domingo, 29 de novembro de 2020

 

43. Sibelius: sinfonia nº 2 |

A Sinfonia nº 2 de Jean Sibelius e as transparências de um Inverno consolado pela Riviera Italiana.






Para o Conservatório de Música de Seia, "Collegium Musicum", um lugar morno no meio do frio da Serra da Estrela e do interior de cada um.






Quando pensamos em Jean Sibelius dificilmente conseguimos dissociar o homem das sete sinfonias que escreveu ao longo dos seus noventa e dois anos de vida, um extraordinário legado que, de forma mais ou menos evidente, nos descreveria o percurso terrestre deste génio nascido nas terras agrestes e geladas de Hämeenlinna, no Norte da Finlândia, a 8 de Dezembro de 1865. "The winter has come", de facto nesse dia...
Na realidade, seria esta produção sinfónica que o levaria a alcançar a fama e a reputação internacional, iniciada, porventura de forma mais clara, a partir da sua segunda sinfonia, uma obra que viria a gozar de um sucesso sem precedentes na sua Finlândia natal, levando-o simultaneamente a conquistar a Alemanha, uma realidade que todos os compositores escandinavos ambicionariam naquela época mas que poucos atingiriam (Nielsen, por exemplo, seria um dos que nunca obteria o reconhecimento germânico).
Como jovem estudante de música, Jean viria não só a mergulhar na tradição sinfónica vienense de Haydn a Bruckner, como também na variante russa de um romantismo espelhado em Tchaikovsky, dois pontos de partida para chegar à construção de um nacionalismo finlandês... e, seguramente, à descoberta do seu próprio estilo também, uma voz que se começara tenuemente a escutar em 1899 com a sua primeira sinfonia, reaparecendo de forma mais sonora em 1902 com a sua segunda, numa tentativa que já refletiria a procura e exploração de uma estrutura para lá dos limites da tradição.
Após uma apresentação da sua segunda sinfonia nesse ano, em Estocolmo, o seu amigo e também ele compositor, Wilhelm Stenhammar, viria a escrever-lhe: "Tu és uma pessoa maravilhosa; alcançaste as maiores profundezas do inconsciente e do inefável, e trouxeste algo de milagroso". Estas declarações retratariam, porventura de forma mais verdadeira, o estado de espírito do autor no momento da criação da obra, numa época onde a crítica e o público se encontrariam determinados a evocar esta música (uma "Sinfonia da Libertação", para alguns formadores de opinião) nas referências às lutas e aos triunfos do nacionalismo finlandês frente ao domínio russo dos Czares Romavov, que já aconteceria desde 1808, intenção que Sibelius, apesar de ser um bom patriota, sempre rejeitaria.
Com efeito, a sua Sinfonia nº 2, em ré maior, op. 43, seria esboçada durante a visita que o compositor viria a fazer com a esposa e as duas filhas a Itália, entre o Inverno de 1900 e o início da Primavera de 1901, numa altura em que algumas dúvidas se colocariam a respeito de um casamento, que, por aqueles dias, sobreviveria debaixo de algum stress provocado pela morte da sua filha mais nova, Kristi, em Fevereiro de 1900, aos dois anos de idade (...stress que supostamente viria a diminuir com a chegada de alguma ternura, aos quarenta, juntamente com mais três filhas... pelo que é possível assumir-se com relativa assertividade, de que deveria fazer mesmo muito frio nas margens do Lago Tuusula para que ninguém se atrevesse a sair da casa de Ainola...). No entanto, quaisquer que tivessem sido as aparentes tensões emocionais transparecidas no lento segundo andamento, ou o alegado italianismo espelhado no calor sonoro compreensível em outros determinados momentos, esta obra viria a impressionar não só pela firme utilização dos princípios clássicos por debaixo de uma superfície romântica, mas também pela originalidade com que Sibelius começava a modificar esses mesmos princípios em seu favor, de forma a alcançar os seus propósitos, uma transformação eventualmente mais lenta e menos violenta do que a que estaria a acontecer naquela década, na cosmopolita Paris de Stravinsky e Debussy.    
