61. Händel: Música Aquática |
Uma "Música Aquática", a do Georg Friedrich Händel, e a melhor acção de propaganda da história da música, a do "Unidos pela... exaltação do movimento e introspecção do pensamento!".
Para a Diana e a Leonor.
Água é Vida.
"Música aquática, suites HWV 348-350"
✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 46 e 57)
✰ Outras sugestões:
Pertencêssemos nós à nobreza britânica naquele 17 de Julho de 1717, e estaríamos certamente convocados por Jorge I, o Rei do momento, a assistir ao espectacular evento ao ar livre que iria decorrer ao longo de um Tamisa congestionado naquela típica quarta-feira de Verão. Os protagonistas régios da festa tomariam uma barcaça ancorada em Whitehall, velejando três milhas rio acima até Chelsea e à residência de Lord Ranelagh para o almoço marcado para a uma da tarde. Duas horas depois, a comitiva retornaria a casa, tendo chegado a St. James às quatro e meia, novamente por um Tamisa pejado de embarcações, das mais populares às mais burguesas, e inclusivamente nobres, cujos ocupantes tentariam apanhar os acontecimentos da festa da moda, nem que fosse de relance, numa actividade que viria a sobreviver desde essa época do barroco até aos nossos dias de modernidade (...em alguns sítios e algumas cabeças apenas, uma realidade que a conhecida globalização infelizmente não foi capaz de corrigir ou nivelar... por cima).
Dois dias depois, o jornal The Daily Courant registaria os detalhes extravagantes do solene evento: "Foi utilizada uma barcaça para a música, levando cinquenta instrumentos de vários tipos que tocavam as melhores Sinfonias compostas expressamente para esta ocasião pelo Sr. Händel, as quais Sua Majestade gostou tanto que foram tocadas três vezes, duas à ida e uma à vinda". Este relato deixaria, desta forma, poucas dúvidas de que a colecção de andamentos ouvida, dezanove números durante uma hora de poesia sonora, iria dar origem ao que ficaria conhecido como a "Música Aquática" de Georg Friedrich Händel (1685 - 1759). Para além disso, ficaria ainda registada na prosa diplomática de Friedrich Bonet, um Prussiano a residir em Londres, que as sonoridades escutadas teriam sido responsabilidade das embarcadiças trompas, trompetes, oboés, fagotes, flautas alemãs, flautas francesas, cordas e eventualmente alguns instrumentos de percussão cuja música não terá sido aparentemente escrita, pensando-se que para possibilitar a participação de músicos militares iletrados que tocariam de improviso. Ora, a vontade de fazer piadas sobre os dotes musicais de (ex-)percussionistas da Armada é forte, admito, e contudo a abstenção humorística impõe-se nesta soberba ocasião, prevalecendo a(lguma) contenção no "gozar com a tropa" (ups, esta escapou) que de forma tão competente tem servido os cidadãos deste país nos últimos tempos, e cujos resultados estão à vista de todos (não tivesse um Vice-Almirante chegado e estaríamos ainda a vacinar os dos cinquenta para cima...). Em complemento, e segundo o mesmo diplomata, não terão supostamente havido cantores, exceptuando-se, porventura, a presença dos trabalhadores tradicionais das margens ribeirinhas a assobiar para o lado (ou não fosse o pão fundamental para a apreciação musical, tornando-se difícil amar qualquer arte de barriga vazia).
1717 seria um mau ano para a monarquia inglesa. Os desentendimentos entre o Rei Jorge I e o filho, o futuro Rei Jorge II, aumentavam de dia para dia, existindo mesmo registos da ausência deste e da sua esposa, a futura Rainha Carolina, da festa aquática "decretada" pelo pai, a maior de que haveria memória e uma das que faria parte da estratégia real para melhorar a aceitação do Rei junto da população, relembrando o povo de que as "festas" do pai seriam sempre melhores que as do filho. Na realidade, para a maioria dos súbditos, Jorge I não deixaria de ser um nativo alemão que não sabia uma palavra de inglês e o Príncipe Eleitor de Hannover coroado Rei de Inglaterra após a morte da Rainha Ana, três anos antes. A chegada incógnita ao novo reino, pela calada da noite e evitando as possíveis multidões dos percursos principais na viagem até Londres, tornar-se-ia também numa decisão que seguramente não lhe auguraria a melhor receptividade popular.
Por outro lado, para além de tentar aumentar os níveis de empatia pelo soberano "inglês", aquela série de eventos de Verão liderada pela grandiosa festa sobre o Tamisa, teria também a pretensão de esconder os conflitos Reais entre pai e filho, um plano que se mostraria, entretanto, insuficiente, visto que não impediria a expulsão do príncipe do palácio real, no seguimento de uma Real discussão em Novembro desse ano. A culpa não seria evidentemente da música, que teria sido maravilhosa e atenciosa para quase todos os gostos, desde melodias calmas para momentos flutuantes às fanfarras cerimoniais pomposas, passando pelas sonoridades suaves e amigas da digestão a outras mais sonoras que anunciassem a passagem régia aos aglomerados populares que presenciavam a azáfama náutica a partir das margens do rio. Tão pouco poder-se-ia atribuir responsabilidades ao agrupamento escolhido para a interpretação musical, seguramente possuidor de um nível artístico de caracter nobre (de mãos dadas a alguma vertente militar, como se suspeita), o que nos deixa uma última possível razão para tal animosidade familiar: a dureza de ouvido das entidades supostamente endeusadas para escutar os outros, ao que o gosto requintado do rei "alemão" pela beleza feminina, demonstrado aliás pela presença das formosíssimas Duquesas de Bolton e de Newcastle, e da Condessa Godolphin, no iate real, não contribuiria para apaziguar o descontentamento dum filho de sua mãe, aprisionada na Alemanha há mais de vinte anos (sobreviveriam ainda testemunhos da presença da meia-irmã do Rei, a Madame de Kilmanseck, no vaso famoso, o que naquele caso teria mesmo de ser, atendendo ao "patrocínio" do evento pelo Barão Kilmanseck, seu esposo, que só em músicos já teria gasto £150 (!)).
