quarta-feira, 24 de junho de 2020


33. Mussorgsky: Quadros de uma Exposição, Uma noite no Monte Calvo |

Uns Quadros de uma Exposição pelo olhar de Modest Mussorgsky e outras considerações sobre as naturezas vivas e mortas... que sobrevoam o Monte Trigiav.






Para o Ricardo, o Tito e o Bruno, que com o seu talento e correspondente Carisma, me inspiraram a ouvir estas obras imortais e me motivaram a querer escrever sobre isso (sem pretensões de maior, diga-se, apenas pelo simples prazer de usufruir um pouco do que a vida tem para oferecer: esta coisa chamada arte).

(E também para alguém que aprecia um Vinha do Russo, o tinto da altitude e encostas atlânticas dum suposto Monte Calvo...)






O com_o_it_r ru_so Mod_st Mus_org_ky (é de propósito... para ver se me ambiento à psique do artista, que incompletava tudo o que escrevia... também me lembrei de outra coisa, mas como ainda não jantei...), ficaria conhecido por fazer parte do "Grupo dos Cinco" compositores daquele país, que juntamente com Balakirev; seu roomie e confidente durante alguns anos, Cui, Borodin e Rimsky-Korsakov; que apreciava verdadeiramente a sua genialidade e um dos seus maiores defensores (pelo que viria a completar, de forma desprendida, algumas das obras que o autor deixaria por terminar), promoviam a música inspirada nos ideais nacionalistas do folclore popular russo, por oposição àquela que um supostamente "ocidentalizado" Tchaikovsky, escrevia. Modest viria a ser, de facto, um músico-funcionário publico diletante, por muitos considerado o "mais Russo" de todos os compositores (russos...), tendo as suas ideias originais e inovadoras, influenciado sucessivas gerações de compositores, desde a sua época até aos nossos dias (...ou o não continuássemos a escutar em Junho de 2020).
Mussorgsky nasce em Karevo, no distrito de Pskov, a 21 de Março de 1839, o filho mais novo de um caseiro, que cuidava das propriedades de um Senhor latifundiário, e de uma camponesa, que, por saber tocar piano, viria a ser a sua primeira professora de música, porventura competentíssima, ou não tivesse o menino Modest apresentado em público variadas peças curtas de Franz Liszt... aos sete anos de idade.
Viria a estudar de forma privada, com um dos alunos do pianista virtuoso alemão, Henseld, entre 1849 e 1854, contudo sem ter aprofundado as noções de harmonia ou composição, o que não o impediria de no primeiro ano de frequência da escola de cadetes da Guarda de São Petersburgo, em 1852, compor uma polca dedicada aos seus colegas (que seria mais tarde publicada com a ajuda dos pais), levando o maestro do coro da escola a encorajá-lo para o estudo da música dos compositores russos, interesse patriótico que viria a ser fortalecido numa visita que faria a Moscovo, em 1859.
Em 1854 inicia o treino para oficial do Exército Russo, entrando de seguida no Regimento da Guarda Russa de Preobrazhensky, posto que abandonaria em 1861.
Depressivo por natureza, como o demonstrariam as crises nervosas de 1858 e de 1860, a morte da mãe, em 1865, levá-lo-ia ao conforto do álcool e ao desconforto das inúmeras partituras por acabar, sendo essa a razão para que muitas das suas obras fossem orquestradas e concluídas por outros. A sua irritabilidade nervosa afectaria a relação com os seus amigos mais chegados (cinco e, seguramente, mais alguns...), principalmente com Balakirev, que após o falhanço de Mussorgsky na conclusão da sinfonia em ré maior (iniciada em 1861...), chegaria a concordar com as considerações que Vladimir Stasov, um critico influente à época (pois quem mais haveria de ser...), tornara públicas: que Mussorgsky seria "quase um idiota". Uma maldade de um inimigo ou um desabafo de um amigo? Ambas as atitudes: absurdas quando aplicadas a um espírito frágil e doente, o que infelizmente era o caso.
Em 1861 chegaria a revolta da Libertação dos Servos, e, com ela, as dificuldades económicas dos Mussorgsky, o que levaria Modest a viver na casa de campo da família até 1863, ano em que é admitido como funcionário público em São Petersburgo (cargo do qual seria temporariamente afastado, entretanto, devido a cortes no seu departamento... numa espécie de Lay-Off do séc. XIX, um facto porventura tão necessário quanto causador de alguma tristeza e proporcional insegurança, até nos mais fortes).
No entanto, os êxitos alcançados em 1874, pela ópera Boris Godunov (escrita em 1869) e pela suite para piano, Quadros de uma Exposição (composta em Julho desse ano), trariam alguma luz a uma vivência acinzentada, levando, contudo, o Modest(o) Mussorgsky a comportar-se de forma mais imodesta, tal seria o elevado nível de autoestima... acompanhado, desgraçadamente, do acessório teor alcoólico que viria a tomar totalmente conta de si a partir de 1878. Com a ajuda de Stasov (Amigo? Talvez.), ainda viria a mudar de departamento governamental onde trabalhava, na esperança de que isso pudesse ajudá-lo a recuperar da sua dependência, mudança essa que não traria um efeito positivo, pelo que, em 1880, Mussorgsky seria finalmente forçado a abandonar o serviço público de vez.
A partir daí, passaria a viver com a pensão de 180 rublos que lhe seria oferecida por um grupo de amigos (cinco e, seguramente, mais alguns... outra vez), no compromisso de que finalizasse as suas operas Khovanshchina (iniciada em 1872...) e A Feira de Sorochintsy (inspirada no texto de Nikolai Gogol, e iniciada em 1874...), que, contudo, permaneceriam inacabadas ao momento da sua morte, o que aconteceria a 28 de Março de 1881, testemunhada pelas paredes do Hospital Militar de São Petersburgo e alguns amigos (cinco e, seguramente, mais alguns... no fim).