Importa também acrescentar, que esta viagem a Itália teria sido sugerida pelo seu amigo e músico amador, Axel Carpelan, pessoa que teria inclusive angariado o dinheiro que permitiria a Sibelius renunciar ao seu trabalho no Conservatório de Helsínquia para se dedicar de forma exclusiva à composição desta obra, numa atitude que reflete o nível de solidariedade artística do povo Nórdico, que se prova ser altíssimo, e a realidade cultural de um país que, com pouco mais de cinco milhões de habitantes, apresenta variados agrupamentos sinfónicos e correspondentes direcções de elevado prestígio internacional, em binómios do tipo: Helsínquia e Susanna Mälkki, Rádio Finlandesa e Sakari Oramo, Lahti e Okko Kamu, Tampere e Hannu Lintu, Tapiola e Osmo Vänskä, Turku e Leif Segerstam, só para citar alguns... (...já neste país, cheio de sol, dominam outros exemplos razoavelmente menos capazes... o que me leva a acreditar que seriamos seguramente mais felizes se um pouco mais da riqueza que produzimos fosse destinada à actividade artística, tudo isso conseguido pelo emprego de mais alguns tostões, que poderiam admissivelmente vir redirecionados de alguns mal empregados milhões... só faltaria dar-mos Graças a quem lutasse por isso... A isso digo: "- Presente!"; e faço: a doação anual da correspondente verba tributada, que tenho atribuído à nossa JOP, que bem merece, nos últimos anos).
Após o regresso à fria Finlândia, Sibelius continuaria a trabalhar nesta sua segunda sinfonia, uma música que continuaria a apresentar algum caracter solarengo, próprio do ambiente mediterrânico, tendo concluído a redacção dos seus quatro andamentos em Novembro de 1901, páginas que contudo seriam revistas de forma intensiva até à sua forma final, que chegaria no início de 1902.
A estreia viria a acontecer a 8 de Março de 1902, em Helsínquia, com a direcção do compositor, um sucesso instantâneo que seria adoptado, em poucos meses, por alguns dos maestros mais influentes daquela altura, como o foram Hans Richter, Felix Weingartner ou Arturo Toscanini.
Esta obra apresentaria os quatro andamentos tradicionais. No primeiro andamento [1], podemos constatar a excentricidade do material temático que é proposto de forma deliberadamente abrupta e fragmentada, até ao momento em que as variadas ideias musicais são apresentadas juntas, mesmo misturadas em alguns momentos, criando assim uma inesperada rectrospectiva na parte final do andamento, que daria a sensação de continuidade estrutural para o resto da obra. Tudo isto inusualmente balanceado e, no entanto, imediatamente compreensível, genial e perfeito! Já o segundo andamento [2] dificilmente poderia contrastar mais, com o seu caracter bucólico introduzido ao início, desenvolvendo-se, depois, da escuridão original para uma espécie de drama de confrontação introspectiva, e culminando, a seguir, num dos maiores gestos físicos que Sibelius transcreveria na sua música. Os esboços deste andamento sugeririam, ainda, alguns pensamentos lúgubres que o autor tivera com um "D. Juan" e um "Convidado de Pedra" (que simbolizaria a morte), que o inspirariam para o tema principal, e outros, aparentemente mais luminosos, com "Cristo", que estariam na génese do belíssimo tema lento das cordas, em forma de consolação divina (bem precisa por aqueles dias). Seguir-se-ia o terceiro andamento [3], um Scherzo com um ritmo demoníaco (...a fazer lembrar outros do casto Bruckner) e um plácido Trio inspirados nos compassos iniciais da sinfonia, até que surge o tema que ligaria este andamento ao Finale [4], numa transição ininterrupta (como que em homenagem a Beethoven e Schumann) e em majestosa procissão até à apoteose final, música que segundo o seu biografo, Eric Tawaststjerna, teria sido inspirada durante a celebração de um baptismo que Sibelius teria acompanhado ao piano, em 1899. Revelador...
Sibelius descreveria a sua aproximação à escrita sinfónica como aquela em que Deus, do alto dos céus, atiraria para a Terra as peças de um mosaico ou de um quebra-cabeças celestial, que teriam de ser colocadas correctamente outra vez. E num dia frio de Dezembro apareceu Jean, um menino que formava os puzzles nas estrelas, sem deixar que as peças caíssem no chão...     
      
