43. Sibelius: sinfonia nº 2 |
A Sinfonia nº 2 de Jean Sibelius e as transparências de um Inverno consolado pela Riviera Italiana.
Para o Conservatório de Música de Seia, "Collegium Musicum", um lugar morno no meio do frio da Serra da Estrela e do interior de cada um.
Quando pensamos em Jean Sibelius dificilmente conseguimos dissociar o homem das sete sinfonias que escreveu ao longo dos seus noventa e dois anos de vida, um extraordinário legado que, de forma mais ou menos evidente, nos descreveria o percurso terrestre deste génio nascido nas terras agrestes e geladas de Hämeenlinna, no Norte da Finlândia, a 8 de Dezembro de 1865. "The winter has come", de facto nesse dia...
Na realidade, seria esta produção sinfónica que o levaria a alcançar a fama e a reputação internacional, iniciada, porventura de forma mais clara, a partir da sua segunda sinfonia, uma obra que viria a gozar de um sucesso sem precedentes na sua Finlândia natal, levando-o simultaneamente a conquistar a Alemanha, uma realidade que todos os compositores escandinavos ambicionariam naquela época mas que poucos atingiriam (Nielsen, por exemplo, seria um dos que nunca obteria o reconhecimento germânico).
Como jovem estudante de música, Jean viria não só a mergulhar na tradição sinfónica vienense de Haydn a Bruckner, como também na variante russa de um romantismo espelhado em Tchaikovsky, dois pontos de partida para chegar à construção de um nacionalismo finlandês... e, seguramente, à descoberta do seu próprio estilo também, uma voz que se começara tenuemente a escutar em 1899 com a sua primeira sinfonia, reaparecendo de forma mais sonora em 1902 com a sua segunda, numa tentativa que já refletiria a procura e exploração de uma estrutura para lá dos limites da tradição.
Após uma apresentação da sua segunda sinfonia nesse ano, em Estocolmo, o seu amigo e também ele compositor, Wilhelm Stenhammar, viria a escrever-lhe: "Tu és uma pessoa maravilhosa; alcançaste as maiores profundezas do inconsciente e do inefável, e trouxeste algo de milagroso". Estas declarações retratariam, porventura de forma mais verdadeira, o estado de espírito do autor no momento da criação da obra, numa época onde a crítica e o público se encontrariam determinados a evocar esta música (uma "Sinfonia da Libertação", para alguns formadores de opinião) nas referências às lutas e aos triunfos do nacionalismo finlandês frente ao domínio russo dos Czares Romavov, que já aconteceria desde 1808, intenção que Sibelius, apesar de ser um bom patriota, sempre rejeitaria.
Com efeito, a sua Sinfonia nº 2, em ré maior, op. 43, seria esboçada durante a visita que o compositor viria a fazer com a esposa e as duas filhas a Itália, entre o Inverno de 1900 e o início da Primavera de 1901, numa altura em que algumas dúvidas se colocariam a respeito de um casamento, que, por aqueles dias, sobreviveria debaixo de algum stress provocado pela morte da sua filha mais nova, Kristi, em Fevereiro de 1900, aos dois anos de idade (...stress que supostamente viria a diminuir com a chegada de alguma ternura, aos quarenta, juntamente com mais três filhas... pelo que é possível assumir-se com relativa assertividade, de que deveria fazer mesmo muito frio nas margens do Lago Tuusula para que ninguém se atrevesse a sair da casa de Ainola...). No entanto, quaisquer que tivessem sido as aparentes tensões emocionais transparecidas no lento segundo andamento, ou o alegado italianismo espelhado no calor sonoro compreensível em outros determinados momentos, esta obra viria a impressionar não só pela firme utilização dos princípios clássicos por debaixo de uma superfície romântica, mas também pela originalidade com que Sibelius começava a modificar esses mesmos princípios em seu favor, de forma a alcançar os seus propósitos, uma transformação eventualmente mais lenta e menos violenta do que a que estaria a acontecer naquela década, na cosmopolita Paris de Stravinsky e Debussy.
Importa também acrescentar, que esta viagem a Itália teria sido sugerida pelo seu amigo e músico amador, Axel Carpelan, pessoa que teria inclusive angariado o dinheiro que permitiria a Sibelius renunciar ao seu trabalho no Conservatório de Helsínquia para se dedicar de forma exclusiva à composição desta obra, numa atitude que reflete o nível de solidariedade artística do povo Nórdico, que se prova ser altíssimo, e a realidade cultural de um país que, com pouco mais de cinco milhões de habitantes, apresenta variados agrupamentos sinfónicos e correspondentes direcções de elevado prestígio internacional, em binómios do tipo: Helsínquia e Susanna Mälkki, Rádio Finlandesa e Sakari Oramo, Lahti e Okko Kamu, Tampere e Hannu Lintu, Tapiola e Osmo Vänskä, Turku e Leif Segerstam, só para citar alguns... (...já neste país, cheio de sol, dominam outros exemplos razoavelmente menos capazes... o que me leva a acreditar que seriamos seguramente mais felizes se um pouco mais da riqueza que produzimos fosse destinada à actividade artística, tudo isso conseguido pelo emprego de mais alguns tostões, que poderiam admissivelmente vir redirecionados de alguns mal empregados milhões... só faltaria dar-mos Graças a quem lutasse por isso... A isso digo: "- Presente!"; e faço: a doação anual da correspondente verba tributada, que tenho atribuído à nossa JOP, que bem merece, nos últimos anos).
