60. Mozart: concertos p/ trompa nº 1-4 |
O regabofe que eram aqueles "Concertos para trompa" que Mozart ofereceu a Leutgeb....
Para o Rafael, o Ruben e a Ana.
Ao entusiasmo dum tocar com a mão esquerda, testemunhado numa encosta do Águeda à uma eternidade.
Uma das mais célebres cumplicidades da história da música do séc. XVIII seria a que existiu entre Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791) e o trompista principal da Orquestra da Corte do Arcebispo de Salzburgo, Joseph Leutgeb (ou Ignaz Leitgeb, 1732 - 1811), um mação como o próprio Mozart e um dos seus mais antigos e leais amigos, para quem o compositor chegaria inclusive a escrever quatro concertos para trompa (K412, K417, K447 e K495).
Para além de alvo preferido das piadas de Wolfgang, Leutgeb construiria uma reputação de trompista virtuoso, tendo sido o provável dedicatário do Concerto para trompa em ré maior, de Joseph Haydn, e chegado a frequentar o Burgtheater de Viena como solista, para além de ter sido também o protagonista de uma breve e controversa passagem pela Orquestra da Corte Esterházy, conhecida pela excelente remuneração que atribuía aos seus músicos, antes de se mudar finalmente para Salzburgo, onde viria a conhecer o amigo Mozart e se juntar à orquestra onde iria permanecer durante catorze anos. Com efeito, Leutgeb mudar-se-ia em 1777 para Viena com a ajuda de um empréstimo financeiro concedido por Leopold Mozart, o pai do seu amigo. O propósito seria o de administrar a loja de queijos do sogro sem contudo abandonar a prática de trompista, pelo que, antes de partir, viria a pedir a Wolfgang que lhe escrevesse um concerto para trompa. Este pedido ficaria esquecido durante alguns anos e só voltaria a ser recordado no momento da mudança que o compositor faria em 1781, também para Viena.
A partir de Março desse ano o autor começaria, então, a trabalhar num concerto para trompa, atendendo deste modo ao pedido de Leutgeb, mas com o intuito paralelo de com isso se introduzir na sociedade vienense. Este concerto, todavia, não chegaria a ser acabado ou reconhecido por Leutgeb, sendo por isso provável que tenha sido escrito para Jacob Eisen, o trompista do Teatro Nacional.
Desta forma, o pedido de Leutgeb manter-se-ia sem resposta até 27 de Maio de 1783, dia em que viria a receber o concerto K417 com o "bónus" de uma "memorável" dedicatória: "Wolfgang Amadé Mozart teve pena do asno, boi e idiota do Leitgeb"; um comportamento que o seguramente enorme sentido de humor do trompista não faria desaprovar, visto que a parafernália de gozo não iria parar por aí...
No caso do concerto K495 de 1786, o mesmo seria escrito de forma aleatória a vermelho, azul, verde e preto, pensando-se que para o divertimento do compositor, do interprete ou dos dois, ou eventualmente como uma espécie de instruções em código para um Leutgeb acabado de casar, numa altura em que as suas Bodas de Fígaro teriam também acabado de estrear... Eventuais excentricidades (...entre Almaviva e Fígaro (?))... a que só algumas amizades poderão corresponder...
Acerca do concerto K447, suspeita-se que tenha sido escrito em 1787 pelo facto do papel utilizado na partitura original ser o mesmo do Don Giovanni desse ano, um tipo (de papel...) que o compositor não voltaria a utilizar. Neste caso, a provável razão para a inexistência das notas agudas audíveis nos dois concertos anteriores, prender-se-ia com a embocadura de cinquenta e cinco anos de antiguidade do solista em mente: Il solito Leutgeb! (a preferência pelo idioma italiano neste "O Leutgeb de sempre!" justificar-se-á já a seguir...).
Apesar de Mozart ter começado imediatamente a trabalhar no concerto K412, o primeiro andamento ficaria concluído apenas em 1791, ano da sua morte, seguido do rascunho de um Rondo cuja música já não chegaria a terminar, mas que do ponto de vista humorístico se tornaria numa obra bastante completa, apresentando inúmeras tiradas na língua do bel canto com pedidos de satisfações ao solista pelos seus previsíveis enganos. A cómica libertação iniciar-se-ia pelo tempo da parte solística, com um "Adagio a lei Signor Asino" [Adagio para si, sr. Asno] enquanto seria um Allegro para a orquestra, e continuaria num corrupio do tipo: "Coraggio - oh che stonatura - oimè - oh seccatura di coglioni! - respira un poco! - avanti, avanti! - oh porco infame!... oh maledetto - anche bravura? - bravo - ah! trillo di pecore - finisci? - grazie al ciel! basta, basta!" [Coragem - oh que desafinação - ajudem - oh que chatice dos c-----s! - respira um pouco! - vamos, vamos! - oh porco infame!... oh maldito - alguma habilidade? - bravo - ah! trilo de ovelha - acabaste? - graças aos céus! basta, basta!].