Nuno Oliveira      




"Sinfonia nº 2, em ré maior, op. 43"


✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 27 e 63)
  • London Symphony Orchestra
  • Colin Davis
  • RCA, 09026 68218 2
"o belo": toda a obra (Afinidade completa e entendimento absoluto da obra, numa versão
                grandiosa e pura de espírito do mestre inglês, a referência da interpretação da 
                música de Sibelius dos nossos dias!), com alguns destaques, identificados a seguir;
                [I]: tutti, madeiras e trompa, aos 0:00-1:00 (... na mais pura magia!) [youtube]
                [II]: tutti, aos 4:43-5:20 (..."a bela" Kristi...) [youtube]
                [III]: musica de câmara, aos 1:43-3:00 (...ciprestes e restante flora nórdica.) [youtube]
                [IV]: tutti, aos 0:57-2:38 e 13:42-14:45 (Arrebatador, luminoso... e inspiração para
                canções famosas... até ao apoteótico final!) [youtube]






  • City of Birmingham Symphony Orchestra
  • Simon Rattle
  • EMI, CDC 7 47222 2
"o belo": (Interpretação entusiástica e fervorosa, Birmingham strings e Rattle no seu melhor.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Philharmonia Orchestra
  • Vladimir Ashkenazy
  • Decca, 455 402-2 DF2
"o belo": (Aqui o calor humano prevalece sobre o ambiente gélido que imaginamos.
                Um registo de referência que deve estar presente nas melhores colecções.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Oslo Philharmonic Orchestra
  • Mariss Jansons
  • EMI, CDC 7 54804 2
"o belo": (Um registo intenso e excitante da orquestra escandinava, nobremente
                dirigida pelo mestre Jansons. Uma escolha de excelência a não perder.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • James Levine
  • Deutsche Grammophon, 437 828-2 GH
"o belo": (Sonoridade exuberante gravada ao vivo em Berlim. Interpretação que
                privilegia a excitação à majestosidade, com velocidades elevadas e tuttis
                escaldantes. Uma escolha diferente, mas de grande qualidade.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Boston Symphony Orchestra
  • Vladimir Ashkenazy
  • Decca, 436 566-2 DH2
"o belo": (Interpretação polida, num caminho percorrido ao vivo pelos músicos Norte
                Americanos, junto do mestre de referência neste reportório que é Ashkenazy.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Wiener Philharmoniker
  • Leonard Bernstein
  • Deutsche Grammophon, 419 772-2 GH
"o belo": (O famoso registo ao vivo por Bernstein, no Musikverein de Viena em 1986.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






    
✰ Outras sugestões:
  • Zubin Mehta/New York Philharmonic Orchestra/Teldec, 2292-46317-2 (A qualidade da NYPO sob a liderança do mito que é Mehta.), [I] [youtube], [II] [youtube], [III-IV] [youtube]






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Jean Sibelius [Helsínquia, 1900]




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"Um lugar morno..." (Dezembro, 2015) 



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domingo, 22 de novembro de 2020


42. Chopin: concerto p/ piano nº 2 |


A finalidade do ornamento num concerto para piano, "segundo" o original, em fá menor, de um ser apaixonado pelo amor chamado Frédéric Chopin.






Para o menino de ouro que é o meu amigo Gil Abrantes, um retrato de educação, alegria e simplicidade, múltiplas vezes impresso em todos os outros. Uma impressão que marca e aquela que conta... para um mundo melhor.

(E, de novo, ao orgulho que sinto pela nossa Maria João!) 






