sexta-feira, 21 de maio de 2021


54. Brahms: concerto duplo p/ violino e violoncelo |

O tónico reparador de amizades variadas num "Concerto duplo para violino e violoncelo", por Johannes Brahms. Servir fresco e junto à margem... da consciência de cada um.  






À memória do Músico Paulo Gaio Lima,

e a um olhar de que não se esquece...
(...durante umas Variações Rococó de Tchaikovsky, em Coimbra, num TAGV dos anos 90).  






A melhor adjectivação que porventura poderíamos atribuir ao Concerto Duplo para Violino e Violoncelo, op. 102, de Johannes Brahms (1833-1897), seria aquela que Clara Schumann, alguém que conheceria o compositor como (mais...) ninguém, viria a utilizar por aquela altura: "uma obra de reconciliação".
Esta história de reconciliação começaria em 1853, ano em que Johannes conheceria duas das pessoas que mais profundamente o viriam a influenciar: o compositor Robert Schumann, marido de Clara, e o violinista Joseph Joachim, com quem manteria uma estreita amizade durante mais de meio século. Ora, a excepção que confirmou a regra dessa grande amizade, viria a passar-se em 1884, numa época em que Brahms, descontente com o comportamento de Joachim no seguimento do divórcio deste com Amalie, tomaria o lado da esposa do amigo (...expectável, ou não fosse também a música, afinal, uma mulher sensível que deve ser tratada com o máximo respeito, seja por melómanos ou não, coisa que Brahms se esforçava por corresponder... com aquele "lirismo" que lhe era reconhecido). Neste caso, os motivos que dariam a Joachim a dedicatória do seu concerto para violino (de 1878), pesariam menos que as alegadas falsas acusações de infidelidade. Romantismos à parte: o contrário é que não poderia ser... mais uma vez.
Em boa verdade, o afastamento temporário de Joachim deixaria Brahms ansioso por reparar a velha amizade. O jogo da pacificação iniciar-se-ia, e, após algumas tentativas de pontuação, viria a terminar na proposta que faz a Robert Haussmann, o violoncelista do Quarteto Joachim, de que lhe deveria escrever um concerto, proposta essa que, entretanto, se transformaria na sugestão a Joachim de que, por sua vez, deveria ser um concerto para violino e violoncelo, uma ideia que o violinista aceitaria, confirmando, assim, a boa jogada de Johannes com aquele Ás de trunfo chamado Haussmann!
Esta obra, a última à escala sinfónica que o compositor viria a compor, porventura até mais parecida com uma sinfonia do que com um concerto, seria escrita nas margens do lago Suíço de Thun durante as férias de Verão de 1887, selando desta forma a reconciliação dos dois amigos. Abrindo um parêntesis, não deixa de ser curiosa, também, a homenagem a Brahms instalada no antigo local da sua residência estival de Thun, um monumento que simbolizaria a música e a escuta musical, personificada pela estátua de uma mulher, claro, nua e de pé, com os olhos fechados e um dos braços numa posição que no mínimo nos deixa a pensar. Segundo o autor, Hermann Hubacher, aquela mão direita demonstraria uma audição musical atenta, e, no entanto, a dúvida persiste-me sempre que deixo a imaginação funcionar sobre o modelo e a inspiração utilizados para levar a cabo tal trabalho plástico... Por outro lado, e continuando a dar asas à imaginação (um perigo em determinados contextos, mas não neste), a ausência de dedicatória, substituída pela inscrição "Para ele, para quem este foi escrito", numa obra que termina com recordações do folclore da Hungria, a proveniência do amigo de infância Eduard Reményi, o "Paganini Húngaro" como teria sido apadrinhado por Liszt, permitiria deixar no ar possíveis suposições. Não deixaria de ser uma ode à amizade, já sobre qual ou quais delas poder-se-ia admissivelmente especular.
O concerto seria estreado por Joachim e Haussmann, de forma privada a 23 de Setembro de 1887, em Baden-Baden, e de forma pública no mês seguinte, no dia 18 de Outubro, em Colónia, com direcção do compositor, tendo sido recebido com modéstia pelo público e pela crítica, o que desencorajaria Brahms a continuar nesse registo, levando-o, deste modo, a dedicar-se à música de câmara a partir daí.
Embora a combinação de múltiplos instrumentos a solo fosse já conhecida (desde os concertos duplos de Bach, passando pela sinfonia concertante para violino e viola de Mozart, até ao concerto triplo para piano, violino e violoncelo de Beethoven), poucos haveria que tivessem precedido esta obra para violino e violoncelo. Essa realidade justificar-se-ia pela diferença de alcance sonoro entre os dois instrumentos, o que obrigaria o compositor a aplicar um cuidado redobrado na construção da partitura, preocupando-se na procura do equilíbrio de poderes entre os solistas e entre estes e a orquestra, enquanto afirmava o melhor das características tonais especiais do violoncelo e do violino (de notar que, à semelhança do que já antes acontecera com o seu concerto para violino, os conselhos técnicos de Joachim trariam, de igual modo, uma sonoridade brilhante e virtuosística a esta peça).
Finalmente, este concerto apresentaria os três andamentos tradicionais. Um Allegro inicial [1], belo e dramático, onde sobressai a energia do violoncelo; seguindo-se um Adagio [2], poético e estranhamente bucólico, quem sabe contemplativo das paisagens a partir das margens de um lago reparador do espírito; e terminando num Vivace non troppo [3] e no fascínio de Brahms pelo tal folclore tradicional húngaro, tão ao gosto do amigo Reményi... Ou seria Joachim? Amalie haveria também de gostar, não?

