domingo, 7 de agosto de 2022


72. J. S. Bach: Concertos de Brandeburgo |

Johann Sebastian Bach e os seus "seis concertos com vários instrumentos". Não lhe trouxeram o reconhecimento em vida, mas continuam a nos surpreender e maravilhar neste Domingo.






À memória da Etelvina e do Manuel.
Pelo seu exemplo de alegria e serenidade.







Quando associamos um nome ao sumário de toda a música que já foi feita no passado e à luz orientadora das gerações de músicos do futuro, aquele que inevitavelmente nos ocorre só podia ser o do genial compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750).
Bach viria a ser um dos criativos mais sublimes de toda a história da música, com uma vastíssima produção de obras-primas nos mais variados géneros musicais do período barroco (a ópera seria a excepção de peso), desde as inúmeras sonatas para todo o tipo de instrumentos até ao infindável número de obras corais, providenciando de igual modo a suprema educação musical para todos aqueles que a pretenderam, notando-se, por exemplo, o nome de Robert Schumann, que com esta conhecida citação deixaria tudo esclarecido para os seus alunos: "Que o Cravo bem temperado seja a vossa refeição diária. Depois disso, vocês serão certamente uns músicos hábeis"... para além de saudáveis e bem proporcionados, se me permitem acrescentar.
De toda a obra que Bach viria a compor, os seus seis "Concertos de Brandeburgo" permaneceriam como um marco na história da música orquestral, com um significado e popularidade sustentados ao longo dos tempos (uns "apenas" trezentos anos!) pela sua variedade melódica, colorido harmónico e coerência formal, retractando a sonoridade que teria aquele mundo com aqueles instrumentos musicais, tocados como se podiam mas imaginados muito mais além, resultando na criação de uma colectânea de concertos para múltiplos gostos e no nascimento de um novo género de música orquestral.
Johann Sebastian Bach viria a desempenhar vários cargos ao longo da vida e essas experiências e desafios contínuos proporcionar-lhe-iam evoluir enquanto músico e encontrar maneiras diferentes de compor de dia para dia. Durante os anos passados em Arnstadt, Weimar ou Leipzig, por exemplo, a sua atenção estaria voltada para as cantatas e para o órgão, mas já o tempo que passaria como Kappelmeister do Príncipe Leopold de Anhalt-Cöthen, entre 1717 e 1723, seriam as obras de música de câmara e as peças para orquestra aquelas que ocupariam um lugar de destaque na obra do compositor. Deste período datam os seis concertos que viria a dedicar a 24 de Março de 1721 ao Margrave Christian Ludwig de Brandeburgo, o filho mais novo do Grande Eleitor e tio do Rei Friedrich Wilhelm I da Prússia, que para além do título nobiliárquico diferenciador seria também conhecido como um melómano dedicado, empregando inclusive uma pequena orquestra particular em Berlim. Com efeito, apesar de na dedicatória do manuscrito original constar a frase "Seis concertos com vários instrumentos", esta obra viria a ficar conhecida como os "Concertos de Brandeburgo", uma designação da autoria do seu biógrafo Philipp Spitta, que mais de cento e cinquenta anos depois tivera a ideia de lhe renovar o nome de batismo, escolhendo um outro que se não fosse sonante ao menos que ficasse no ouvido, decisão que se mostrou eficaz, com a circunstância "Brandeburgo" a prevalecer até hoje.
Depois da dissolução da orquestra da corte de Friedrich Wilhelm I em 1713, justificada por razões económicas (...?), o agrupamento musical mais importante de Berlim passaria a ser a orquestra do tio Christian Ludwig, sendo que um número considerável de músicos rumaria também para a Anhalt-Cöthen de Leopold. De facto, o Príncipe Leopold teria estudado música em Berlim (suspeita-se até que a parte para viola da gamba do concerto número seis tenha sido escrita para ele) e possuiria uma rede de amizades e contactos com vários músicos berlinenses, muitos deles virtuosos que teriam ficado sem trabalho após o desmembramento da orquestra da corte e que viriam mais tarde a fazer parte do ensemble de dezassete elementos que nascia em Anhalt-Cöthen. Por outro lado, para além das características melómanas do príncipe, demonstradas pela vontade de querer aumentar a oferta musical da região que herdara em 1715 e pelas oportunidades de trabalho proporcionadas aos músicos de Berlim, Leopold teria também o raro discernimento de pagar ao seu Kappelmeister o mesmo salário que auferiria o Chefe de Polícia da Corte (e segunda figura do reino), pelo que se compreende que por aquela altura Johann Sebastian tivesse excelentes condições para viver a sua arte (cuja excelência era reconhecida genuinamente pelo seu empregador) e trabalhar a sua vida (com o duro golpe provocado pela morte inesperada de Maria Barbara, a sua esposa, em 1720, mas que o casamento com a jovem Magdalena Wilcken em 1721, e os consequentes treze filhos, tentariam suavizar).
Já sobre o Margrave de Brandeburgo, não se sabe com exactidão em que momento da história é que Bach o teria conhecido. Supõe-se que teria sido em 1718, em Karlsbad, para onde o compositor teria viajado com o Príncipe Leopold, ou em Berlim, em 1719, no âmbito da aquisição de um novo cravo para a corte de Anhalt-Cöthen. Seja como for, Bach teria conseguido mostrar a sua música ao Margrave e este ter-lhe-á pedido que lhe enviasse algumas peças, compreensível pelo que ficaria registado pelo punho de Johann Sebastian na dedicatória dos seus "Concertos de Brandeburgo", enviados na primavera de 1721 para Berlim: "A Sua Excelência Real entendeu ser apropriado dar-me a honra de me encarregar de lhe enviar algumas peças das minhas composições" (juntando-se floreados sortidos e vénias variadas... que a Revolução Francesa viria a reformular sete décadas depois...).
Não existem registos sobre a reacção do dedicatário da obra, se teve lugar também algum tipo de agradecimento ao dedicador pelo envio da partitura original (que hoje podemos encontrar na Staatsbibliothek de Berlim com aspecto de nunca ter sido utilizada) ou se a mesma teria sido inclusive interpretada em Berlim. O que se supõe é que, na realidade, estes concertos não seriam totalmente adequados às características da orquestra pessoal do Margrave, enquanto que, por outro lado, se enquadrariam melhor na estrutura instrumental do ensemble que Bach estaria a dirigir na corte de Anhalt-Cöthen, pelo que é costume acreditar-se que estes concertos ter-se-ão estreado ali, com Leopold à viola da gamba e Johann Sebastian na viola d'arco, como era aliás habitual sempre que a parte do cravo não necessitasse de excessos virtuosísticos como aqueles que o compositor haveria de sugerir no concerto número cinco (neste caso, como porventura em muitos outros de uma apaixonante história da música que se confunde com a do mundo (recordemos uma manhã de Lisboa, em Abril de 1974), quem teve dedos deixou de tocar viola... para ir tocar no cravo).
De forma mais ou menos consensual, considera-se que uma das mais notáveis características desta obra é a variedade dos instrumentos e a forma como foram combinados, dando a cada concerto uma sonoridade própria muito especial e ao mesmo tempo uma sensação de unidade. Este conjunto revelar-se-ia realmente numa "música com vários instrumentos" e embora os concertos números quatro e cinco se aproximem do espírito do concerto a solo, em nenhum deles se constata apenas um instrumento solista. Para além disso, é importante referir ainda que os vários concertos que formam esta colectânea não teriam sido compostos de raiz para este propósito, mas seriam originalmente peças mais antigas, compostas em tempos diferentes e apresentadas depois de sofrerem uma intensa revisão influenciada por uma ideia unificadora do conjunto.
Da maravilha sonora que são cada um destes concertos, existem, porém, alguns destaques que importam sublinhar. No primeiro concerto [I] podemos encontrar um violino piccolo e reminiscências da cantata BWV208 nas duas trompas que são utilizadas; no segundo [II] destaca-se o brilhantismo sonoro e as dificuldades técnicas do trompete, com temas musicais idiomáticos e um nível de virtuosismo interpretativo a roçar os limites do impossível para os instrumentos sem válvulas característicos daquela época; enquanto que no famoso terceiro concerto [III] constatamos uma orquestração repartida em três grupos de violinos, violas e violoncelos. No quarto concerto [IV] escutamos solos de violino e duas flautas doces, ou "fiauti d'echo" como Bach lhes chamava, a desempenhar essa missão na perfeição. Já o quinto concerto [V] utiliza magníficas combinações entre o cravo, o violino e a flauta transversal, com o cravo a ser usado como instrumento solista, passando Bach a ser considerado o inventor do concerto para instrumentos de tecla se atendermos aos níveis de transpiração observáveis no cravista após o desempenho da cadenza extraterrestre de sessenta e cinco compassos. A colectânea chega depois ao fim com o sexto concerto [VI] e as suas evocações da música antiga, ao mesmo tempo que nos propõe uma concepção musical progressista nas violas d'arco, violas da gamba, violoncelo e violone existentes, e na ausência do violino.
O compositor procurou afirmar de forma definitiva o seu modelo artístico com estes "Concertos de Brandeburgo", e se cada um deles apresenta uma personalidade própria, como se de cada filho se tratasse, a harmonia do "lar", essa só poderia ser conseguida milagrosamente pela inspiração paternal de J. S. Bach.