Os Quadros de uma Exposição, terão sido inspirados na exibição organizada por Stasov (Amigo? Já creio que sim.) em Moscovo, à memória do seu amigo, o pintor e arquitecto Viktor Hartmann (que teria falecido em 1873, aos 39 anos), com cerca de quatrocentas das suas aguarelas, desenhos arquitectónicos e cenários. O resultado seria uma extraordinária recriação musical das imagens que o compositor observaria ao percorrer a exposição (num estado de aparente concentração naquilo que via, uma realidade pouco comum no Mussorgsky daquela época). A obra dividir-se-ia em quinze partes (as etapas do percurso... algumas de montanha, como a Bydlo [7], uma carruagem de origem polaca, com rodas enormes, puxada por bois numa pedalada pesada), ouvindo-se, algumas vezes, o tema do passeio entre as obras (Promenade [1] [3] [5] [8]), seguindo-se a contemplação musical de cada uma delas, como se de um passeio 3D Virtual do nosso tempo se tratasse, acrescentado do upgrade futurista... do som. Entre outros, Mussorgsky escreveria sobre cenas do dia-a-dia, como as brincadeiras das crianças no jardim idílico das Tuileries parisienses (Tuileries [6]), ou as discussões acesas no mercado francês de Limoges (Limoges, le marché [11]), passando pelas imagens simbólicas de um trovador num castelo toscano (Il vecchio castello [4]) e do diálogo com a morte numa descida às catacumbas de Paris (Catacombae [12]), até à tradição dos temas populares russos, através duma imaginária porta de Kiev por onde o Czar Alexandre II escapara ao assassinato (La Grande Porte de Kiev [15]). A obra ficaria completa com a corrida atrapalhada de um brinquedo com pequenas pernas de pau (Gnomus [2]), o bailado criado por Petipa e dançado pelas crianças da Escola Imperial de Bailado de São Petersburgo (Ballet des Petits Pousins dans leurs Coques [9]), dois judeus polacos, um rico e um pobre (Samuel Goldenberg und Schmuyle [10]), as conversas com a morte numa língua (o latim) morta (Cum mortuis in lingua mortua [13]), e a sensação do tempo a passar, da cabana em forma de relógio da feiticeira Baba-Yaga, contemplando a magnífica porta de Kiev e tudo o que esta simbolizava (La cabane de Baba-Yaga sur des Pattes de Poule [14]).
Em 1922, o maestro russo Serge Koussevitzky encomenda a Maurice Ravel a versão para orquestra de Quadros de uma Exposição, coisa que este faria de forma brilhante e com toda a palete de cores instrumentais que porventura teriam faltado nas imagens originais de Hartmann, e correspondentes sons originais de Mussorgsky (ambição que teriam também Henry Wood, Leopold Stokowski e Walter Goehr, embora sem o sucesso mundial de Ravel). Esta orquestração seria estreada por Koussevitzky na Ópera de Paris, em 19 de Outubro de 1922, publicada em 1929 e alcançado a fama internacional, reconhecida por músicos e ouvintes, a partir daí.