Apesar do que as referências do The Daily Courant possam sugerir, é provável que Händel tenha utilizado algumas ideias de trabalhos anteriores, aos quais acrescentaria alguns andamentos e juntaria a sonoridade brilhante de trompas e trompetes. A partitura original não viria a sobreviver, mas existiriam relatos de apresentações desta obra nos anos seguintes e pelas formas mais variadas, mantendo a música na ordem do dia e contribuindo, assim, para as publicações incompletas de 1734 e 1743, até á publicação da partitura completa em 1788, a partir dos manuscritos da transcrição para cravo feita por JC Smith The Elder, o copista do compositor.
A divisão da música em três suites (Suite nº 1, em fá maior, HWV 348 [1-9], Suite nº 2, em ré maior, HWV 349 e Suite nº 3, em sol maior, HWV 350 [10-19]) e a escolha da ordem dos andamentos é de caracter mais recente, sendo considerada a versão final da obra.
Da mesma forma que seria necessário dominar pelo menos cinco línguas para se conseguir estabelecer uma conversa com Händel (palavras do famoso historiador Charles Burney), também para se reconhecer as origens e inspirações desta Música Aquática tornar-se-ia útil alguma curiosidade sobre o impacto das várias nações europeias na obra do genial compositor. Um Air [5] da educação alemã parece-me perceptível, Allegro-me [3] do treino italiano também, é natural um Bourrée [7] ao gosto francês com tanto champanhe a correr naquela festa (pobre Kilmanseck...) e se a Hornpipe [11] não é algo de "Very British" então eu não sei o que será.
Para a analogia ficar "perfeita" ficou-me a faltar uma "quinta"... mas talvez opte agora pelo contrário, pelas nações que esta música inspirou (...a este português, quem lhe nega um bom Menu(et) [12] nega-lhe tudo).
Ora, é sabido que D. João V, o Magnânimo (valorizador da música) de Portugal, apreciava um bom Adagio...
...que o diga o António Teixeira, enviado de Erasmos para Roma, nesse longínquo ano de 1717.
Nuno Oliveira
"Música aquática, suites HWV 348-350"
✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 46 e 57)
- The English Concert
- Trevor Pinnock
- Deutsche Grammophon Archiv Produktion, 410 525-2 AH
extraordinário ao calor das madeiras e uma notável escolha dos tempos
pelo mestre Pinnock. Um registo a adorar para toda a vida!), com alguns
destaques, identificados a seguir;
[1] Ouverture: tutti ("o belo" impacto da Luz Primordial!) [youtube]
[3] Allegro: metais (A exaltação da Vida, no barroco dos nossos dias!) [youtube]
[4] Menuet: tutti (Guardas-me esta dança um dia?) [youtube]
[5] Air: tutti (Para embalar baixinho...) [youtube]
[5] Air: tutti (Para embalar baixinho...) [youtube]
[6] Menuet: tutti e metais (Permissão para bailar.) [youtube]
[7] Bourrée: tutti (E as traquinices começam aqui...) [youtube]
[8] Hornpipe: tutti (...mas não é preciso ralhar!) [youtube]
[10] Ouverture: tutti e metais (Celebremos os que chegaram, então!) [youtube]
[11] Alla Hornpipe: tutti e metais (Famosa como a Leonor! A lenda e "o belo"
juntos para a eternidade!) [youtube]
[12] Menuet: madeiras (Como "o belo" e inocente rosto de quem se ama.) [youtube]
[13] Rigaudon: tutti (Os primeiros passinhos, pequeninos e apressados...) [youtube]
[13] Rigaudon: tutti (Os primeiros passinhos, pequeninos e apressados...) [youtube]
[17] Andante: madeiras ("o belo" imaginário infantil...) [youtube]
[18] Dança tradicional: tutti (Imaginário juvenil!?) [youtube]
[19] Menuet: tutti (Apoteose final, para a vida adulta!) [youtube]
- Tafelmusik
- Jeanne Lamon
- Sony, SK 68257
maravilha em instrumentos de época com a marca Tafelmusik. Sublime.)
- English Baroque Soloists
- John Eliot Gardiner
- Philips, 434 122-2 PH
vitalidade. Metais simplesmente brilhantes e direcção clarividente do mestre
Gardiner. Uma magnífica escolha, com instrumentos de época, a não perder.)
- The King's Consort
- Robert King
- Hyperion, CDA66967
originais. Intérpretes especialistas no reportório e direcção do "Rei" britânico.
Uma escolha soberba a ter em conta.)
- The Amsterdam Baroque Orchestra
- Ton Koopman
- Erato, 4509-91716-2
um agrupamento de câmara, com instrumentos originais. Uma versão
diferente para descobrir.)
- Orchestra of St. Luke's
- Charles Mackerras
- Telarc, CD-80279
interpretação com instrumentos modernos. Uma boa escolha também.)
[17] [youtube]
- Neville Marriner/Academy of St. Martin in the Fields/EMI, CDC 549810 (Contraste de dinâmicas, expressividade e polimento. Um exemplar em instrumentos modernos a escutar.) [1] [youtube], [3] [youtube], [6] [youtube], [8] [youtube], [11] [youtube], [12] [youtube]
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