O concerto para violoncelo de Antonín Dvorák e a serenata (para a) prometida, que um amigo tocou sob as estrelas da Boémia.
Para o meu filhote João, que quando nos perguntámos: "...que concerto p/ violoncelo?", respondemos em uníssono: "O de Dvorák!" (...respostas que me pareceram adequadas na altura, ou não fosse o João filho de quem é: um descendente de familiares possuidores de algum temperamento eslavo... por parte da mãe 😊).
(E à lembrança da Prova de Aptidão Artística do 8º Grau de Violoncelo, na Escola de Música do Conservatório Nacional, que realizaste na passada 6ª Feira. A tua família sentiu-te naquele Bach, Shostakovich, Casals e Ginastera... os teus professores também (ou não fosse a música "uma coisa muito linda!") [24-7-2020])
[Também para ti, Abel Pereira, o avô que não conheci, neste Domingo do aniversário de má memória para todos aqueles que te amam.]
O compositor checo Antonin Dvorák (1841-1904) nasceria a 8 de Setembro de 1841, em Nelahozeves, na Boémia, e cedo mostraria interesse na música que abundava entre as paredes do negócio da família. O pai, Frantisek, o estalajadeiro/açougueiro da aldeia (... e músico amador), não aprovava o sonho de Antonín se tornar um músico de profissão, desejando por sua vez que o rebento desse continuidade ao negócio, atrás do balcão, contrariamente ao desejo do menino na profissionalização de actividades, atrás do pano. Ainda assim, Antonín iniciaria os seus estudos de música aos seis anos, na escola da aldeia, prosseguindo mais tarde em Praga (já com alguma aceitação parental...), cidade onde se tornaria num brilhante executante de violino, viola e órgão, sempre que a ocasião o exigisse e a procura do sustento o levasse.
E fôra essa mesma procura que o levaria a ocupar um lugar de professor no Conservatório de Música de Praga, e, mais tarde, o cargo de Director do Conservatório Nacional de Música de Nova Iorque durante três anos, entre 1892-1895, cidade Norte Americana onde escreveria o seu famoso concerto para violoncelo, a única obra que escreveria em 1895 e uma das sete que viria a compor naquele país.
O impulso que o levaria a escrever o concerto, teria sido provocado após a audição do amigo Victor Herbert na interpretação do seu próprio concerto para violoncelo nº 2, repleto de texturas fascinantes, num concerto dado em Brooklyn pela Filarmónica de Nova Iorque, em Março de 1894.
Antes dessa ocasião Dvorák consideraria o violoncelo como um instrumento de câmara ou puramente orquestral, e embora apreciasse o vasto e lírico registo médio, teria reservas para com as características nasaladas do registo agudo e a contrastante soturnidade das notas mais graves. Na realidade, e segundo as suas próprias palavras, ninguém mais do que ele se sentira mais surpreso quando se viu a iniciar o rascunho de um concerto para violoncelo, em Novembro desse ano. Por outro lado, o contributo da sua amizade com o violoncelista do Quarteto da Boémia (do qual também fazia parte), Hanus Wihan, um excelente músico que lhe teria já sugerido a composição dum concerto para o instrumento, fará, também, com que Dvorák complete o primeiro rascunho da obra a 9 de Fevereiro de 1895, auxiliado por Wihan na estruturação da parte solística.
A orquestra seria maior do que aquela que Dvorák teria usado nos seus anteriores concertos para violino e para piano, com três trombones (à semelhança do que teria notado no concerto de Herbert) e uma tuba, dando, desta forma, uma riqueza sem precedentes e profundidade de texturas no suporte e envolvência do violoncelo (facilmente reconhecível no acompanhamento do idílico andamento lento).
A obra dividir-se-ia nos tradicionais três andamentos. Um primeiro de melodias quentes, no clarinete e fagote ao início, depois na trompa, antes de passar para o violoncelo num registo mais agudo (...e supostamente mais nasalado).