Quanto a Uma Noite no Monte Calvo [16], a história contaria algo diferente. Escrita no Verão de 1860, durante uma grave crise nervosa, esta obra teria sido inspirada no conto de Gogol sobre a Noite de São João, e nos montes próximos de Kiev (Trigiav) para palco do encontro das feiticeiras (Baba-Yaga incluída...), feiticeiros e demónios, do tradicional Sabbath da noite de São João Batista (24 de Junho... e sim, vou olhar pela janela...), presidido pelo deus maléfico Tchernobog, transformado num colossal... bode. A obra tomaria uma forma orquestral em 1867, depois como parte da opera Mlada, e, em 1873, como parte da opera A Feira de Sorochintsy, até ser revista de forma altruísta pelo amigo Rimsky-Korsakov, em 1881, após a sua morte. Esta versão de Uma Noite no Monte Calvo viria a ser estreada pelo próprio Rimsky-Korsakov em 1886, em São Petersburgo, e publicada nesse mesmo ano, tornando-se porventura na obra mais famosa do compositor e a mais motivadora dos olhares curiosos sobre os montes, por esse mundo fora, nas noites de 24 de Junho...

Nuno Oliveira
 



"Quadros de uma Exposição"
"Uma noite no Monte Calvo"


Extractos que proponho para audição: (Quadros de uma Exposição, Uma Noite no Monte Calvo)
  • Wiener Philharmoniker
  • Valery Gergiev
  • Philips, 5168876
"o belo": toda a obra (Uma leitura maior que a vida, ao género de um Gergiev sem rival!);
                QE, obra completa [1-15]: [youtube]
                [1] [3] [5] [8]: (Partida... de trompete!) [youtube] [youtube] [youtube] [youtube]
                [2]: (Ai que caio!) [youtube]
                [4]: (...trovadores italianos ao som do saxofone da Paris dos anos 20!) [youtube]
                [6]: (Brincadeiras inocentes e olhares condescendentes...) [youtube]
                [7]: (Sons de tuba e comportamentos zoológicos naturais, a fazer lembrar outros
                porventura mais transcendentais...) [youtube]
                [9]: (Azáfama juvenil!) [youtube]
                [10]: (Pensamentos e efeitos de trompete...) [youtube]
                [11]: (Em Limoges, os russos discutiam assim!) [youtube]
                [12]: (Diálogos lá em baixo...) [youtube]
                [13]: (... e os ecos que se escutam cá em cima...) [youtube]
                [14]: (A apoteose do folclore Russo!) [youtube]
                [15]: (A apoteose do Império Russo!) [youtube]
                NMC: [16] (Diabos à solta e o sentido abençoado de Gergiev a partir dos 7:31!) [youtube]




 

  • New York Philharmonic
  • Giuseppe Sinopoli
  • Deutsche Grammophon, 429 785-2 GH
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (A gravação aclamada de Sinopoli, a não perder.);
                QE, obra completa [1-16]: [youtube]
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]
                NMC: [16] [youtube]





 
  • Orchestre Symphonique de Montréal
  • Charles Dutoit
  • London, 417 299-2 LH
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (Um excelente exemplo da qualidade da
                dupla Dutoit/OSM e uma escolha de excelência a ter em conta também.);
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]
                NMC: [16] [youtube]





 
  • Toronto Symphony Orchestra
  • Jukka-Pekka Saraste
  • Finlandia, 0630-14911-2
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (Visões de Gortchakov e Funtek compiladas por Saraste.);
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]
                NMC: [16] [youtube]





 
   
Outras sugestões:








  • Christoph von Dohnányi/Cleveland Orchestra/Teldec, 244 920-2 ZK (Som quente, que começa bem, com segurança e majestosidade, mas que infelizmente acaba uns furos abaixo. Contem a versão original de "Uma noite no Monte Calvo".), QE: [2] [youtube], [9] [youtube], [12] [youtube], [15] [youtube], NMC: [16] [youtube]





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 Extractos que proponho para audição: (Quadros de uma Exposição)
  • London Symphony Orchestra
  • Claudio Abbado
  • Deutsche Grammophon, 410 033-2 GH
"o belo": toda a obra (...a brisa de Verão por um saxofone, do alto dum castelo toscano!);
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]






