domingo, 30 de janeiro de 2022


65. Bruch: concerto p/ violino nº 1 |

A voz romântica que perdura num concerto para violino de Max Bruch, como um farol à procura de uma época e descoberta de outra vida.






Para os meus padrinhos das encostas do Vouga.
Pelas recordações de infância e memórias de um violino.






Nascido nove anos antes da morte do genial Mendelssohn e falecido dois anos depois do desaparecimento do impressionante Debussy, Max Bruch (1838-1920), o compositor alemão mais famoso de Colónia, viveria a longa vida dos oitenta e dois anos que a matemática divina havia calculado. À semelhança de Felix Mendelssohn, Max era, também ele, uma criança prodígio que mostrava orgulhosamente os dons musicais que lhe permitiam compor fluentemente desde os dez anos de idade. Com efeito, o filho do advogado August e da soprano Wilhelmine viria a escrever um elevado número de obras durante toda a sua extensa vida, entre concertos, sinfonias, óperas, música religiosa (pela qual viria a ter reconhecimento na sua época) e de câmara, mas seriam o seu primeiro concerto para violino, a sua Fantasia Escocesa para violino e as suas variações sobre o Kol Nidrei hebraico, para violoncelo, aquelas que, de forma quase exclusiva, lhe manteriam a fama e dariam a razão para que muitos melómanos (mea culpa) ainda hoje ouçam a sua voz.
Todavia, e apesar das qualidades evidentes de Kol Nidrei; escrito não por um judeu como muitos haveriam de pensar, mas por um protestante alemão como gesto de amizade para com a comunidade judaica de Liverpool (cidade onde teria habitado entre 1880 e 1883, na época em que dirigira a Sociedade Filarmónica), e da Fantasia Escocesa (estreada igualmente em Liverpool em 1881), seria principalmente o concerto para violino que teria escrito antes dos trinta anos, o primeiro dos três que comporia para este instrumento, a obra-prima que lhe viria a dar renome internacional. Ainda sobre Kol Nidrei, alguns daqueles que se equivocariam viriam a pertencer ao partido Nazi, que ironicamente haveria de banir a sua música por assumir, erradamente, que um compositor que escrevesse uma obra como aquela só poderia ser judeu (ter-se-á esquecido, seguramente, da premissa fundamental de que o pensamento e as ideias não têm crença ou cor).
Max Bruch viria assim a escrever o seu concerto para violino nº 1, em sol menor, op. 26, entre 1864 e 1866, ano em que o apresentaria pela primeira vez, mas sem grande sucesso. Esta situação, contudo, não o faria desistir da ideia, levando-o a uma revisão da partitura e a fazer um pedido de auxílio ao maior virtuoso daquela época, o violinista húngaro Joseph Joachim, músico que já antes teria ajudado também Johannes Brahms a escrever o seu próprio concerto para violino (ou "contra" o violino, como diria à época o maestro Hans von Bülow atendendo às dificuldades técnicas da parte solística, e mais tarde emendado pelo violinista Bronislav Huberman, descrevendo a obra como: "um concerto para violino, contra a orquestra, no qual o violino ganha!". Pormenores frugais que entendi caírem bem nesta resenha histórica de Bruch... ou não tivesse também von Bülow afirmado que Max escrevera realmente um concerto "para" violino!... ao contrário do de Brahms). Isto resultaria numa obra renovada, com dedicatória ao esforçado Joachim que viria de igual modo a ser o solista da estreia de Bremen, a 7 de Janeiro de 1868, num concerto que seguramente terá arrebatado o público e a crítica, atendendo ao que viria a ser referido pelo Neue Zeitschrift für Musik logo a seguir: "entre as melhores obras alguma vez escritas para violino". E realmente não será para menos. Arrebatamentos incluídos.
Apesar de ser perceptível a sua dívida para com o concerto para violino de Mendelssohn, esta obra é perfeitamente capaz de se destacar por si mesma pela forma estilística e expressiva que apresenta, enquanto a sua estrutura formal chega mesmo a revelar algumas características experimentais, características que podem ser encontradas nos catorze compassos iniciais impostos à orquestra antes da introdução do tema pelo solista, na decisão de manter o primeiro andamento como se de um "prelúdio" (descrito assim pelo compositor) se tratasse, no estilo de rapsódia livre no final e, sobretudo, na ausência da tradicional cadenza do solista. 
É razoável pensar que a beleza dos três andamentos que compõem este maravilhoso concerto terá muito da herança vocal de Bruch. O diálogo recitativo na introdução do Vorspiel-Allegro moderato [1], o caracter lírico do Adagio [2], repleto de emoção até ao clímax suave, e a "coloratura" tipicamente cigana, como uma espécie de agradecimento a Joachim, no Finale-Allegro energico [3], fazem-me sempre imaginar a Wilhelmine a cantar e o Max a registar. 
Não obstante o seu enorme sucesso, esta seria a obra que viria a perseguir Bruch durante toda a vida, uma vida de luta frustrante para replicar o seu espírito único e de lamento pela decisão pouco sábia que fora ter aceitado um único pagamento por uma obra-prima e, dessa forma, ter perdido uma provável fortuna em direitos.
Por vezes chego a pensar se não teria sido a busca por aquela época entusiasmante aquilo que o faria conhecer a cantora Clara Tuczek, com quem viria a casar para toda a vida e ter os seus quatro filhos. Estávamos em 1881, ele teria quarenta e três, ela dezasseis... teria nascido em 1865, no coração da criação deste divino concerto para violino de Max Bruch. 

 
Nuno Oliveira

                          



"Concerto p/ violino nº 1, em sol menor, op. 26"


✨ Extractos que proponho para audição: (ver também publicações nº 22, 48 e e 54)
  • Kyung Wha Chung
  • Royal Philharmonic Orchestra
  • Rudolf Kempe
  • Decca, 448 597-2 DM
"o belo": (Timbres cristalinos directos ao coração, num marco discográfico de mistério,
                 fantasia e amor legado por Chung. Músicos britânicos empenhados e Kempe
                magnânimo. Uma referência absoluta a não perder!)
                [1]: violino, aos 0:00-1:12 (Pairam mistérios no ar...) e 1:13-2:23 (A urgência do
                solista romântico!); violino e trompa, aos 3:28-4:12 (Um uníssono que diz tudo!);
                tutti, aos 5:22-6:29 (A impetuosidade da orquestra romântica!) [youtube]
                [2]: violino, aos 0:00-1:59 e ... (Pertíssimo de qualquer coração...) [youtube],
                [3]: violino e tutti, aos 2:18-3:17 e 4:44-5:38 (Picos do romantismo e ícones
                d"o belo"!) [youtube]






  • Chloë Hanslip
  • London Symphony Orchestra
  • Martyn Brabbins
  • Warner, 0927-45664-2
"o belo": (Sonoridade irrepreensível de Hanslip, onde tudo é dito com beleza e
                expressividade. Um tesouro que uma jovem (quinze anos!?) uma vez criou e
                que devemos guardar religiosamente. Sublime e simplesmente a não perder.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Cho-Liang Lin
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Leonard Slatkin
  • CBS, MK 42315
"o belo": (Uma interpretação como Lin já nos habituou, repleta de sensibilidade e
                paixão. Pureza sonora deslumbrante e acompanhamento dedicado da CSO
                e do mestre Slatkin. Um registo maravilhoso e a ter em conta também.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Midori
  • Berliner Philharmoniker
  • Mariss Jansons
  • Sony, SK 87740
"o belo": (Registo ao vivo onde se destaca a exuberância da orquestra alemã e a
                bravura, sentimento e emoção do violino de Midori. Contrastes acentuados
                e sonoridade calorosa. Magnífica escolha.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Shlomo Mintz
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Claudio Abbado
  • Deutsche Grammophon, 449 091-2 GGA
"o belo": (Visão personalizada e irresistível de Mintz, onde o entusiasmo sobressai.
                Brilho da CSO visível ao longe. Uma proposta de excelência.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Hideko Udagawa
  • London Symphony Orchestra
  • Charles Mackerras
  • Chandos, CHAN 8974
"o belo": (Uma performance distintiva, temperamental e apaixonada. Arestas
                bem marcadas e acompanhamento do mestre Mackerras a condizer.
                Uma boa escolha.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]






  • Pinchas Zukerman
  • London Philharmonic Orchestra
  • Zubin Mehta
  • RCA, 09026 68046 2
"o belo": (Lirismo e romantismo bem equilibrados, o som particular de Zukerman
                e o apoio incondicional do mestre Mehta. Uma escolha de qualidade.)
                [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]





  
   
✰ Outras sugestões:
  • Pinchas Zukerman/Zubin Mehta/Los Angeles Philharmonic/Sony, SBK 48274 (Performance extrovertida, com extremos bem vincados e onde se sente a mão do mestre Mehta. A ter em conta.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]




  • Nadja Salerno-Sonnenberg/Edo de Waart/Minnesota Orchestra/EMI, CDC 7 49429 2 (Sonoridade equilibrada, violino frágil e atmosfera solene. Prefiro-o urgente, mas um mais sério para desenjoar também faz bem a alguns ouvidos.), [1] [youtube], [2] [youtube], [3] [youtube]




  • David Garrett/Zubin Mehta/The Israel Philharmonic Orchestra/Decca, 4811031 (Sonoridade polida e interpretação ausente de extremismos. Aqui reina a paz. A descobrir.), [1-3] [iTunes], [1-3] [Spotify]






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Max Bruch [1908]





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Química

 Com a minha madrinha, no dia do seu casamento [Casa dos meus avós, Oronhe, Águeda, 19-10-1975]


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