No segundo andamento, identificamos alguns efeitos inspirados no andamento lento do concerto para violino de Brahms (seu amigo e defensor, a que se juntaria, por "simpatia", a amizade e protecção do crítico Eduard Hanslick, o que muito o beneficiaria... idêntica fortuna não terão tido outros, de características mais Wagnerobrucknerianas...), e uma mudança de humor que seguramente teria sido o reflexo da notícia da doença grave (...um coração frágil) de Josefina Cermáková, uma actriz de quem estivera anteriormente apaixonado, quando esta tinha 16 anos de idade, por altura das aulas de piano que lhe teria ministrado. Apesar da paixão e devoção demonstrados no ciclo de canções, "Ciprestes", que lhe terá oferecido, a rejeição de Josefina levaria o desconsolado Antonín a olhar para o lado, sendo, neste caso, o lado mais próximo o de Anna, a irmã mais nova de Josefina, com quem viria a casar (...fecha-se uma porta, abre-se uma janela...). Na realidade, o tema do violoncelo deste andamento, seria uma versão de uma dessas canções, aquela com o nome: "Deixa-me sozinho"...
O terceiro andamento começaria com uma introdução na trompa e nas madeiras, de preparação para o tema principal no violoncelo. Este andamento desenvolver-se-ia de forma muito original, até que surge o final, com o retorno a casa pelas notícias da morte de Josefina, em Maio de 1895, ao som da sua canção (... como uma memória à sua memória), até á finalização do concerto de forma concludente e confiante.
É conhecida a famosa reacção de Brahms, que depois de ter ouvido o concerto, teria comentado, irritado, que se tivesse percebido o que poderia ser feito com o registo médio do instrumento, teria, ele próprio, escrito um concerto para violoncelo também. Brahms não se apercebeu e a humanidade perdeu.
O concerto viria a estrear em Londres, a 19 de Março de 1896, pela Sociedade Filarmónica Real, direcção do compositor e com o violoncelista britânico Leo Stern, como solista. Na realidade, passariam três anos até que o dedicatário Wihan interpretasse o concerto, uma birra que terá durado todo esse tempo devido à recusa de Dvorák em acolher a cadência de 59 compassos de fogo de artifício técnico, bem como a quantidade considerável de outras modificações que Wihan desejaria introduzir, o que esbarraria, desta forma, com a música para Josefina, uma intromissão que não poderia ser permitida (... porque se dois era bom, três seria demais). A birra seria finalmente ultrapassada e a velha amizade entre os dois voltaria a ser o que era, contribuindo, para isso, a lembrança da tournée pelas 39 cidades da Morávia e da Boémia que teriam feito com o violinista Ferdinand Lachner, antes de Dvorák viajar para a América, interpretando o célebre "Rondó para o Professor Wihan" que Dvorák teria escrito em homenagem ao amigo, ou o arranjo de oito das suas "Danças Eslavas" para piano e violoncelo, ou aos "Bosques Silenciosos" para piano e violoncelo, a 5ª peça do ciclo de duetos "Das Florestas da Boémia", ou...
Todos esses "ous" fariam com que Hanus caísse, primeiro em si, e depois nos braços fraternos do amigo Antonín. No coração frágil de Josefina, o contrário é que não poderia ser...
"Concerto p/ violoncelo, em si menor, op. 104"
✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 53 e 89)
I - violoncelo, tutti, (Intensidade, lirismo e um som glorioso dos músicos de Berlim, a
acompanhar um Rostropovich e um von Karajan insuperáveis!) [youtube]
II - violoncelo, tutti (Lembranças idílicas de uma canção chamada Josefina...) [youtube]
III - violoncelo, tutti (No final, a memória de uma canção... para toda a vida.) [youtube]
Masur- I [youtube], II [youtube], III [youtube]
Maazel- I [youtube], II [youtube], III [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
✰ Outras sugestões:
Para o meu filhote João, que quando nos perguntámos: "...que concerto p/ violoncelo?", respondemos em uníssono: "O de Dvorák!" (...respostas que me pareceram adequadas na altura, ou não fosse o João filho de quem é: um descendente de familiares possuidores de algum temperamento eslavo... por parte da mãe 😊).