  • Chicago Symphony Orchestra
  • Georg Solti
  • London, 400 051-2 DH
"o belo": toda a obra (...o trompete radioso de Herseth, Chicago e Solti.);
                QE: [1-2] [youtube], [3-4] [youtube], [7-8] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]


 



  • Berliner Philharmoniker
  • Herbert von Karajan
  • Deutsche Grammophon, 413 588-2 GH
"o belo": toda a obra (A monumentalidade que são a Berliner Philharmoniker e von Karajan.);
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]



 

  • Wiener Philharmoniker
  • André Previn
  • Philips, 416 296-2 PH
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (O registo no Musikvereinssaal de Viena em
                1985, com as tensões e dramatismo característicos de um concerto ao vivo.);
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]






  • SWR Stuttgart Radio Symphony Orchestra
  • Sergiu Celibidache
  • Deutsche Grammophon, 445 140-2 GH
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (Gravação ao vivo, com destaque para a
                majestosidade e o drama característicos do mestre Celibidache. Mudanças
                de dinâmicas reflectidas e texturas sonoras mais redondas, com solistas de
                qualidade. Uma opção para descobrir.);
                QE: [1-15] [youtube]






  • Radio-Sinfonieorchester Krakau
  • Karl Anton Rickenbacher
  • RCA, 74321 80400 2
"o belo": toda a obra, extratos em baixo (A menos conhecida versão de Gortchakov,
                aqui dirigida por Rickenbacher e com dramatização de Peter Ustinov.);
                QE, obra completa [1-16]: [youtube]
                QE: [1] [youtube], [4] [youtube], [7] [youtube], [11] [youtube], [15] [youtube]





 
   
Outras sugestões:










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Modest Mussorgsky [Hospital S. Petersburgo, 1881 (dez dias antes do seu falecimento)]




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 A arte de Limoges observada na orla dum Jardim das Tuileries imaginário...
 


 
...e um Vinha do Russo... às amizades duradouras.





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domingo, 14 de junho de 2020


32. Mozart: concerto p/ clarinete |

O Concerto para Clarinete... da "Paixão" de Wolfgang Amadeus Mozart.






Para todos aqueles que trabalham com dedicação e humildade, enfrentam as frustrações com coragem e não desistem nas adversidades. Acredito que só assim poderão chegar lá... ao "belo"... à felicidade.