Após o regresso à fria Finlândia, Sibelius continuaria a trabalhar nesta sua segunda sinfonia, uma música que continuaria a apresentar algum caracter solarengo, próprio do ambiente mediterrânico, tendo concluído a redacção dos seus quatro andamentos em Novembro de 1901, páginas que contudo seriam revistas de forma intensiva até à sua forma final, que chegaria no início de 1902.
A estreia viria a acontecer a 8 de Março de 1902, em Helsínquia, com a direcção do compositor, um sucesso instantâneo que seria adoptado, em poucos meses, por alguns dos maestros mais influentes daquela altura, como o foram Hans Richter, Felix Weingartner ou Arturo Toscanini.
Esta obra apresentaria os quatro andamentos tradicionais. No primeiro andamento [1], podemos constatar a excentricidade do material temático que é proposto de forma deliberadamente abrupta e fragmentada, até ao momento em que as variadas ideias musicais são apresentadas juntas, mesmo misturadas em alguns momentos, criando assim uma inesperada rectrospectiva na parte final do andamento, que daria a sensação de continuidade estrutural para o resto da obra. Tudo isto inusualmente balanceado e, no entanto, imediatamente compreensível, genial e perfeito! Já o segundo andamento [2] dificilmente poderia contrastar mais, com o seu caracter bucólico introduzido ao início, desenvolvendo-se, depois, da escuridão original para uma espécie de drama de confrontação introspectiva, e culminando, a seguir, num dos maiores gestos físicos que Sibelius transcreveria na sua música. Os esboços deste andamento sugeririam, ainda, alguns pensamentos lúgubres que o autor tivera com um "D. Juan" e um "Convidado de Pedra" (que simbolizaria a morte), que o inspirariam para o tema principal, e outros, aparentemente mais luminosos, com "Cristo", que estariam na génese do belíssimo tema lento das cordas, em forma de consolação divina (bem precisa por aqueles dias). Seguir-se-ia o terceiro andamento [3], um Scherzo com um ritmo demoníaco (...a fazer lembrar outros do casto Bruckner) e um plácido Trio inspirados nos compassos iniciais da sinfonia, até que surge o tema que ligaria este andamento ao Finale [4], numa transição ininterrupta (como que em homenagem a Beethoven e Schumann) e em majestosa procissão até à apoteose final, música que segundo o seu biografo, Eric Tawaststjerna, teria sido inspirada durante a celebração de um baptismo que Sibelius teria acompanhado ao piano, em 1899. Revelador...
Sibelius descreveria a sua aproximação à escrita sinfónica como aquela em que Deus, do alto dos céus, atiraria para a Terra as peças de um mosaico ou de um quebra-cabeças celestial, que teriam de ser colocadas correctamente outra vez. E num dia frio de Dezembro apareceu Jean, um menino que formava os puzzles nas estrelas, sem deixar que as peças caíssem no chão...
Nuno Oliveira
"Sinfonia nº 2, em ré maior, op. 43"
✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 27 e 63)
- London Symphony Orchestra
- Colin Davis
- RCA, 09026 68218 2
grandiosa e pura de espírito do mestre inglês, a referência da interpretação da
música de Sibelius dos nossos dias!), com alguns destaques, identificados a seguir;
[I]: tutti, madeiras e trompa, aos 0:00-1:00 (... na mais pura magia!) [youtube]
[II]: tutti, aos 4:43-5:20 (..."a bela" Kristi...) [youtube]
[III]: musica de câmara, aos 1:43-3:00 (...ciprestes e restante flora nórdica.) [youtube]
[IV]: tutti, aos 0:57-2:38 e 13:42-14:45 (Arrebatador, luminoso... e inspiração para
[I]: tutti, madeiras e trompa, aos 0:00-1:00 (... na mais pura magia!) [youtube]
[II]: tutti, aos 4:43-5:20 (..."a bela" Kristi...) [youtube]
[III]: musica de câmara, aos 1:43-3:00 (...ciprestes e restante flora nórdica.) [youtube]
[IV]: tutti, aos 0:57-2:38 e 13:42-14:45 (Arrebatador, luminoso... e inspiração para
canções famosas... até ao apoteótico final!) [youtube]
- City of Birmingham Symphony Orchestra
- Simon Rattle
- EMI, CDC 7 47222 2
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
- Philharmonia Orchestra
- Vladimir Ashkenazy
- Decca, 455 402-2 DF2
Um registo de referência que deve estar presente nas melhores colecções.)
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
- Oslo Philharmonic Orchestra
- Mariss Jansons
- EMI, CDC 7 54804 2
dirigida pelo mestre Jansons. Uma escolha de excelência a não perder.)
- Berliner Philharmoniker
- James Levine
- Deutsche Grammophon, 437 828-2 GH
privilegia a excitação à majestosidade, com velocidades elevadas e tuttis
escaldantes. Uma escolha diferente, mas de grande qualidade.)
- Boston Symphony Orchestra
- Vladimir Ashkenazy
- Decca, 436 566-2 DH2
Americanos, junto do mestre de referência neste reportório que é Ashkenazy.)
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
✰ Outras sugestões:
- Wiener Philharmoniker
- Leonard Bernstein
- Deutsche Grammophon, 419 772-2 GH
[I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]
- Zubin Mehta/New York Philharmonic Orchestra/Teldec, 2292-46317-2 (A qualidade da NYPO sob a liderança do mito que é Mehta.), [I] [youtube], [II] [youtube], [III-IV] [youtube]
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"Um lugar morno..." (Dezembro, 2015)
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