quarta-feira, 22 de julho de 2020


35. Rachmaninov: sinfonia nº 2 |

A Sinfonia nº 2 de Sergei Rachmaninov, e a excitação isostática de uma emoção genuína... tão natural como a sua sede de romantismo!






Ao Professor Américo Fernandes, que me ensinou o significado das palavras Música, Dedicação e Compromisso. Noções elementares para o professor, porque se confundiam consigo próprio, desafiantes para o aluno na infância dos anos 80, onde tudo eram estreias: a primeira lição de solfejo, o primeiro instrumento, a primeira farda, a primeira actuação e o consequente primeiro aplauso; o prometido prémio pela boa organização de cada um, ou não tivesse sido explicado que "Aquele que não chega cinco minutos antes da hora marcada não é organizado" (um dos princípios que comanda a minha vida desde então). Não nos chegámos a despedir... Talvez nos voltemos a encontrar (se Deus me der essa sorte).


(E à memória de uma noite no Coliseu de Lisboa, na companhia da 2ª de Rachmaninov, Antonio Pappano e da Orquestra Sinfónica de Londres [em 25-05-2005])






Apesar da instabilidade ocasional devido a alguma falta de bom senso financeiro do seu pai Vasily (que, em determinada proporção, viria a interferir nos seus níveis de confiança na infância), Sergei Rachmaninov (1873-1943) cresceria no ambiente tradicional de uma família da classe média Russa, começando cedo a aprender música e a aplicar o seu elevado talento, pelo que chamaria a atenção do professor de piano Nikolai Zverev, que o viria a admitir na sua classe do Conservatório de Moscovo, tinha Sergei 12 anos de idade.