A Paixão! de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) pelo clarinete, foi o que romanticamente se conotaria de: "à primeira vista", ou melhor ainda, e neste caso em particular: "à primeira audição".
Wolfgang contactaria com o clarinete pela primeira vez em 1779, em Milão, pelo que, como resultado da idílica aproximação (espectável, ou não se tratasse do impulsivo Wolfgang), começa a escrever de imediato para o instrumento sempre que este se encontrava disponível (e de forma suprema, como podemos confirmar pelas serenatas para sopros, sinfonias, concertos e óperas dos tempos de Viena, local onde o clarinete não escasseava ou não estivéssemos na "capital" cultural da época, o que não poderia ser afirmado de igual modo para a  mais "periférica" Salzburgo... num exemplo, eternamente repetido, de desequilíbrio na distribuição de recursos: dez clarinetes por um lado e nenhum pelo outro...), e a ansiar pela sua presença, quando isso não se verificava (...tal era o amor por aquelas sonoridades melosas, suponho eu).
Mozart escreveria o seu concerto para clarinete apenas umas semanas antes de falecer, em Dezembro de 1791, pelo que esta seria a última obra instrumental que nos deixaria (Paixão?), sendo conhecido o que escreveria a 7 de Outubro desse ano (após retornar de Praga, onde teria dirigido as récitas iniciais da sua ópera "La Clemenza di Tito"), à sua esposa Constanze, naquela época a banhos mentalmente restauradores de eventuais impactos Sussmayrianos, em Baden [ver publicação nº 29], informando-a de que já teria orquestrado o "Rondo de Stadler", correspondente ao andamento final do concerto (registaria também uma entrada no seu catálogo, com a designação: "Concerto para clarinete, para o sr. Stadler mais velho", mas, no entanto, sem referir a data). 
Este concerto para "clarinete di bassetto" teria sido escrito para Anton Stadler, um maçon à semelhança de Mozart e um clarinetista da Corte Imperial de Viena, que possuía, para além de uma técnica fenomenal aliada a uma musicalidade expressiva, uma apreciável curiosidade sobre o design e a própria construção do instrumento, irmão de Johann Stadler, também clarinetista e igualmente maçon, do qual teria ficado amigo após um concerto que teriam feito juntos, em 1784, e cuja admiração o levaria anteriormente a escrever algumas obras para este instrumento, nomeadamente: o trio com viola e piano, o quinteto com cordas e os "obbligatos" (... de nada Wolfgang, a humanidade é que te agradece!) da ópera "La Clemenza di Tito".
A ideia original para a criação deste concerto remonta provavelmente a 1787, quando Mozart teria começado a escrever um "Allegro em sol maior", para "corno di bassetto" (um antepassado da família do clarinete, para que fique claro... nomeadamente para aqueles que terão conhecimento da localidade homónima próximo de Florença, Bassetto) e orquestra. Nessa altura escreveria os primeiros 199 compassos (que viriam a fazer parte do primeiro andamento do concerto para clarinete, e que ainda hoje existem na versão original que poderá ser encontrada no Rychenberg Stiltung de Winterthur, na Suíça), que só voltaria a continuar quatro anos depois, em 1791, mas mudando não só a tonalidade para lá maior, como também o objecto da inspiração inventiva, que neste caso passaria a ser o "clarinete di bassetto", um instrumento recentemente inventado pelo "amigo" Anton (na realidade teria sido idealizado por este, mas a sua construção teria sido responsabilidade de Theodor Lotz, o constructor de instrumentos da corte... e também maçon, OK!?... Na verdade, a atribuição exclusiva da génese do instrumento a si próprio, denotando uma evidente falta de escrúpulos, deixaria já algumas suspeitas do carácter, ou da falta dele, de Anton Stadler...), que na procura porventura de sonoridades aprofundadas (ajustadas, eventualmente, a determinados estados de espírito mais subterrâneos...), "agravaria" o registo do habitual clarinete em lá, com as quatro notas suplementares, correspondentes aos centímetros acrescidos na extremidade inferior do instrumento musical, que, aliás, viriam a ser utilizadas de forma regular e por mais de trinta vezes neste concerto...
...Pelo menos é o que se pensa, visto que a versão do concerto para "clarinete di bassetto" se perderia no tempo, e com ela as certezas das reais intenções do compositor, o que é de lamentar.
Ao que parece, Mozart teria enviado uma cópia da partitura para Stadler, que ainda se encontraria em Praga a tocar os excertos da "La Clemenza di Tito" (um maravilhoso, e seguramente proveitoso, exclusivo musical, portanto, fruto de uma também exclusiva instrumentação... tudo bem pensado pelo "amigo" Anton), para o concerto de estreia da obra, que viria a acontecer nessa cidade a 16 de Outubro de 1791. No entanto, e segundo Stadler, a partitura dessa noite ter-lhe-ia sido roubada, juntamente com os restantes artefactos musicais guardados numa arca que possuiria para o efeito... Já a viúva de Mozart, Constanze, suspeitaria sempre que Stadler a teria penhorado, o que não seria de estranhar, no sentido em que, para além de exímio clarinetista, este apresentaria uma outra característica diferenciadora dos demais: enquanto Wolfgang morria enterrado em dívidas, Anton dever-lhe-ia dinheiro (o que se tornaria particularmente fatal, face à realidade Mozartiana da época).
Quanto à versão original, esta seria vendida por Constanze ao editor Johann André, em 1799, que rapidamente tomaria a decisão de adaptar a obra para o clarinete convencional (supostamente a versão exótica teria passado de moda), ajustando as passagens mais graves. Viria a publicar esta versão em 1801, mas "perdendo", entretanto, a versão original pelos caminhos frequentemente sinuosos das histórias da música.
Escrita numa orquestração sui generis (...Mozart substituiria os oboés pelas flautas, para que não restassem dúvidas de que o protagonista principal seria o clarinete), este concerto viria a tornar-se na obra mais famosa para este instrumento. No início, uma canção de frases fluidas que parecem derreter-se umas nas outras, seguindo-se a (quem sabe, mais) maravilhosa melodia outonal, repleta de lirismo e riqueza tímbrica, para acabar numa dança da destreza do solista... brincadeiras pirotécnicas num céu estrelado, de um Wolfgang a observar-nos ainda mais acima...

Nuno Oliveira




"Concerto p/ clarinete, em lá maior, K622"


Extractos que proponho para audição:
  • Jack Brymer
  • Academy of St. Martin in the Fields
  • Neville Marriner
  • Philips, 416 483-2 PH
"o belo": toda a obra (O equilíbrio entre elegância, desejo e tragédia, na gravação de
                referência de Brymer, um conhecedor da obra como ninguém!)
                I - clarinete, tutti, (Som imaculado e jovialidade... outonal!) [youtube]
                II - clarinete, tutti (Som imaculado e melancolia... nocturna!) [youtube]
                III - clarinete, tutti (Som imaculado e exaltação... optimista!) [youtube]






  • Thea King
  • English Chamber Orchestra
  • Jeffrey Tate
  • Hyperion, CDA66199
"o belo": (A professora Thea, um clarinete di bassetto da casa Selmer de Paris e uma
               interpretação inteligente, de excelência e referência.)
               I-III [allmusic], I-III [iTunes]






  • Richard Stoltzman
  • English Chamber Orchestra
  • Richard Stoltzman ou Alexander Schneider
  • RCA, RD60723 ou 60379-2-RG
"o belo": (Extraordinários registos, repletos de espontaneidade e contrastes, pelo
                músico de excelência que é Stoltzma.!)
                Dirigido por Stoltzman, em 1990: I [youtube], II [youtube], III [youtube]
                Dirigido por Schneider em, 1980: I [youtube], II [youtube], III [youtube]






               
            



 



  • Sabine Meyer
  • Staatskapelle Dresden
  • Hans Vonk
  • EMI, CDC 5 56230 2
"o belo": (Destaque para a variedade e beleza tímbrica do clarinete di bassetto de
                Meyer e a sumptuosidade sonora da orquestra alemã. Um registo repleto de
                individualidade a não perder.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Michael Collins
  • Russian National Orchestra
  • Mikhail Pletnev
  • Deutsche Grammophon, 457 652-2 GH
"o belo": (O "aluno" Michael, um clarinete di bassetto da casa Buffet-Crampon de Paris e 
                uma visão detalhada, de timbres ricos e velocidades elevadas... do tipo rasgadinho.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]





  • Emma Johnson
  • English Chamber Orchestra
  • Raymond Leppard
  • ASV, CD DCA 532
"o belo": (O habitual magnetismo de Emma Johnson numa fenomenal interpretação.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]





  • Alfred Prinz
  • Wiener Philharmoniker
  • Karl Bohm
  • Deutsche Grammophon, 429 816-2 10 GMM
"o belo": (Uma interpretação memorável do mestre Prinz, numa Viena de 1973.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]




   

   
Outras sugestões:



  • Steffens/Davis/Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks/RCA, 09026 62531 2, II [youtube], III [youtube]




  • Malsbury/Glover/London Mozart Players/ASV, CD DCA 795, II [youtube]




  • Goodman/Munch/Boston Symphony Orchestra/RCA, 09026-68804-2, I-III [youtube]




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"As últimas horas de Mozart" [Henry Nelson O'Neil, 1860]




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O André com a classe de violino do Conservatório de Música de Seia [CMC, Seia, 09-07-2017]



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domingo, 7 de junho de 2020


31. Shostakovich: sinfonia nº 5 |

A 5ª Sinfonia de Dmitri Shostakovich e o ADN inconfundível aos primeiros compassos... com um twist de ironia Realista Socialista...






Para os dois "Evil Teddy Bears" (o Xavier e o Luís) que me inspiraram a rever esta magnífica obra, e para todos aqueles que procuram compreender a música para lá do primeiro olhar...


(E à memória de uma noite no Coliseu de Lisboa, na companhia desta 5ª, Mariss Jansons e da Orquestra Filarmónica de Berlim [em 04-05-2003])






