se avizinha num caminho a percorrer
                no meio da natureza... com o som incisivo de Clavenger & Amigos!) [youtube]
                II: tutti (Um passeio alegórico na celebração da inocência do menino Gustav...)
                [youtube]
                III: contrabaixo ao início, tutti (...e o reconhecimento do efémero e da fragilidade dessa
                inocência, no cortejo fúnebre duma fábula de encantar, rodeado de tons menores...
                a começar pelo maior... Grotesco? Talvez. Genial? Sim!) [youtube]
                IV: tutti, aos 0:00-3:24, 8:50-11:20, 18:10-20:47 (É melhor acordar?! Sim, toquem já
                as trombetas! Calma... deixem-me olhar pela janela e ver como está o dia... ficará
                tudo bem.) [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • Bernard Haitink
  • Philips, 420 936-2 PH
"o belo": (A solenidade de Haitink e uma Berliner Philharmoniker do tamanho do Mundo.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Royal Concertgebouw Orchestra
  • Riccardo Chailly
  • Decca, 448 813-2 DH
"o belo": (Som espacial e imaculado, na leitura detalhada do mestre Chailly.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Concertgebouworkest Amsterdam
  • Leonard Bernstein
  • Deutsche Grammophon, 427 303-2 GH
"o belo": (O famoso registo ao vivo, sinónimo do que acontece quando dois génios se
                encontram na mesma sala.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • Claudio Abbado
  • Deutsche Grammophon, 431 769-2 GH
"o belo": (Electrizante performance ao vivo, dirigida pelo mestre italiano. Uma pena que
                a pureza dos timbres Berlinenses tivesse sido contrariada pela tosse da assistência,
                seguramente fruto das típicas constipações de Dezembro de 1989.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • Chicago Symphony Orchestra
  • Klaus Tennstedt
  • EMI, CDC 7 54217 2
"o belo": (Registo ao vivo, extremamente lento e que, por isso, não será para todos os
                gostos. A mão pesada do mestre Tennstedt procura dar significado a cada nota,
                sem precipitações, com os sentimentos à flor da pele. CSO maravilhosa como
                sempre, com cordas intensas e metais poderosos. Uma interpretação para
                descobrir e disfrutar.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






  • New York Philharmonic
  • Kurt Masur
  • Teldec, 9031-74868-2
"o belo": (Som fabuloso gravado ao vivo. Interpretação repleta de expressividade e
                sentimento, com solista de grande qualidade em apontamentos de destaque.
                Excelente opção.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
   
Outras sugestões:
  • Simon Rattle/City of Birmingham Symphony Orchestra/EMI, CDC 7 54647 2 (Gravado ao vivo: 4º and., aos 4:00-6:15. Ficamos com a impressão de que há algo que falta em todos os outros, e que só poderemos encontrá-lo aqui. A não perder pelos verdadeiros Mahlerianos.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




  • Claudio Abbado/Chicago Symphony Orchestra/Deutsche Grammophon, 400 033-2 GH (4º and., início. O ensaio geral de Abbado em 1982, que Solti aproveitaria no ano a seguir. Três minutos impressionantes!), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]








  • Andrew Litton/Royal Philharmonic Orchestra/Virgin, VC 7 90703-2 (Sonoridade brilhante e detalhada numa interpretação com poucos rodeios a mostrar a impetuosidade dos 28 anos de Andrew Litton. A entrada dos pratos no 4º and. faz saltar qualquer um, mas a sensibilidade romântica que se segue volta a sossegar corações. Boa surpresa.), [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]    





  • Christoph von Dohnányi/The Cleveland Orchestra/Decca, 425 718-2 DH (Um registo diferente, onde o lirismo e o misticismo sobressaem. Para descobrir.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






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Gustav (2ª fila) junto da irmã Ernestine e de membros da Ópera Real Húngara [Budapeste, 1889]



Gustav Mahler [Viena, 1898]




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Ambiguidades da apoteose Mahleriana a partir de uma "garrafeira" pré-covidiana
[Nelas, Novembro de 2019].



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