domingo, 14 de junho de 2020


32. Mozart: concerto p/ clarinete |

O Concerto para Clarinete... da "Paixão" de Wolfgang Amadeus Mozart.






Para todos aqueles que trabalham com dedicação e humildade, enfrentam as frustrações com coragem e não desistem nas adversidades. Acredito que só assim poderão chegar lá... ao "belo"... à felicidade.






A Paixão! de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) pelo clarinete, foi o que romanticamente se conotaria de: "à primeira vista", ou melhor ainda, e neste caso em particular: "à primeira audição".
Wolfgang contactaria com o clarinete pela primeira vez em 1779, em Milão, pelo que, como resultado da idílica aproximação (espectável, ou não se tratasse do impulsivo Wolfgang), começa a escrever de imediato para o instrumento sempre que este se encontrava disponível (e de forma suprema, como podemos confirmar pelas serenatas para sopros, sinfonias, concertos e óperas dos tempos de Viena, local onde o clarinete não escasseava ou não estivéssemos na "capital" cultural da época, o que não poderia ser afirmado de igual modo para a  mais "periférica" Salzburgo... num exemplo, eternamente repetido, de desequilíbrio na distribuição de recursos: dez clarinetes por um lado e nenhum pelo outro...), e a ansiar pela sua presença, quando isso não se verificava (...tal era o amor por aquelas sonoridades melosas, suponho eu).
Mozart escreveria o seu concerto para clarinete apenas umas semanas antes de falecer, em Dezembro de 1791, pelo que esta seria a última obra instrumental que nos deixaria (Paixão?), sendo conhecido o que escreveria a 7 de Outubro desse ano (após retornar de Praga, onde teria dirigido as récitas iniciais da sua ópera "La Clemenza di Tito"), à sua esposa Constanze, naquela época a banhos mentalmente restauradores de eventuais impactos Sussmayrianos, em Baden [ver publicação nº 29], informando-a de que já teria orquestrado o "Rondo de Stadler", correspondente ao andamento final do concerto (registaria também uma entrada no seu catálogo, com a designação: "Concerto para clarinete, para o sr. Stadler mais velho", mas, no entanto, sem referir a data). 
Este concerto para "clarinete di bassetto" teria sido escrito para Anton Stadler, um maçon à semelhança de Mozart e um clarinetista da Corte Imperial de Viena, que possuía, para além de uma técnica fenomenal aliada a uma musicalidade expressiva, uma apreciável curiosidade sobre o design e a própria construção do instrumento, irmão de Johann Stadler, também clarinetista e igualmente maçon, do qual teria ficado amigo após um concerto que teriam feito juntos, em 1784, e cuja admiração o levaria anteriormente a escrever algumas obras para este instrumento, nomeadamente: o trio com viola e piano, o quinteto com cordas e os "obbligatos" (... de nada Wolfgang, a humanidade é que te agradece!) da ópera "La Clemenza di Tito".
A ideia original para a criação deste concerto remonta provavelmente a 1787, quando Mozart teria começado a escrever um "Allegro em sol maior", para "corno di bassetto" (um antepassado da família do clarinete, para que fique claro... nomeadamente para aqueles que terão conhecimento da localidade homónima próximo de Florença, Bassetto) e orquestra. Nessa altura escreveria os primeiros 199 compassos (que viriam a fazer parte do primeiro andamento do concerto para clarinete, e que ainda hoje existem na versão original que poderá ser encontrada no Rychenberg Stiltung de Winterthur, na Suíça), que só voltaria a continuar quatro anos depois, em 1791, mas mudando não só a tonalidade para lá maior, como também o objecto da inspiração inventiva, que neste caso passaria a ser o "clarinete di bassetto", um instrumento recentemente inventado pelo "amigo" Anton (na realidade teria sido idealizado por este, mas a sua construção teria sido responsabilidade de Theodor Lotz, o constructor de instrumentos da corte... e também maçon, OK!?... Na verdade, a atribuição exclusiva da génese do instrumento a si próprio, denotando uma evidente falta de escrúpulos, deixaria já algumas suspeitas do carácter, ou da falta dele, de Anton Stadler...), que na procura porventura de sonoridades aprofundadas (ajustadas, eventualmente, a determinados estados de espírito mais subterrâneos...), "agravaria" o registo do habitual clarinete em lá, com as quatro notas suplementares, correspondentes aos centímetros acrescidos na extremidade inferior do instrumento musical, que, aliás, viriam a ser utilizadas de forma regular e por mais de trinta vezes neste concerto...
...Pelo menos é o que se pensa, visto que a versão do concerto para "clarinete di bassetto" se perderia no tempo, e com ela as certezas das reais intenções do compositor, o que é de lamentar.
Ao que parece, Mozart teria enviado uma cópia da partitura para Stadler, que ainda se encontraria em Praga a tocar os excertos da "La Clemenza di Tito" (um maravilhoso, e seguramente proveitoso, exclusivo musical, portanto, fruto de uma também exclusiva instrumentação... tudo bem pensado pelo "amigo" Anton), para o concerto de estreia da obra, que viria a acontecer nessa cidade a 16 de Outubro de 1791. No entanto, e segundo Stadler, a partitura dessa noite ter-lhe-ia sido roubada, juntamente com os restantes artefactos musicais guardados numa arca que possuiria para o efeito... Já a viúva de Mozart, Constanze, suspeitaria sempre que Stadler a teria penhorado, o que não seria de estranhar, no sentido em que, para além de exímio clarinetista, este apresentaria uma outra característica diferenciadora dos demais: enquanto Wolfgang morria enterrado em dívidas, Anton dever-lhe-ia dinheiro (o que se tornaria particularmente fatal, face à realidade Mozartiana da época).
Quanto à versão original, esta seria vendida por Constanze ao editor Johann André, em 1799, que rapidamente tomaria a decisão de adaptar a obra para o clarinete convencional (supostamente a versão exótica teria passado de moda), ajustando as passagens mais graves. Viria a publicar esta versão em 1801, mas "perdendo", entretanto, a versão original pelos caminhos frequentemente sinuosos das histórias da música.
Escrita numa orquestração sui generis (...Mozart substituiria os oboés pelas flautas, para que não restassem dúvidas de que o protagonista principal seria o clarinete), este concerto viria a tornar-se na obra mais famosa para este instrumento. No início, uma canção de frases fluidas que parecem derreter-se umas nas outras, seguindo-se a (quem sabe, mais) maravilhosa melodia outonal, repleta de lirismo e riqueza tímbrica, para acabar numa dança da destreza do solista... brincadeiras pirotécnicas num céu estrelado, de um Wolfgang a observar-nos ainda mais acima...