Este concerto, o seu último, seria finalizado posteriormente pelo seu aluno Xavier Süssmayr por altura da Páscoa de 1792, incorporando para esse fim o cântico da Semana Santa das Lamentações de Jeremias, e evitando de igual modo os extremos agudos do instrumento solista, utilizando para isso a tonalidade menos exigente de ré maior. Aparentemente, o aprendiz conheceria bem aquela ligação afetiva do mestre.
Existem registos das inúmeras peripécias associadas à história inicial destes concertos, entre perdas de manuscritos, datação incorrecta e erros de edição, sendo que apenas os três concertos completos seriam publicados entre 1800 e 1802, juntando-se o K412 já no final dos anos de 1870. Não existem relatos das interpretações de Leutgeb, embora este tenha sido provavelmente o responsável pela introdução em Salzburgo da parte solística do concerto K447, que Michael Haydn iria utilizar em 1795, num arranjo do seu movimento lento para trompa e quarteto de cordas. O relato mais antigo sobre a apresentação destes concertos corresponde à interpretação do K447 em 1810, por Herr Sommer, o trompista principal da Orquestra de Rudolfstadt, sendo conhecidas a interpretação de um dos concertos por Franz Strauss em 1872, em Innsbruck, e as várias ocasiões que tocaria os arranjos para trompa e piano de Henri Kling e Carl Reinecke, com o seu filho Richard.
O primeiro concerto a ser gravado seria o K417, com interpretação de Aubrey Brain, pai do lendário Dennis Brain, em 1927, para a Edison Bell.
Houvesse Edison Bell na época de Mozart e seria seguramente interessante de escutar...
...as respostas de Joseph às piadinhas de Wolfgang.
Nuno Oliveira
"Concerto p/ trompa, nº 2, em mi b maior, K417"
"Concerto p/ trompa, nº 4, em ré maior, K495"
"Concerto p/ trompa, nº 3, em ré maior, K447"
"Concerto p/ trompa, nº 1, em ré maior, K412"
✨ Extractos que proponho para audição:
- Anthony Halstead
- The Academy of Ancient Music
- Christopher Hogwood
- Decca L'Oiseau Lyre, 443 216-2 OH
interpretada com instrumentos de época pelo agrupamento de excelência que é a
AAM. Virtuosismo de Halstead com uma frescura que se destaca quer pelo lirismo
quer pela expansividade das frases. Um registo de referência absoluta!);
nº 2, K417: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
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nº 4, K495: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
- Barry Tuckwell
- English Chamber Orchestra
- Barry Tuckwell
- Decca, 410 284-2 DH
✿"o belo": (Interpretação charmosa e idiomática de Tuckwell, acompanhada com
elegância e expressividade pelos músicos ingleses. O som caloroso e
fluente de uma trompa da era moderna, numa escolha a não perder.)
- Lowell Greer
- Philharmonia Baroque Orchestra
- Nicholas McGegan
- Harmonia Mundi, HMU 907012
✿"o belo": (O timbre sedutor da trompa de época numa interpretação personalizada
do virtuoso Greer. Orquestra de São Francisco fantástica e visão acolhedora
do mestre McGegan. Uma magnífica escolha.)
- David Pyatt
- Academy of St. Martin in the Fields
- Neville Marriner
- Erato, 0630-17074-2
Acompanhamento polido pelo mestre Marriner e uma performance de
eleição pelo jovem Pyatt. Uma escolha de excelência, imperdível também.)
- Ab Koster
- Tafelmusik
- Bruno Weil
- Sony, SK 53369
canadiano. Linhas melódicas atractivas e acompanhamento espirituoso.
Uma óptima escolha a ter em conta.)
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nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
- Timothy Brown
- Academy of St. Martin in the Fields
- Iona Brown
- Hänssler, CD 98.316
A finesse acima de tudo, numa interpretação para descobrir.)
nº 2, K417: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
- Frank Lloyd/Richard Hickox/Northern Sinfonia/Chandos, CHAN 9150 (Interpretação de caracter, sensibilidade poética do solista e acompanhamento admirável do mestre Hickox. Uma boa escolha.); nº 1, K412: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube]; nº 2, K417: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]; nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]; nº 4, K495: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]
- William Purvis/David Jolley/Orpheus Chamber Orchestra/Deutsche Grammophon, 431 284-2 GMD, (A versão por um agrupamento de referência. A descobrir.); nº 1, K412: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube]; nº 2, K417: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]; nº 3, K447: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]; nº 4, K495: trompa, tutti [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube]