terça-feira, 20 de julho de 2021


57. Händel: Música para os Reais Fogos de Artifício |

Pulemos então de alegria com esta "Música para os Reais Fogos de Artifício", de Georg Friedrich Händel! E quem não salta? Sentimento lhe falta... Olé!






Para a Tânia, com um abraço ao Pedro, ao Francisco e, especialmente ao António, que espero conhecer em breve.
A família merece ser celebrada.






O mês de Outubro de 1748 ficaria marcado pela assinatura do Tratado de Paz de Aix-la-Chapelle pela Inglaterra, em Aachen, mas seriam precisos ainda alguns meses para que todos os governos envolvidos na guerra da Sucessão Austríaca ratificassem o acordo que levaria à Proclamação da Paz a 2 de Fevereiro de 1749, em Londres. Um "acontecimento unificador seguramente merecedor de comemoração", pensariam de igual modo os governantes da altura, representados, neste caso, pela figura máxima do Rei Jorge II, e os do povo que se ia governando, porquanto teria o soberano ordenado realizar-se um festival de fogo de artifício no Green Park, para o mês de Abril seguinte, e os súbditos acudido em massa ao ensaio geral aberto ao público, no Vauxall Pleasure Gardens, seis dias antes da estreia. O ensaio geral seria assistido por 12000 (!) espectadores (a maior quantidade de almas que Georg Friedrich Händel (1685-1759) teria num dos seus concertos), ajuntamento que teria provocado um engarrafamento gigantesco na ponte de Londres, como seria noticiado na altura pelo The Gentleman's Magazine: "necessárias mais de três horas para deslocamentos de carruagem..."; supostamente um escândalo para "The Gentleman's" e eventualmente de menor importância para "The People", já que para os que iam a pé o tempo despendido teria sido certamente mais reduzido... (haveriam ainda os que iam a cavalo ou eventualmente de burro, contribuindo desta forma para enriquecer as variantes físicas de uma realidade certamente interessante de entender... quem sabe por algum menino que observasse curiosamente tudo o que se passaria à sua volta... Fora o ensaio cem anos antes e esse menino bem que poderia chamar-se Isaac Newton e ir a caminho dos sete anos de idade... a pé... mas com a imaginação a voar até às Leis do Movimento... World Jump Days simbólicos, como o de hoje, à parte, como compreenderão...). 
Para além disso, Jorge II entenderia também que a grandiosidade do espectáculo seria exponenciada pela adição de música, pelo que lembrar-se-ia de Händel para levar a cabo a sua intenção. A ideia passaria por uma música escrita para "instrumentos de guerra" (na celebração da paz...!?), como seriam supostamente os sopros e a percussão (...ok, talvez a conhecida "dureza de ouvido" do monarca fosse a justificação provável), embora Händel viesse, presumivelmente, a acrescentar um conjunto de cordas e, com isso, a arranjar um problema diplomático. Na realidade, a 28 de Março de 1749, o Duque de Montague, Mestre Geral de Artilharia e possivelmente daquela Cerimónia também, ou não fosse, também ele, o Responsável pela Música Militar, escreveria assim: "Agora Händel propõe que hajam violinos. Eu não tenho dúvidas de que quando o Rei ouvir vai ficar muito desagradado... Estou seguro de que ele incentivou Händel para que houvesse a maior quantidade possível de trompetes e outros instrumentos marciais, e não mencionou violinos... embora eu acredite que Händel nunca será convencido a fazê-lo". E aparentemente Händel não terá sido convencido. O número de instrumentos de sopro e percussão (marciais) referidos na partitura original (24 oboés, 12 fagotes, 1 contrafagote, 1 serpentão que seria rapidamente cortado, 9 trompas, 9 trompetes e 4 conjuntos de percussão) ficariam muito aquém do "grupo de 100 músicos" que teriam participado na estreia "fora de portas" (depreenda-se: ao ar livre), reportado à época, pelo que é razoável admitir-se que tenham existido cerca de 40 instrumentistas de cordas. Essa possibilidade ganharia maior força com a indicação referida na partitura autografada (guardada na British Library) da adição de cordas ao esquema original só para sopros, ao que se acrescentaria ainda a inclusão de cordas nos concertos "entre portas" que Händel faria posteriormente e na publicação que mais tarde viria a autorizar.
Após a antestreia pública, realizada aliás contra a vontade do compositor, a "Grande abertura para instrumentos típicos de guerra" (na celebração da paz...?! Mais uma vez...) com que foi apelidada esta famosa Música para os Reais Fogos de Artifício, seria apresentada oficialmente na estreia do festival, a 27 de Abril de 1749, pelas 18h, suscitando no público um misto de sucesso e fiasco. Ao que parece a música teria sido bem acolhida, pelo menos por aqueles que a terão conseguido escutar por se encontrarem contra o vento, numa posição que embora beneficiasse a percepção de sonoridades concertísticas, poderia, no entanto, contribuir para a forma de tortura que seria a percepção de outros acontecimentos diferentes dos aguardados, nomeadamente os do foro digestivo... audíveis ou não (Quem nunca torturou ou foi torturado que atire a primeira pedra...).
Já a história do espectáculo pirotécnico complementar seria bem diferente. Com efeito, naquele fim de tarde chuvoso, enquanto as 101 peças de artilharia lançavam uma amostra lasciva de fogo de artifício, a atração principal e suporte para a maior apresentação pirotécnica, denominada: "a Máquina" (um Pavilhão mecanizado, com arcos, colunas e estátuas das divindades gregas, desenhado pelo criador de cenários da corte francesa, Chevalier Servandoni) ardia por completo, proporcionando, deste modo, um espectáculo adicional ao público semi-assustado, ao que ainda se juntaria o desembainhar de espadas entre o designer francês e Charles Frederick, o nomeado "Controlador do Fogo de Artifício de sua Majestade" e eventual ex-colega de um outro "controlador de fogo Real", neste caso William Daniell, o falecido mestre cozinheiro e providenciador das estranhas preferências gastronómicas do soberano inglês (sapos e papagaios-do-mar seriam dois exemplos "reais"...). No final Servadoni seria desarmado e levado sob custódia, tendo sido libertado no dia seguinte após ter pedido perdão e esta lhe ter sido regiamente concedida (aparentemente, haveriam desgraças maiores a aguardar atenção...).
À semelhança das quatro suites de J.S. Bach., os seis andamentos que compõem a suite desta Música para os Reais Fogos de Artifício seriam, também eles, escritos ao estilo francês. A obra abriria com uma Abertura [I] (como não poderia deixar, literalmente, de ser), seguir-se-ia um vivo Bourrée [II] e uma lenta Siciliana intitulada "La Paix" [III], até chegarmos à alegre "La Réjouissance" [IV] e aos dois jovais Bourrées finais [V] [VI].
Independentemente de terem sido utilizados unicamente instrumentos "militares" ou se teriam havido cordas ou não, o que podemos facilmente testemunhar são as sensações de Paz e de Jubilo que em certos momentos esta obra-prima transmite, sejam esses sentimentos fornecidos por um "grupo de 100 músicos" original, por uma "banda" de 60 figuras registadas no papel (de música) ou por qualquer outro tipo de agrupamento, de maior ou menor força (F) ou massa (m) orquestral. O assobio (a) de uma criança tornará imortal toda a música sublime. A primeira assobiou-a em 1749, durante o retorno a casa desde os Vauxall Pleasure Gardens. Hoje terão nascido outras que a continuarão a assobiar...
...Tão certo quanto F=ma.

   
Nuno Oliveira




"Música para os Reais Fogos de Artifício, HWV 351"


✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 46 e 61)
  • Orpheus Chamber Orchestra
  • Deutsche Grammophon, 435 390-2 GH
"o belo": toda a obra (Sonoridades frescas e imaculadas por músicos que acreditam
                em atingir a excelência... e a ultrapassam. Fundamental, incontornável e
                "simplesmente" espectacular!), com alguns destaques, identificados a seguir;
                [I]: tutti e metais, aos 0:00-2:13 (A alegria de 1749 como a de 2021...), 2:59-3:58,
                4:49-5:13, 6:17-7:19 (...nas brincadeiras das crianças...), 2:15-2:30 (...ao som 
                brilhante dos metais![youtube]
                [II]: tutti, aos 0:00-1:13 (A brincadeira dos filhos sentida pelos pais.) [youtube]
                [III]: tutti, aos 0:00-2:53 (Pausa para "o belo" lanche!) [youtube]
                [IV]: tutti e madeiras, aos 0:00-3:02 (E o recreio recomeça... com o estalar do verniz
                nas madeiras! (1:12-2:24)) [youtube]
                [V]: tutti, aos 0:00-1:32 (É hora de voltar a casa...) [youtube]
                [VI]: tutti, aos 0:00-2:17 (...a recordação "tem mais encanto na hora da despedida".)
                [youtube]






  • Tafelmusik
  • Jeanne Lamon
  • Sony, SK 63073
"o belo": (Uma interpretação com instrumentos de época de tal forma espirituosa que
                 nos faz imaginar um regresso a 1749. Aconselha-se o apertar dos cintos na
                hora da viagem. Uma preciosidade.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V] [youtube],
                [VI] [youtube]






  • The English Concert
  • Trevor Pinnock
  • Deutsche Grammophon Archiv Produktion, 415 129-2 AH
"o belo": (O entusiasmo vibrante que deu em som "Uau" e pompa "Iupi" com instrumentos
                daquela época... peles da percussão inclusive. Uma referência para disfrutar
                intensamente.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V] [youtube],
                [VI] [youtube]






  • The King's Consort
  • Robert King
  • Hyperion, CDA66350
"o belo": (A atmosfera gloriosa que resulta da versão supostamente original apenas
                 para sopros e percussão. Os músicos são os do Rei e esta é uma referência
                também. A disfrutar intimamente.)
                [I-VI] [iTunes]






  • English Baroque Soloists
  • John Eliot Gardiner
  • Philips, 420 349-2 PH
"o belo": (Jubilo e luminosidade numa extraordinária interpretação dos virtuosos ingleses
                em instrumentos de época. Uma excelente escolha a ter em conta também.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V-VI] [youtube]






  • The Academy of Ancient Music
  • Christopher Hogwood
  • L'Oiseau-Lyre, 400 059-2 OH
"o belo": (Uma interpretação da Academia de Música Antiga britânica e também uma
                maravilha como seria de esperar. Vitalidade e alegria a não perder também.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V-VI] [youtube]





  
   
✰ Outras sugestões:




  • Jean-Claude Malgoire/La Grande Écurie et la Chambre du Roy/Sony, SBK 48285 (Uma gravação de qualidade, realizada com instrumentos de época. Sonoridade atmosférica e interpretação festiva, como tem de ser. Boa opção.[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V-VI] [youtube]




  • Neville Marriner/Academy of St. Martin in the Fields/Hänssler, 5166430 (Um registo interessante do mestre Marriner que merece ser escutado.[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube], [V-VI] [youtube]






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Georg Friedrich Händel [1756]





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Dois motivos de celebração [2021]



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