Nuno Oliveira




"Concerto p/ clarinete, em lá maior, K622"


Extractos que proponho para audição:
  • Jack Brymer
  • Academy of St. Martin in the Fields
  • Neville Marriner
  • Philips, 416 483-2 PH
"o belo": toda a obra (O equilíbrio entre elegância, desejo e tragédia, na gravação de
                referência de Brymer, um conhecedor da obra como ninguém!)
                I - clarinete, tutti, (Som imaculado e jovialidade... outonal!) [youtube]
                II - clarinete, tutti (Som imaculado e melancolia... nocturna!) [youtube]
                III - clarinete, tutti (Som imaculado e exaltação... optimista!) [youtube]






  • Thea King
  • English Chamber Orchestra
  • Jeffrey Tate
  • Hyperion, CDA66199
"o belo": (A professora Thea, um clarinete di bassetto da casa Selmer de Paris e uma
               interpretação inteligente, de excelência e referência.)
               I-III [allmusic], I-III [iTunes]






  • Richard Stoltzman
  • English Chamber Orchestra
  • Richard Stoltzman ou Alexander Schneider
  • RCA, RD60723 ou 60379-2-RG
"o belo": (Extraordinários registos, repletos de espontaneidade e contrastes, pelo
                músico de excelência que é Stoltzma.!)
                Dirigido por Stoltzman, em 1990: I [youtube], II [youtube], III [youtube]
                Dirigido por Schneider em, 1980: I [youtube], II [youtube], III [youtube]






               
            



 



  • Sabine Meyer
  • Staatskapelle Dresden
  • Hans Vonk
  • EMI, CDC 5 56230 2
"o belo": (Destaque para a variedade e beleza tímbrica do clarinete di bassetto de
                Meyer e a sumptuosidade sonora da orquestra alemã. Um registo repleto de
                individualidade a não perder.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Michael Collins
  • Russian National Orchestra
  • Mikhail Pletnev
  • Deutsche Grammophon, 457 652-2 GH
"o belo": (O "aluno" Michael, um clarinete di bassetto da casa Buffet-Crampon de Paris e 
                uma visão detalhada, de timbres ricos e velocidades elevadas... do tipo rasgadinho.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]





  • Emma Johnson
  • English Chamber Orchestra
  • Raymond Leppard
  • ASV, CD DCA 532
"o belo": (O habitual magnetismo de Emma Johnson numa fenomenal interpretação.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]





  • Alfred Prinz
  • Wiener Philharmoniker
  • Karl Bohm
  • Deutsche Grammophon, 429 816-2 10 GMM
"o belo": (Uma interpretação memorável do mestre Prinz, numa Viena de 1973.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]




   

   
Outras sugestões:



  • Steffens/Davis/Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks/RCA, 09026 62531 2, II [youtube], III [youtube]




  • Malsbury/Glover/London Mozart Players/ASV, CD DCA 795, II [youtube]




  • Goodman/Munch/Boston Symphony Orchestra/RCA, 09026-68804-2, I-III [youtube]




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"As últimas horas de Mozart" [Henry Nelson O'Neil, 1860]




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O André com a classe de violino do Conservatório de Música de Seia [CMC, Seia, 09-07-2017]



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