Zverev tinha sempre três excelentes alunos em permanência, que eram sujeitos a uma disciplina de aprendizagem que se iniciava diariamente às 6:00, pelo que o professor desaprovava qualquer tempo que poderia ser despendido com outra coisa que não fosse a aprendizagem do piano, onde se incluiria, para o caso, a eventual aprendizagem da composição. No entanto, Sergei, na altura já um pianista considerável, dá por si com a crescente obsessão de escrever música em vez de apenas a interpretar, sendo que, encorajado pelo seu professor de harmonia, Anton Arensky, e recomendado por Tchaikovsky, inicia o estudo de contraponto com o famoso pedagogo russo da época, Sergei Taneyev.
A partir daí, Rachmaninov abandona a residência de Zverev e começa a morar com o seu tio Alexander Satin, que para além da residência moscovita, possuiria também uma grande casa de campo em Ivanovka, nas estepes asiáticas (local onde Sergei viria mais tarde a iniciar a composição da sua segunda sinfonia, aos 33 anos).
Rachmaninov lançar-se-ia a seguir numa carreira de pianista e compositor, com as maiores honras atribuídas pelo Conservatório de Moscovo, tendo sido inclusive agraciado com a raramente atribuída Medalha de Ouro da instituição. Com um contracto com a editora Gutheil na mão (ou melhor, no bolso!), publicaria aos 19 anos o seu famoso "Prelúdio em lá # menor" para piano, e aos 20 vê a sua obra de graduação do conservatório, a ópera Aleka, ser produzida pelo Teatro Bolshoi de Moscovo.
A vida do jovem Sergei parecia retirada de um conto de fadas... no entanto, o insucesso da sua primeira sinfonia, em 1897, provocar-lhe-ia uma longa depressão, o receio de compor e a cadeira do doutor Dahl (ver publicação nº 9), até que em 1900 escreve o seu concerto para piano nº 2, exorcizando, desta forma, certos medos interiores, e emergindo, assim, do abismo em que se encontraria por aquela altura.
Seguir-se-ia um período de maior tranquilidade e estabilidade emocional, com o casamento com a sua prima Natalia Satina (...a partilha residencial pode dar nestas coisas, como se sabe...), os filhos e a fama, não só como pianista e compositor, mas também como maestro. Em Novembro de 1906, o compositor muda-se com a família para Dresden no sentido de se distanciar da pressão politica e social russa, e, desta forma, devotar todo o tempo disponível à composição. E seria assim, que um perfeito desconhecido de Dresden, chamado Sergei Rachmaninov, completaria, nessa cidade, a sua segunda sinfonia em Abril de 1907 (tentativa distanciada cinco anos da anterior, a primeira de má memória e efeito evidentemente evitável), decorrente de uma prévia formulação das ideias musicais que teriam sido, porventura, inspiradas pelos ares do Verão de 1906, sentidos em Ivanovka, e pelo nascimento da sua segunda filha nesse mesmo local (pelos vistos extremamente fecundo...), em Agosto desse mesmo ano.
A vida musical na Dresden do inicio do séc. XX, era dominada pela Ópera Semper e pelas actividades do maestro Ernst von Schuch, um corajoso defensor de Richard Strauss (teria, aliás, estreado a sua opera Salomé em 1905), bem como pelos concertos da orquestra da Staatskappelle, que promoviam a música de jovens compositores como Max Reger. Esse facto e a realidade da oferta cultural de São Petersburgo e Viena (da pré-1º Guerra Mundial), acessíveis através de uma viagem de comboio onde as únicas barreiras de impedimento seriam as económicas, fariam com que a obra se estreasse em São Petersburgo a 26 de Janeiro de 1908, com a direcção do autor, e uma semana depois em Moscovo, cidade onde viria a vencer o Prémio Glinka (...e o preferencialmente desejado Prize Money de 1000 rublos, admito eu), batendo a obra que Scriabin teria levado a concurso: o seu vanguardista "Poema do Êxtase", que seria relegado para o segundo lugar (ou o primeiro dos últimos, como diriam alguns fervorosos de Rachmaninov, onde eu próprio, respeitosamente, me tento incluir). A sinfonia viria a ser dedicada a Taneyev e rapidamente publicada, pelo que Rachmaninov a levaria em digressão pela América, onde seria apresentada pela primeira vez pela Orquestra de Filadélfia, e a Inglaterra já em 1910.
Esta maravilhosa obra agremiaria a mestria polifónica (Arensky...), as melodias apelativas (Tchaikovksy...) e a destreza contrapontística (Taneyev...), através de um motivo do "destino" que impõe uma unicidade aos quatro andamentos tradicionais (um Largo sinuoso, um Scherzo enérgico-melódico luxuriante, um Adágio nocturnal no clarinete e um Allegro Vivace vigoroso-lírico-apoteótico), mas de forma mais subtil e nem sempre óbvia, ou como diria o musicólogo inglês John Culshaw: "...move-se através da sinfonia como um fantasma..." (...exuberante mas equilibrado, com as suas intermináveis frases líricas, e por fim optimista, conferindo uma inegável confiança a esta 2ª, semelhante à de uma 5ª... de Tchaikovsky... acrescentariam outros, mais hiperestáticos).
A música de Rachmaninov seria um dos alvos preferenciais da crítica tendenciosa, sendo muitas vezes apelidada de música demonstrativa de lamentos e pena própria, ou como diria Stravinsky com ironia (...vanguardista): "Seis palmos de melancolia Russa!". No entanto, não poderemos esquecer que esta música toca num nervo de cada geração que a encontra. Quando a emoção é genuína isso acontece... já com sentimentalismo será mais difícil (pelo que não deveremos confundir os dois). No fundo, "A música de um compositor deve expressar o país que o viu nascer, as suas histórias amorosas, a sua religião, os livros que o influenciaram, os quadros que gosta. Ela deve ser a soma total das experiências do compositor". Sergei disse-o e Rachmaninov fê-lo! Que mais lhe(s) podemos pedir!?... quando já temos as estrelas...