(E à lembrança da Prova de Aptidão Artística do 8º Grau de Violoncelo, na Escola de Música do Conservatório Nacional, que realizaste na passada 6ª Feira. A tua família sentiu-te naquele Bach, Shostakovich, Casals e Ginastera... os teus professores também (ou não fosse a música "uma coisa muito linda!") [24-7-2020])
[Também para ti, Abel Pereira, o avô que não conheci, neste Domingo do aniversário de má memória para todos aqueles que te amam.]
O compositor checo Antonin Dvorák (1841-1904) nasceria a 8 de Setembro de 1841, em Nelahozeves, na Boémia, e cedo mostraria interesse na música que abundava entre as paredes do negócio da família. O pai, Frantisek, o estalajadeiro/açougueiro da aldeia (... e músico amador), não aprovava o sonho de Antonín se tornar um músico de profissão, desejando por sua vez que o rebento desse continuidade ao negócio, atrás do balcão, contrariamente ao desejo do menino na profissionalização de actividades, atrás do pano. Ainda assim, Antonín iniciaria os seus estudos de música aos seis anos, na escola da aldeia, prosseguindo mais tarde em Praga (já com alguma aceitação parental...), cidade onde se tornaria num brilhante executante de violino, viola e órgão, sempre que a ocasião o exigisse e a procura do sustento o levasse.
E fôra essa mesma procura que o levaria a ocupar um lugar de professor no Conservatório de Música de Praga, e, mais tarde, o cargo de Director do Conservatório Nacional de Música de Nova Iorque durante três anos, entre 1892-1895, cidade Norte Americana onde escreveria o seu famoso concerto para violoncelo, a única obra que escreveria em 1895 e uma das sete que viria a compor naquele país.
O impulso que o levaria a escrever o concerto, teria sido provocado após a audição do amigo Victor Herbert na interpretação do seu próprio concerto para violoncelo nº 2, repleto de texturas fascinantes, num concerto dado em Brooklyn pela Filarmónica de Nova Iorque, em Março de 1894.
Antes dessa ocasião Dvorák consideraria o violoncelo como um instrumento de câmara ou puramente orquestral, e embora apreciasse o vasto e lírico registo médio, teria reservas para com as características nasaladas do registo agudo e a contrastante soturnidade das notas mais graves. Na realidade, e segundo as suas próprias palavras, ninguém mais do que ele se sentira mais surpreso quando se viu a iniciar o rascunho de um concerto para violoncelo, em Novembro desse ano. Por outro lado, o contributo da sua amizade com o violoncelista do Quarteto da Boémia (do qual também fazia parte), Hanus Wihan, um excelente músico que lhe teria já sugerido a composição dum concerto para o instrumento, fará, também, com que Dvorák complete o primeiro rascunho da obra a 9 de Fevereiro de 1895, auxiliado por Wihan na estruturação da parte solística.
A orquestra seria maior do que aquela que Dvorák teria usado nos seus anteriores concertos para violino e para piano, com três trombones (à semelhança do que teria notado no concerto de Herbert) e uma tuba, dando, desta forma, uma riqueza sem precedentes e profundidade de texturas no suporte e envolvência do violoncelo (facilmente reconhecível no acompanhamento do idílico andamento lento).
A obra dividir-se-ia nos tradicionais três andamentos. Um primeiro de melodias quentes, no clarinete e fagote ao início, depois na trompa, antes de passar para o violoncelo num registo mais agudo (...e supostamente mais nasalado).
No segundo andamento, identificamos alguns efeitos inspirados no andamento lento do concerto para violino de Brahms (seu amigo e defensor, a que se juntaria, por "simpatia", a amizade e protecção do crítico Eduard Hanslick, o que muito o beneficiaria... idêntica fortuna não terão tido outros, de características mais Wagnerobrucknerianas...), e uma mudança de humor que seguramente teria sido o reflexo da notícia da doença grave (...um coração frágil) de Josefina Cermáková, uma actriz de quem estivera anteriormente apaixonado, quando esta tinha 16 anos de idade, por altura das aulas de piano que lhe teria ministrado. Apesar da paixão e devoção demonstrados no ciclo de canções, "Ciprestes", que lhe terá oferecido, a rejeição de Josefina levaria o desconsolado Antonín a olhar para o lado, sendo, neste caso, o lado mais próximo o de Anna, a irmã mais nova de Josefina, com quem viria a casar (...fecha-se uma porta, abre-se uma janela...). Na realidade, o tema do violoncelo deste andamento, seria uma versão de uma dessas canções, aquela com o nome: "Deixa-me sozinho"...