   
Nuno Oliveira




"Concerto de Brandeburgo nº 1, em fá maior, BWV1046"
"Concerto de Brandeburgo nº 2, em fá maior, BWV1047"
"Concerto de Brandeburgo nº 3, em sol maior, BWV 1048"
"Concerto de Brandeburgo nº 4, em sol maior, BWV 1049"
"Concerto de Brandeburgo nº 5, em ré maior, BWV1050"
"Concerto de Brandeburgo nº 6, em si b maior, BWV1051"


✨ Extractos que proponho para audição:
  • The English Concert
  • Trevor Pinnock
  • Deutsche Grammophon Archiv Produktion, 410 500-2 AH e 410 501-2 AH
"o belo": toda a obra (Um clássico que resiste ao passar do tempo com a frescura e
                espirituosidade bem vivas. Músicos magníficos, interpretação expressiva e
                direcção clara do virtuoso do cravo Trevor Pinnock. Registo imperdível e
                obrigatório nas melhores colecções.), com alguns destaques, identificados
                a seguir;
                [I]: 1º and. (Trompas de caça.) [youtube], 2º and. (Doce oboé.) [youtube],
                3º and. (Trompas de caça bis.) [youtube], 4º and. (Doce oboé bis.) [youtube]
                [II]: 1º and., trompete ("o belo" tema no trompete e restantes instrumentos!)
                [youtube], 2º and. (Serenata "com vários instrumentos".) [youtube],
                3º and., trompete ("o belo" e mítico trompete para desfrutar!) [youtube]
                [III]: 1º and. ("o belo" som através de cordas friccionadas e marteladas!)
                [youtube], 2º and. [youtube], 3º and. [youtube]
                [IV]: flauta, ("o belo" som eco-icónico das flautas!); 1º and. [youtube],
                2º and. [youtube], 3º and. [youtube]
                [V]: 1º and., cravo (Entrada tutti fresca e saída suada com cheirinho a cravo!)
                [youtube], 2º and. [youtube], 3º and. [youtube]
                [VI]: (Tradição e progressão de um pioneiro = João Sebastião Ribeiro!); 
                1º and. [youtube], 2º and. [youtube], 3º and. [youtube]







  • Boston Baroque
  • Martin Pearlman
  • Telarc, CD-80368 e CD-80354
"o belo": (Doçura no timbre e solos sublimes por um grupo de músicos que desfrutam
                das obras de forma comprometida. O entusiasmo sente-se numa interpretação
                fácil de gostar. Um registo fantástico para adquirir de forma imperativa.)
                [II] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]
                [III] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]
                [IV] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]
                [VI] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]







  • Tafelmusik
  • Jeanne Lamon
  • Sony, SM2K 89985
"o belo": (Performance acutilante e extrovertida, repleta de vigor e bravura.
                O perigo é desafiado algumas vezes, mas o resultado final é excitante.
                Uma escolha de excelência a não perder.)






  • The Brandenburg Consort
  • Roy Goodman
  • Hyperion, CDA66711/2
"o belo": (Interpretação controlada, com tacto e sem arestas agressivas, mas autêntica
                e cheia de vida. Sensibilidade e bom senso sempre presente. Fantástica escolha.)






  • Orchestra of the Age of Enlightenment
  • Catherine Mackintosh, Monica Huggett, Elizabeth Wallfisch e Alyson Bury 
  • Virgin, VCD 7 90747-2
"o belo": (A atmosfera luminosa e texturas suaves numa interpretação fantástica
                levada a cabo por um agrupamento especialista neste género. Uma opção
                soberba a ter em conta também.)
                [II] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]
                [III] [1º and. youtube][2º e 3º and. youtube]
                [IV] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]
                [VI] [1º and. youtube][2º and. youtube][3º and. youtube]






  • The Chamber Orchestra of Europe
  • Marieke Blankestijn (leader)
  • Deutsche Grammophon, 431 660-2 GH2
"o belo": (Interpretação viva e sonoridade calorosa a partir de instrumentos modernos.
                Um registo de qualidade que irradia alegria e uma boa escolha também.)





  
   
✰ Outras sugestões:












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Johann Sebastian Bach [1746]




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"A alegria do Manuel com a serenidade da Etelvina"



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