Estávamos em 1937, e em Leninegrado (hoje São Petersburgo) vivia-se na curiosidade do que o delfim dos compositores russos, o jovem Dmitri Shostakovich (1906-1975), a entrar nos 30, iria apresentar a seguir...
Desde muito cedo que Dmitri demonstrara uma habilidade especial para a música, detectado precocemente pela sua mãe, Sofiya, que viria a ser, simultaneamente, progenitora do menino da classe alta liberal soviética e a sua primeira professora de piano (... que eventualmente também saberia falar francês, visto ser esta uma língua usada fluentemente nos corredores da banca russa, muitas vezes percorridos pelo sogro e correspondente avô paterno da criança, porventura mimada).
Os bons ensinamentos que terá recebido da mãe, levaria Dmitri a ingressar mais tarde, em 1919, com 13 anos de idade, no conservatório da sua cidade natal, Petrogrado (Leninegrado a partir de 1924, e, como já referi, a São Petersburgo dos nossos dias, depois de 1991... porventura um exemplo de surrealismo dentro dum realismo soviético), onde teria como professores Alexander Glasunov e o genro de Rimsky-Korsakov, Maximilian Steinberg, mestres que lhe terão aprimorado todo o talento que lhe reconheceriam, o de compositor e o de pianista, este último seguramente justificado face à sensação que o seu recital de graduação teria causado em 1923, com 17 anos de idade (um menino ainda, portanto).
No entanto, o jovem Dmitri voltar-se-ia para a composição, escrevendo a sua primeira sinfonia em 1925, um sucesso que lhe traria a reputação internacional, ou não tivesse sido estreada por, nada mais nada menos, Bruno Walter, em Berlim, e adoptada logo a seguir por, nada mais nada menos também, Toscanini e Stokowski (... porventura os três maiores maestros daquele tempo, bastante diferentes uns dos outros e, no entanto, convergentes numa coisa: todos gostavam de uma sinfonia escrita recentemente por um rapaz de 19 anos... ora, se isto não é o reconhecimento da excelência, então não sei o que será!), a que se seguiria a abstracção da segunda e terceira sinfonias, e a boa aceitação da sua ópera "Lady Macbeth do Distrito de Minsk", estreada alguns anos depois, em 1934.
Tudo corria bem a Dmitri, até que chegaria o ano de 1936 e a história da desgraça e humilhação de Shostakovich. Após Estaline ter assistido à ópera "Lady Macbeth do Distrito de Minsk", no Teatro Bolshoi de Moscovo, em Janeiro, esta é considerada imoral e imediatamente atacada pelo jornal oficial do Comité Central do Partido Comunista Soviético, Pravda (considerado o órgão sentenciador dos julgamentos populares e das execuções em massa, na União Soviética daquele tempo), levando-o a considerar a trama, "uma obscenidade orquestral sem sentido" (haveria, de facto, alguma mistura de sexo e crime... contudo, numa aparente ménage à deux, com a devida orientação... que finalmente levaria ao assassinato da personagem tirânica da História... operática. Estaline não terá apreciado... vá-se lá saber porquê...), e o cidadão Shostakovich, "um formalista burguês" desenquadrado com o positivismo do "Realismo Socialista" vigente, o que o condenaria à vida de fora-da-lei da sociedade (obrigando os seus amigos a afastarem-se de si), e à de um potencial candidato às purgas Estalinistas, o que lhe terá trazido justificáveis sentimentos de insegurança pessoal (teria medo não só pela sua vida, mas também pelas vidas dos seus familiares, como viria mais tarde a admitir), e mágoas profundas, nesses anos do pré-2ª Guerra Mundial (1939-1945), como um prenúncio de um confronto igualmente terrível e doloroso para uma humanidade que desejava ser livre, onde se incluiria, sem dúvida, o compositor.
Face a esta situação, Dmitri faria duas coisas: retiraria a sua 4ª sinfonia (... porventura
insuficientemente positivista aos olhares realmente socialistas...), que já se encontraria na fase de ensaios para a estreia prevista nesse ano, e iniciaria a composição de uma resposta adequada, que se traduziria na obra-prima que é a sua sinfonia nº 5.
A sinfonia estrearia a 21 de Novembro de 1937, em Leninegrado, pela Orquestra Filarmónica local com a direcção de Yevgeny Mravinsky, e é recebida com um entusiasmo tremendo pelo público e pelo partido, pois teriam escutado (aparentemente, apenas) a música simultaneamente triunfal e optimista por detrás de uma obra, que segundo o compositor consideraria mais tarde (quando Estaline já não se encontrava por perto, é claro!), seria: "...como se alguém estivesse a bater-te com uma vara e dissesse: 'O teu negócio rejubila, o teu negócio rejubila!', e tu levantavas-te, trémulo, e resmungavas: 'O nosso negócio rejubila, o nosso negócio rejubila.'...". Como sugeriria o seu amigo Mstislav Rostropovich, teria sido apenas a ovação de quarenta minutos dessa noite, o que teria salvo Dmitri do destino de tantos outros naquela altura (ao exemplo de um outro amigo, Vsevolod Meyerhold, que, entretanto, havia desaparecido misteriosamente... na neblina do rio Neva), num raro exemplo dum caso, em que foi o povo quem mais ordenou... (e duma tremenda sorte que protegeu a tua audácia, Dmitri!).
Ao sucesso de Leninegrado, seguir-se-iam no ano seguinte representações em Moscovo (Janeiro), Nova Iorque (Abril) e Paris (Junho), com idêntico resultado, pelo que a sinfonia viria a ser gravada em Abril de 1939, por Stokowsky, com a Orquestra de Filadélfia.
Só os mais atentos e curiosos se aperceberão da suave ambiguidade e ironias, escondidas por trás da cortina de sons heroicos desta obra de referência. Rostropovich chegaria a dizer sobre o final da sinfonia: "O fim é uma tragédia irreparável, onde a vítima, esticada pela inquisição destruidora, ainda tenta sorrir na sua dor. Alguém que pense que o final é a glorificação é um idiota.". Já o que Shostakovich talvez quisesse dizer, fosse aquilo que pensou quando utilizou de relance o tema de uma outra obra sua, os "Quatro Romances", com textos de Pushkin, que acompanharia estas palavras: "...e a confusão passa ao lado da minha mente atormentada, enquanto aparecem visões de um dia mais brilhante".
A esperança legitima de um dia que nunca chegou...
  