O terceiro andamento começaria com uma introdução na trompa e nas madeiras, de preparação para o tema principal no violoncelo. Este andamento desenvolver-se-ia de forma muito original, até que surge o final, com o retorno a casa pelas notícias da morte de Josefina, em Maio de 1895, ao som da sua canção (... como uma memória à sua memória), até á finalização do concerto de forma concludente e confiante.
É conhecida a famosa reacção de Brahms, que depois de ter ouvido o concerto, teria comentado, irritado, que se tivesse percebido o que poderia ser feito com o registo médio do instrumento, teria, ele próprio, escrito um concerto para violoncelo também. Brahms não se apercebeu e a humanidade perdeu.
O concerto viria a estrear em Londres, a 19 de Março de 1896, pela Sociedade Filarmónica Real, direcção do compositor e com o violoncelista britânico Leo Stern, como solista. Na realidade, passariam três anos até que o dedicatário Wihan interpretasse o concerto, uma birra que terá durado todo esse tempo devido à recusa de Dvorák em acolher a cadência de 59 compassos de fogo de artifício técnico, bem como a quantidade considerável de outras modificações que Wihan desejaria introduzir, o que esbarraria, desta forma, com a música para Josefina, uma intromissão que não poderia ser permitida (... porque se dois era bom, três seria demais). A birra seria finalmente ultrapassada e a velha amizade entre os dois voltaria a ser o que era, contribuindo, para isso, a lembrança da tournée pelas 39 cidades da Morávia e da Boémia que teriam feito com o violinista Ferdinand Lachner, antes de Dvorák viajar para a América, interpretando o célebre "Rondó para o Professor Wihan" que Dvorák teria escrito em homenagem ao amigo, ou o arranjo de oito das suas "Danças Eslavas" para piano e violoncelo, ou aos "Bosques Silenciosos" para piano e violoncelo, a 5ª peça do ciclo de duetos "Das Florestas da Boémia", ou...
Todos esses "ous" fariam com que Hanus caísse, primeiro em si, e depois nos braços fraternos do amigo Antonín. No coração frágil de Josefina, o contrário é que não poderia ser...
Nuno Oliveira
"Concerto p/ violoncelo, em si menor, op. 104"
✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 53 e 89)
- Mstislav Rostropovich
- Berliner Philharmoniker
- Herbert von Karajan
- Deutsche Grammophon, 447 413-2 GOR
I - violoncelo, tutti, (Intensidade, lirismo e um som glorioso dos músicos de Berlim, a
acompanhar um Rostropovich e um von Karajan insuperáveis!) [youtube]
II - violoncelo, tutti (Lembranças idílicas de uma canção chamada Josefina...) [youtube]
III - violoncelo, tutti (No final, a memória de uma canção... para toda a vida.) [youtube]
- Yo-Yo Ma
- New York Philharmonic ou Berliner Philharmoniker
- Kurt Masur ou Lorin Maazel
- Sony, SK 67173 ou SK 42206
Masur- I [youtube], II [youtube], III [youtube]
Maazel- I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Heinrich Schiff
- Wiener Philharmoniker
- André Previn
- Philips, 434 914-2 PH
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Raphael Wallfisch
- London Symphony Orchestra
- Charles Mackerras
- Chandos, CHAN 8662
I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Gregor Piatigorsky/Charles Munch/Boston Symphony Orchestra/RCA, 09026 61498 2, (O legado que Piatigorsky nos deixou em 1960, nos primórdios do stereo...), I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Jacqueline du Pré/Daniel Barenboim/Chicago Symphony Orchestra/EMI, CDC 5 55527 2, (... e a visão inspirada de du Pré, dez anos depois, em 1970...), I [youtube], II [youtube], III [youtube]
- Truls Mork/Mariss Jansons/Oslo Philharmonic Orchestra/Virgin, VC 7 59325 2, (... até à interpretação enérgica de Mork, já nos anos 90.), I [youtube], II [youtube], III [youtube]
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Parabéns para ti João!!!
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