 
Nuno Oliveira

                          



"Concerto duplo p/ violino e violoncelo, em lá menor, op. 102"


✨ Extractos que proponho para audição:
  • Gerardo Ribeiro, Paulo Gaio Lima
  • Radio Philharmonie Hannover des NDR
  • Miguel Graça Moura
  • RCA, 7432 1 639742
"o belo": é lembrarmo-nos do Paulo Gaio Lima.
                [1-3] [youtube]






  • David Oistrakh, Mstislav Rostropovich
  • Cleveland Orchestra
  • George Szell
  • EMI, CDM 5 66902 2
"o belo": (A interpretação de referência desta obra. Oistrakh e Rostropovich imaculados
                e bem acompanhados por Szell e pela poderosa Orquestra de Cleveland daqueles
                anos 60. A não perder!)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Renaud Capuçon, Gautier Capuçon
  • Gustav Mahler Jugendorchester
  • Myung-Whun Chung
  • Virgin, 00946 395147 2 4
"o belo": (Uma interpretação impressionante dos irmãos Capuçon. Sincronismo
                 e colorido familiar evidentes, numa excelente escolha também.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Pinchas Zukerman, Ralph Kirshbaum
  • London Symphony Orchestra
  • Christoph Eschenbach
  • RCA, 09026 68964 2
"o belo": (Calor e expressividade num registo com a marca própria de Zukerman
                e Kirshbaum, acompanhados superlativamente pelo mestre Eschenbach.
                Uma magnífica proposta a descobrir.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Isaac Stern, Yo-Yo Ma
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Claudio Abbado
  • Sony, SK 45 999
"o belo": (A nobreza sonora do jovem Ma e a espontaneidade interpretativa do
                sábio Stern em destaque. Abbado e orquestra de Chicago exemplares
                numa proposta de excelência também.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Anne-Sophie Mutter, António Meneses
  • Berliner Philharmoniker
  • Herbert von Karajan
  • Deutsche Grammophon, 410 603-2 GH
"o belo": (A orientação sábia de von Karajan e o brilhantismo sonoro dos
                jovens músicos Mutter e Meneses. Uma escolha a ter em conta.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Vladimir Spivakov, Alexander Kniazev
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Yuri Temirkanov
  • RCA, 09026 61696 2
"o belo": (Calor sonoro, brilhantismo virtuosístico e excelente suporte de 
                Temirkanov e da orquestra britânica. Uma escolha de qualidade.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]





  
   
✰ Outras sugestões:
  • Lydia Mordkovitch/Raphael Wallfisch/Neeme Järvi/London Symphony Orchestra/Chandos, CHAN 8667 (Interpretação irrepreensível e também uma boa opção.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]




  • Gidon Kremer/Mischa Maisky/Leonard Bernstein/Wiener Philharmoniker/Deutsche Grammophon, 410 031-2 GH (Kremer, Maisky e Bernstein ao vivo em 1983.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






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Johannes Brahms [Viena, 1887]



                   A "Música" vista de Thun                                              Joachim e Amalie

 




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Retrato revelador [Estágio JOP, 2018].





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