Nuno Oliveira




"Sinfonia nº 5, em ré menor, op. 47"


Extractos que proponho para audição:
  • Concertgebouw Orchestra
  • Bernard Haitink
  • Decca, 410 017-2 DH
"o belo": toda a obra (A visão de uma nobreza sem igual pelo mestre holandês, numa
                interpretação imaculada da magnífica orquestra de Amesterdão!), com
                alguns destaques, identificados a seguir;
                I: tutti (O ADN de Shostakovich perceptível aos primeiros compassos, e a voz
                celestial da misteriosa... celesta!) [youtube]
                II: tutti (Sonoridades burlescas...) [youtube]
                III: tutti, madeiras (Angústia avassaladora! "o belo" só pode ser assim...!) [youtube]
                IV: tutti (A corrida para o abismo e uma pergunta que fica por responder...) [youtube]





 
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Vladimir Ashkenazy
  • Decca, 421 120-2 DH
"o belo": (Interpretação Real pelo mestre russo e a sua excelente orquestra britânica.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]





 
  • Scottish National Orchestra
  • Neeme Jarvi
  • Chandos, CHAN 8650
"o belo": (A visão segura e irrepreensível do mestre letão e dos seus Highlanders.)
                I-IV [youtube]





 
  • Leningrad Philharmonic Orchestra
  • Evgeny Mravinsky
  • Erato, 2292-45752-2 ou Praga/Harmonia Mundi, PR 7250085
"o belo": (Dois registos ao vivo, um em 1984 [Erato] e o outro em 1967 [Praga], pela
                autoridade suprema daqueles que a deram a ouvir ao mundo pela primeira
                vez: Mravinsky e LPO. Imperdível nas colecções dos amantes desta obra.)
                Erato/1984 - I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



                 Praga/1967 - I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]




  

  • New York Philharmonic
  • Leonard Bernstein
  • CBS, CD 35854
"o belo": (Interpretação onde a expressividade, o melancolismo e o brilhantismo
                se evidenciam, num registo ao vivo do concerto de 1979 em Tóquio,
                dirigido pelo maestro norte-americano que Shostakovich mais admirava:
                Leonard Bernstein. Mítico.)
                I-IV [youtube]






   
Outras sugestões:
  • Georg Solti/Wiener Philharmoniker/London, D 106448 (Expressividade e humor de Solti numa interpretação que merece ser ouvida.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



 
  • Eugene Ormandy/Philadelphia Orchestra/Sony, SBK 53261 (Maravilhosa interpretação de Ormandy, acompanhado pela orquestra que gravou a obra pela primeira vez, sob o comando de Leopold Stokowski.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



   
  • Mstislav Rostropovich/National Symphony Orchestra of Washington, D.C./Deutsche Grammophon, 410 509-2 GH (O olhar através de um amigo próximo.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]



 
  • Riccardo Muti/Philadelphia Orchestra/EMI, 5 72978 2 (Uma gravação mais recente pela referência que é a Philadelphia Orchestra, comandada pelo maestro italiano Riccardo Muti.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]






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Dmitri Shostakovich [São Petersburgo, 1938]




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Melhor dupla [OSPCM, Casa da Música - Porto, 07-12-2019].



Two "Evil Teddy Bears" [ARMAB, Cineteatro Alba - Alb. Velha, 04-03-2018].



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