O jovem pianista e compositor Frédéric Chopin (1810-1849), viria a escrever o seu primeiro concerto para piano entre o Verão de 1829 e o Inverno de 1830, na capital da sua Polónia natal, Varsóvia, concerto que viria a ser batizado de segundo, contribuindo para isso o facto de ter sido editado depois da publicação do segundo concerto que viria, entretanto, a compor. Confuso? Como diria um outro primeiro que teria ficado em segundo (nada contra, acrescento), "- Vamos lá ver": ao escrito em primeiro lugar seria atribuído o nome de 2º (em fá menor, op. 21), em Abril de 1836, pela editora Breitkopf de Leipzig, na medida em que o que teria sido composto em segundo já teria sido chamado de 1º (em mi menor, op. 11), em Julho de 1833, pela Schlesinger de Paris. Os irredutíveis gauleses a chegar primeiro, neste caso... como noutros casos também, alguns mais recentes e de particular carácter lusófono (...ou não tivessem ocorrido em Cabo Delgado e ecoados em silêncio até Lisboa, onde, supostamente, alguém teria pressionado acidentalmente o botão do "mute" duma residência em Belém...).
A criação desta obra surgiria com as aspirações do autor em se tornar um pianista virtuoso de reputação internacional. Na realidade, e contrariamente ao que acontece nos dias de hoje onde pianistas iniciam a interpretação musical pelas obras dos mestres do passado, os maiores virtuosos do séc. XIX interpretariam as suas próprias composições na maior parte das vezes, de forma a tentar manter o interesse do público durante as tournées de concertos que realizariam um pouco por toda a Europa.
De igual modo, e suscetível como qualquer outro jovem da sua idade, o angustiado Frédéric definhava com um amor por Konstancja Gladkowska, uma jovem e talentosa soprano que teria conhecido no Conservatório de Varsóvia em 1826, naquela altura com os dezasseis anos característicos de um teenager (...uma fase pela qual todos passamos, uns durante mais tempo que outros, e onde alguns, inclusive, se vão mantendo ao longo do tempo... num limbo idiótico, nos casos mais agudos). Extremamente tímido, Frédéric permitir-se-ia a si próprio a uma idealização desta paixão através da sua produção musical. Com efeito, as cartas que teria escrito naquela altura ao seu amigo Tytus Woyciechowski, sugeririam um Chopin apaixonado pela sensação de estar apaixonado, numa redundância da paixão pelo amor (ou vice-versa...) cujas alternâncias de sonhos ardentes (...porventura os de um jovem-pianista-de elevado virtuosismo) e entusiasmo "confinado" (...de um (já) maduro-compositor-de recatado lirismo, quem sabe), ficariam registados no seu concerto para piano nº 2, o primeiro que escreveu, também aqui coincidente na dicotomia cronológica dos timings de composição e de publicação, à semelhança de um certo compromisso romântico de Frédéric a uma aproximação clássica de Chopin.
E teria sido, assim, neste contexto, que Chopin viria a compor este concerto, a obra maior que o lançaria numa tournée de sucesso iniciada em Varsóvia em Março de 1830, passando por várias cidades até à sua chegada a Paris em Setembro de 1831, cidade onde viria a viver até ao fim da vida, em várias moradas na Rive Droite do Sena, do Boulevard Poissonnière nº 27 até à Place Vendôme nº 12 e à morada final no Cimetière du Père-Lachaise, sem, contudo, a companhia da inspiração chamada Konstancja, de alguém que apesar da tradicional troca de anéis nunca viria a considerar seriamente a relação com o "temperamental, cheio de fantasias e pouco confiável" Frédéric Chopin (?).
Esta obra viria a ser dedicada à Condessa Delphine Potocka e estreada com enorme sucesso no Teatro Nacional de Varsóvia a 17 de Março de 1830, com direcção do maestro Karol Kurpinski, numa sala esgotada três dias antes dessa apresentação. Um ouvinte que se encontrava entre o público, viria a escrever sobre aquela noite: "... A sua música está repleta de sentimentos e melodias expressivas, que colocam o ouvinte num estado de subtil contemplação, trazendo para a sua memória todos os momentos felizes que conheceu". Assino por baixo. Também Liszt e Schumann viriam a testemunhar, incrédulos, o atrevimento, confiança e individualidade de um génio de dezanove anos de idade, com Liszt a considerar, ainda, que o segundo andamento, Largetto, exibiria o que para ele seria o ideal da beleza romântica, apesar das criticas que simultaneamente faria sobre o "esforço ocasional e falta de inspiração" relativos aos andamentos vizinhos, o primeiro e terceiro, que rodeariam esta sua visão da beleza romântica de central decoro (um Franz no seu melhor... para além de um bom exemplo do que o pode agradar a Gregos, a Troianos poderá provocar o sentimento oposto...).
Este maravilhoso concerto apresentaria, assim, os habituais três andamentos. No primeiro andamento [1] podemos perceber a modulação colorida e os ornamentos que representam uma finalidade estrutural de rotura com a forma tradicional do concerto clássico, onde o ornamento serve de complemento à ideia temática. Já em Chopin o ornamento é a ideia! Seguir-se-ia o famoso Largetto do segundo andamento [2], o lirismo poético da melodia do piano na celebração de um novo amor (na voz de um fagote, admito), e o exuberante terceiro andamento final [3], ao ritmo da popular Mazurka da sua Polónia natal, num blend de espectáculo e nacionalismo de colocar um sorriso nos lábios de cada um...
...à semelhança de uma Baga Bairradina acompanhada por um método champanhês!
Na zdorowie Fryderyk!... À ta santé, Frédéric!... À tua saúde, Frederico!               