Nuno Oliveira 




"Sinfonia nº 2, em mi menor, op. 27"


Extractos que proponho para audição:
  • London Symphony Orchestra
  • André Previn
  • EMI, CDM 5 66982 2
"o belo": toda a obra (Música elegíaca, numa interpretação intemporal do mestre Previn e dos
                músicos londrinos, na Primavera de 1973. Vários o tentaram a partir do Verão, mas...
                Um disco que todos deveriam ouvir pelo menos uma vez na vida. Obrigatório para os
                melómanos!), com alguns destaques, identificados a seguir;
                I: tutti e trompas aos 0:00-3:43 (A procura de algo que não se conhece, mas que sem o
                qual não se consegue viver... Se "o belo" não é isto, então não sei o que será!) [youtube]
                II: trompas e tutti aos 0:00-2:02 (A expressão exponenciada do romantismo...) [youtube]
                III: clarinete e tutti aos 0:00-2:40 e 9:50-11:54 (Quando um coração dilacerado é o que
                cada nota tem para dizer no clarinete de Jack Brymer, isso é "o belo"!) [youtube]
                IV: trompas e tutti aos 0:00-0:54, 2:41-5:17 e 12:19-14:00 (... ao que parece, a procura
                acaba (?) aqui... em Hollywood Boulevard...) [youtube]





 
  • Concertgebouw Orchestra
  • Vladimir Ashkenazy
  • Decca, 400 081-2 DH
"o belo": (Paixão volátil e intensidade russa ao extremo, na visão do conterrâneo Ashkenazy,
                acompanhado pela maravilhosa orquestra que é a do Concertgebouw. A não perder.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
  • St Petersburg Philharmonic Orchestra
  • Mariss Jansons
  • EMI, CDC 5 55140 2
"o belo": (Interpretação quente, clímaces poderosos, forte impacto dramático... e as frases
                 fluidas do texto que o saudoso Mariss Jansons quis contar. A não perder também.)
                I [youtube] [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Andrew Litton
  • Virgin, VC 7 90831-2
"o belo": (A persuasão do rubato de Litton, na ternura e nos sentimentos românticos de todos
                os outros. O mais "o belo" (se isso é possível...) solo de clarinete do 3º and.! Delicioso.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]


 


 
  • Orchestre de Paris
  • Semyon Bychkov
  • Philips, 432 101-2 PH
"o belo": (Extraordinário registo, repleto de tensão e romantismo. Cor e sensibilidade
                dos músicos parisienses em destaque, a compreensão e os detalhes eslavos do
                mestre Bychkov a descobrir. Uma escolha de eleição.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



 


  • Russian National Orchestra
  • Mikhail Pletnev
  • Deutsche Grammophon, 439 888-2 GH
"o belo": (Doses bem calculadas de luz e controlo, numa interpretação fresca e clarividente
                do mestre Pletnev com a sua magnífica orquestra russa.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]


               



  • Kirov Orchestra, St Petersburg
  • Valery Gergiev
  • Philips, 438 864-2 PH
"o belo": (Uma visão mais directa da obra, onde o lirismo e a coerência se destacam.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





  
   
Outras sugestões:
  • Mariss Jansons/Philharmonia Orchestra/Chandos, CHAN 8520 (Som sumptuoso e Mariss Jansons.), I-IV [Spotify], I-IV [music.apple]



 
  • Tadaaki Otaka/BBC Welsh Symphony Orchestra/Nimbus, NI 5322 (Interpretação distinta do mestre japonês e da orquestra galesa.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



 
  • Simon Rattle/Los Angeles Philharmonic Orchestra/EMI, CDC 7 47062 2 (Uma visão nobre e paciente, com uma certa sedução no som distante.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




  • André Previn/Royal Philharmonic Orchestra/Telarc, CD-80113 (Uma boa tentativa, mas era difícil chegar lá como daquela vez...), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






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Sergei Rachmaninov [Londres, 1907]




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O Sr. Américo Fernandes: acima e destacado.

 



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