Nuno Oliveira    




 "Concerto p/ piano nº 2, em fá menor, op. 21"


✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicação nº 17)
  • Maria João Pires
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • André Previn
  • Deutsche Grammophon, 437 817-2 GH
"o belo": toda a obra, com alguns destaques em baixo;
                I: piano aos 3:08, 6:24, 11:13,... (Ornamentos na mais bela filigrana![youtube]
                II: piano (Como Liszt estava certo! "o (mais) belo" é mesmo isto!) [youtube]
                III: piano/tutti (...e um sorriso ao acabar a festa, anunciado pela trompa (6:48)...) [youtube]





 
  • Artur Rubinstein
  • The Philadelphia Orchestra
  • Eugene Ormandy
  • RCA, GD60404
"o belo": (Subtilezas joviais de um octogenário sem idade apresentadas de forma
                delicada e refinada. O brilhantismo de uma vida pode ser encontrado aqui.
                Registo a tocar o divino.) I [youtube], II [youtube], III [youtube]





 
    
✰ Outras sugestões:




  • Nicolai Demidenko/Heinrich Schiff/The Philharmonia/Hyperion, CDA66647 [iTunnes]



 

 





 










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Frédéric Chopin [Paris, 1849]





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"Os meus dois concertos para piano de Chopin" (na foto, à esquerda) 





"A Place Vendôme e tu" (Paris, Abril de 2014) 



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terça-feira, 10 de novembro de 2020

 

41. Mahler: sinfonia nº 2, "Ressurreição" |

A Sinfonia nº 2, de Gustav Mahler, a "Ressurreição" de um drama épico modelado pelo sublime, incompreendido pelo contrário, venerado por outro lado... 






À memória do meu amigo José Lourenço de Oliveira, no aniversário do centenário do seu nascimento.

(Acredito que as lágrimas de felicidade que derramaste num sábado em festa, não foram em vão... Oxalá que essas lágrimas ressuscitem, e da mesma forma se derramem, a cada geração. [13-02-1999])  



(E à recordação de uma maravilhosa segunda de Mahler que assisti no Coliseu de Lisboa, interpretada pela San Francisco Symphony, Michael Tilson Thomas, Laura Claycomb, Katarina Karnéus e o nosso Coro Gulbenkian! [6-6-2011])






- "Was denkst du, Meister?"
- "Encontramo-nos junto à urna de uma pessoa bem-amada. Toda a sua vida, as suas lutas, as suas paixões, os seus sofrimentos e realizações na Terra passam por nós mais uma vez, pela última vez. E agora, neste solene e profundo momento, onde as confusões e as distracções do dia-a-dia são desvendadas como uma venda levantada dos nossos olhos, uma voz de inspiração solene arrefece o nosso coração, uma voz que, cega pela miragem de uma vida quotidiana, usualmente ignoramos: E a seguir? O que é a vida e o que é a morte? Porque sofreste? Porque viveste?".
Esta reflexão, possível de atribuir ao comum dos homens, teria sido na realidade utilizada por Gustav Mahler (1860-1911) como programa de introdução da sua Sinfonia nº 2, "Ressurreição", uma "obra de arte total" (como ele próprio o diria), puro entretenimento, por um lado, um drama religioso e social, por outro... estampados, os dois, nas faces preciosas da mesma moeda estética. A criação da sua segunda sinfonia iniciar-se-ia em 1888, com o poema sinfónico "Todtenfeier" (Rituais fúnebres), no qual o herói retratado na sua primeira sinfonia se retira para o merecido descanso final. Estas ideias para um fim inspirariam um outro princípio (...porventura a espelhar o círculo da vida, a morte e desejada ressurreição... pelo menos para mim, um crente Nele, confiante nela e esperançoso nos dois... Deus e ciência), já que mais tarde se viriam a tornar no primeiro andamento desta sua segunda sinfonia (um Allegro maestoso inspirado no momento da morte de um herói), e a contribuir, durante o Verão de 1893, para a composição do segundo andamento (um Andante a lembrar a vida desse herói, a sua juventude e perda da inocência), e do quarto andamento, que incluiria a maravilhosa canção "Urlicht" (Luz Primordial), com poema da colectânea popular "Des Knaben Wunderhorn" (A Trompa mágica do menino), sinónimo da redescoberta de uma fé ingénua, indispensável à salvação da alma... uma salvação seguramente pretendida por todo aquele, herói ou não, que constatasse os sentimentos de desespero e incredulidade em si próprio e no seu Deus, retratados Mahlerianamente (magistralmente! e inconfundivelmente!) no Scherzo do terceiro andamento antecessor.
Por esta altura Mahler era o maestro principal da Ópera de Hamburgo, cujas temporadas eram dominadas pelos concertos apresentados pelo idolatrado maestro e pianista, Hans von Bülow (que mais tarde viria a substituir...), sabendo-se que quando retorna a esta cidade para a temporada de 1893-1894, estes segundo e quarto andamentos já se encontrariam terminados. No entanto, o principal problema permaneceria na pergunta: "Como concluir uma música com tamanhas e profundas implicações?"... resposta que o compositor viria a encontrar em Março de 1894, no funeral do seu amigo von Bülow, que entretanto falecera a 7 de Fevereiro, no Cairo, cidade onde se encontraria a recuperar da doença neurológica que o viria a vitimar. A solução chegaria, assim, do interior da Michaelis-Kirche de Hamburgo (lugar de culto versus mensagem divina?... a especulação é válida...), através dos sons ecoados por um coro de rapazes que entoaria a "Die Auferstehung Ode" (Ode da Ressurreição), com texto do poeta Friedrich Klopstock (famoso este "aquático" Friedrich... desde os tempos do jovem Wolfgang). Como contaria posteriormente ao maestro Anton Seidl: "as palavras "Levanta-te novamente, sim, tu te levantarás novamente", atingiram-me como um raio de luz... e tudo me foi revelado de forma clara", teriam ajudado o autor a ultrapassar a neblina das obsessões com a morte e com a futilidade da vida que lhe dominariam a mente por aquela altura (continuando a persistir, desafortunadamente, noutras...). Três meses depois a obra ficaria concluída com o último andamento, o quinto, contribuindo, para isso, os acontecimentos penosos decorrentes da fatalidade de von Bülow, de alguém que teria expresso uma grande admiração pelo maestro Gustav Mahler (...porventura a visão do pianista estabelecido) e uma opinião extremamente crítica do compositor modernista com o mesmo nome (...seguramente a visão do maestro classicista). É curioso como os ideais que defendemos na vida são, por vezes, contrários àqueles que nos imortalizam na morte...
A obra estrear-se-ia no ano seguinte, a 13 de Dezembro de 1895, em Berlim, sob a direcção do compositor, uma crítica hostil e o acolhimento caloroso do público (...que, no final de contas, é o que conta e interessa). A carreira notável desta obra-prima, porventura a mais famosa do compositor, começara junto às Portas de Brandeburgo.  
Mahler acreditava que uma sinfonia deveria ser como "um mundo", uma composição desenvolvida por várias imagens e experiências, e esse entendimento reflectir-se-ia numa obra com mais de oitenta minutos de duração (na maior parte dos casos, exceptuando-se, por exemplo, as visões de Otto Klemperer) e na utilização de uma orquestra volumosa, à qual se adicionaria um agrupamento de metais e percussão fora de palco (conveniente para os necessários efeitos sonoro-espaciais característicos dum drama entre o céu e a terra... de elementar dedução, meu caro Bülow), para além das vozes humanas, de aparência celestial, sob a forma de coro e duas solistas, utilizados na interpretação dos poemas "Urlicht" e "Die Auferstehung Ode" presentes nos dois andamentos finais.
Esta obra apresentaria, assim, um vasto alcance emocional e uma elevada gama de dinâmicas, o que lhe conferiria um caracter marcante. A primeira entrada do coro é porventura a mais suave de todo o reportório, coro que, no entanto, mostraria todo o seu poder avassalador no final, como pretenderia propositadamente o autor: "Que efeito poderia ter atingido com o coro e o órgão se os tivesse utilizado mais cedo..., mas eu queria guardá-los para o clímax final..." (que é sempre o melhor... com o replicar de sinos à mistura... em adequados movimentos badalares).
O compositor viria ainda a fornecer as notas programáticas para a sinfonia (utilizadas pela primeira vez na estreia de Dresden, a 20 de Dezembro de 1901). O longo primeiro andamento [1] apresentaria quatro elementos, uma música fúnebre ora épica ora destemida, melodias nostálgicas (lembranças de alguns dos seus heróis... Beethoven, Wagner, Bruckner) e um vasto desenvolvimento com momentos de triunfo. Seguir-se-iam dois andamentos mais curtos: uma "memória de um raio de luz, de uma felicidade partilhada à muito esquecida" [2], e as sonoridades burlescas duma versão da canção de Mahler do "Sermão de St. António de Pádua aos peixes" [3], onde à ironia apocalíptica das Igrejas vazias (eventualmente, de Pádua...) se juntariam os fartos peixes (porventura, do Tejo do St. Lisboeta...), bizarramente inconvertidos sob vagas medianamente ondulantes (...que se poderão escutar com a devida atenção e recomendável imaginação). Surgiria depois a canção Urlicht [4] e a expressão da esperança numa voz que guiaria uma alma atormentada até Deus, e o (Julgamento!) final [5], ligado ao primeiro andamento pela emoção e conteúdo temático, numa viagem pelos diversos estados de espírito das almas genuínas [5a-5f], até ao exultante triunfo final [5g] (com a indispensável ajuda dos metais, coro, órgão e sinos, como seria aliás de esperar...) e ao momento em que, nas palavras do compositor: "Tudo soa como se tivesse chegado a nós vindo de outro mundo, e eu acho que ninguém lhe conseguirá resistir. Somos atirados para o chão e depois elevados, sob as asas dos anjos, ao mais alto dos céus"...
... de onde me sorriem e acenam, num murmúrio suave dum "Até já"...
- ..."Até já, avô."    

Nuno Oliveira




"Sinfonia nº 2, em dó menor, "Ressurreição""


✨ Extractos que proponho para audição:
  • Arleen Augér, Jane Baker
  • City of Birmingham Symphony Orchestra & Chorus
  • Simon Rattle
  • EMI, CDS 7 47962 2
"o belo": toda a obra (Inspiração e expiração superlativa... na respiração total da obra
                genial de Mahler por Augér, Baker e Rattle. Registo simplesmente a não perder,
                porventura o melhor que Simon Rattle fez até hoje. Brutal!)com alguns
                destaques a seguir; [youtube]
                [1] - cordas e tutti, aos 0:00-0:55, 2:42-3:39, ... (Depois da angústia inicial, a
                expressão da beleza, recordações das histórias de Beethoven e Wagner e muito
                da vida de Mahler!) [youtube]
                [2] - tutti (Uma dança do divino (Beethoven...) em forma de valsa...[youtube]
                [3] - tutti e metais aos 8:27-9:08 (Algo grotesco? Talvez... Algo macabro?
                Porventura... Genialmente Mahleriano? Sem dúvida! Um triunfo ao som dos
                hinos dos lugares das almas e das histórias de deuses antigos contadas junto
                ao Reno e recordadas lá para os lados de Bayreuth...[youtube]
                [4] - solista (A beleza da luz divina na penumbra duma paz final... pela voz
                celestial de Janet Baker. "O belo" em estado puro![youtube]
                [5a] - tutti (O início da subida e a acústica natural, entre vales e montanhas,
                ecoada a várias altitudes...) [youtube]
                [5b] - tutti (A contemplação dum passado-presente-futuro visto de cima...[youtube] 
                [5c] - tutti (A confiança numa nova etapa, com algumas incertezas pelo meio...)
                [youtube] 
                [5d] - tutti (A chegar perto, muito perto de aparentes portões e dum convite para
                entrar...[youtube] 
                [5e] - solistas, coro e tutti (Entrei... (o convite sussurrado em coro... tão apelativo... 
                impossível não aceitar...)[youtube] 
                [5f] - solistas, coro e tutti (Sorri... (aos anjos que cantavam...)[youtube] 
                [5g] - solistas, coro e tutti (Vivi! (um (re-3:51)começo de forma celestial até ao...))
                [youtube]  






  • Barbara Hendricks, Christa Ludwig
  • New York Philharmonic, The Westminster Choir
  • Leonard Bernstein
  • Deutsche Grammophon, 423 395-2 GH2
"o belo": (Um marco da discografia do mestre Bernstein gravado ao vivo em Nova Iorque.
                A tensão sente-se, a expressividade é madura e a sonoridade é encorpada, com
                destaque para o final impressionante. Um registo incontornável, de conforto para
                o inverno.)
                [1] [youtube][youtube][youtube][youtube][youtube],
                [2] [youtube][youtube][youtube][youtube][youtube],
                [3] [youtube], [youtube][youtube],
                [4] [youtube],
                [5] [youtube][youtube][youtube][youtube][youtube][youtube],
                     [youtube][youtube][youtube][youtube][youtube]






  • Felicity Lott, Julia Hamari
  • Oslo Philharmonic Orchestra & Chorus, Latvian State Academic Choir
  • Mariss Jansons
  • Chandos, CHAN 8838/9
"o belo": (Interpretação refinada e maravilhosamente sentida por Mariss Jansons e os
               músicos de Oslo. Vozes intensas e "o belo" Urlicht de cortar a respiração. Bravo!)
               [1-5] [youtube]






  • Benita Valente, Maureen Forrester
  • London Symphony Orchestra & Chorus, BBC Welsh Chorus, outros  
  • Gilbert Kaplan
  • Conifer, 75605 51337 2
"o belo": (Sonoridade detalhada, apelativa e repleta de entusiamo. Um belo exemplo das
                capacidades virtuosísticas de Kaplan. A não perder.)
                [1-5] [allmusic]






  • Elisabeth Schwarzkopf, Hilde Rössl-Majdan ou Heather Harper, Janet Baker
  • Philharmonia Orchestra & Chorus ou Chor und Symphonie-Orchester des Bayerischen Rundfunks
  • Otto Klemperer
  • EMI, 5 67235 2 ou 5 66867 2
"o belo": (Como diria Gustav Mahler após um concerto em Berlim, no ano de 1905,
                a um jovem de 20 anos que dirigira o ensemble fora de palco: "Muito bem!".
                Esse jovem era Otto Klemperer e estes são os seus registos de referência absoluta.)
                Great Recordings of the Century: [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube],
                [4] [youtube], [5a] [youtube], [5b] [youtube], [5c] [youtube], [5d] [youtube],
                [5e] [youtube], [5f] [youtube], [5g] [youtube]
                The Klemperer Legacy: [1-5] [youtube]







  • Heather Harper, Helen Watts
  • London Symphony Orchestra & Chorus
  • Georg Solti
  • Decca, 448 921-2 DF2
"o belo": (Um registo mítico de Solti nos anos 60, com uma LSO em topo de forma
                e porventura o mais "o belo" Urlicht que conheço, na extraordinária voz de
                Helen Watts. A não perder também.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube], [4] [youtube], [5a] [youtube]






  • Melanie Diener, Petra Lang
  • Royal Concertgebouw Orchestra, Prague Philharmonic Choir
  • Riccardo Chailly
  • Decca, 470 283-2 DH
"o belo": (O carácter do mestre italiano e a tradição dos músicos do Concertgebouw,
                num mergulho em Mahler e imersão numa gravação portentosa.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube], [4] [youtube], [5a] [youtube]







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Gustav Mahler [Hamburgo, 1897]



Gustav e Alma na Suíça para um concerto da sua Sinfonia nº 2 [Basileia, 1903]




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..."uma bela ocasião"... que diz muito sobre quem é o meu avô José.


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