domingo, 31 de outubro de 2021


62. Beethoven: sinfonia nº 7 |

Ouçamos repetidamente, então, esta "Sinfonia nº 7" de Ludwig van Beethoven, pois "enquanto outras sinfonias existem enquanto obras de arte, a sétima simplesmente é"! [Donald Tovey]






À memória do José Estima e das histórias que me contou entre dois cruzeiros com história.
À memória do Nuno Abrantes e do início da minha história.






Ludwig van Beethoven (1770 - 1827) viveria um dos seus maiores triunfos enquanto compositor a 8 de Dezembro de 1813, no dia em que o seu poema sinfónico "A vitória de Wellington" e a sua "Sinfonia nº 7" se davam a conhecer ao público pela primeira vez no auditório da velha Universidade de Viena, num concerto de beneficência para os feridos da batalha de Hanau e em celebração da derrota das tropas Napoleónicas na batalha de Vitória, ocorrida em Junho desse ano no nordeste de Espanha, a favor da aliança entre os 80.000 corações Ingleses, Espanhóis e Portugueses (mais de 27.000 almas lusitanas) que se encontravam do outro lado da bateria gaulesa de 150 peças de artilharia.   
Apesar da "música de batalha", escrita para impressionar de imediato, ter suscitado maior interesse, a verdade é que aquele auditório reconheceria de igual modo o grande significado da nova sinfonia, o que se reflectiria no entusiasmo mostrado após a audição do segundo andamento da obra, "o belo" Allegretto [II], que, nessa noite, viria a ser bisado após pedido expresso de um público maravilhado com a simplicidade de um ostinado de duzentos e oitenta compassos até um clímax final, único até então. Passados mais de duzentos anos a maravilha persiste... basta olharmos as expressões de admiração das criaturas de Deus que decidem procurar "o belo" por esta sétima.
Voltando um pouco mais atrás, nomeadamente à Primavera de 1812, veríamos Beethoven informar o seu editor de que estaria a escrever: "três novas sinfonias, uma das quais já se encontra acabada". Isto significaria que não apenas as sinfonias números sete e oito, escritas virtualmente ao mesmo tempo, já se encontrariam em processo de finalização, como também a nona, destinada a concluir-se doze anos mais tarde, faria já parte do lote de trabalhos daqueles primeiros anos da segunda década de 1800.
Com efeito, quatro anos teriam passado desde que Beethoven escrevera as suas quinta e sexta sinfonias, autênticas páginas do melhor romantismo musical, criadas num período que o compositor aproveitaria para avançar ao encontro de um terreno estilístico absolutamente novo, numa época "heroica" prestes a terminar e onde alguns anos de prudência e reflexão seriam aconselhados, mesmo obrigatórios. Passada essa fase, Beethoven usaria esses quatro anos seguintes para continuar a derrubar barreiras harmónicas, estendendo a forma, intensificando a expressão subjectiva por trás da ideia e envolvendo os inúmeros temas musicais de forma meticulosa (os seus livros de rascunho carregam o testemunho da sua luta para alcançar a perfeição, tal era a abundância de ideias ao dispor), para chegar a um idioma, sem dúvida pessoal, que para além de único naquela altura, viria também a influenciar de forma extraordinária futuras gerações de compositores.
Por outro lado, se olharmos para a lista dos estilos utilizados na sua sinfonia nº 7, percebemos que o sucesso desta obra não estaria tanto na mestria técnica de composição do "autor", sempre superlativa, mas sobretudo na determinação colossal do "artista", certamente obstinada, em colocar a sua mensagem pessoal na música. Essa mensagem é-nos contada, ou melhor, "cantada", como se a sua "ode à alegria" também existisse aqui, enquanto que os vários ritmos de dança presentes e as sonoridades abertamente optimistas, haveriam ainda de lhe confiar a designação de "apoteose da dança" (Wagner, aparentemente, teria sido o primeiro a chamar-lhe assim, em 1849, e, se assim foi, junto-me aos que entendem que tê-lo-ia feito bem). Outras leituras viriam paralelamente a considerar esta sinfonia como o retracto de um banquete de celebração do Outono ou da época das vindimas, apoiando-se, em particular, num final [IV] que muitos entenderiam como a descrição de um estado de embriaguez (ao que parece, após a primeira apresentação em Leipzig, alguns críticos locais teriam aparentemente vociferado a opinião de que o próprio Beethoven estaria embriagado quando escrevera esse andamento), enquanto que o musicólogo Arnold Schering consideraria ainda esta sinfonia como a versão sonora do romance "Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister", de Goethe, visto que acreditaria que o primeiro andamento representava a "entrada cerimonial das crianças no salão de baile e a Dança de Mignon" [I], o segundo descrevia o "Requiem para Mignon" [II] o terceiro retratava a "dança debaixo da tília" [III], enquanto que o último andamento ilustrava o "banquete da companhia de teatro na sala de Wilhelm" [IV].
Em todo o caso, e considerações variadas à parte, estes quatro andamentos, inscritos na partitura porventura ritmicamente mais excitante e Dionisíaca de Beethoven, seriam dedicados a nenhum outro que ao Conde Moritz von Fries, um banqueiro e patrono das artes vienense, inclusive... o seu.
E assim, o primeiro andamento, Poco sostenuto - Vivace [I], responsável pela alegada declaração de Weber de que Beethoven estaria "Pronto para o hospício!", viria a apresentar a mais longa introdução até então colocada numa sinfonia, fazendo sobressair em maior dimensão o plano de composição da obra; um motivo rítmico seria aqui "destilado", de forma gradual, ao longo dos vários "estágios" de desenvolvimento do andamento, trazendo novos começos, uns atrás dos outros, ao mesmo tempo que o tema principal era "desdobrado" (aparentemente, Baco terá também andado por aqui...). "o belo" Allegretto [II] chegar-nos-ia a seguir, numa procissão marcada pelo lendário acorde, em lá menor, que inspiraria compositores desde Wagner, Liszt, R. Strauss até Mahler, e pela triste redução de uma ideia de paixão heroica, interrompida a espaços pelas "promessas de consolação" (como diria o seu biógrafo Anton Schindler), em lá maior, com o poder que viria a assombrar Schubert durante a maior parte da sua carreira artística. Seguir-lhe-iam, depois, o terceiro andamento, Presto [III], uma dança poderosa com desenvolvimento rítmico "circular" (eventualmente ligado a excessivas influências Báquicas, também), cujo tema principal derivaria supostamente de uma frase da canção popular Irlandesa: "Save me from the Grave and Wise"; e o quarto andamento final, Allegro con brio [IV], com um ritmo "intoxicante", recordando-nos comparações de uma Música luxuriante ao Vinho da vida, e inspirando a humanidade a novos "actos de criação", como se o consumo dos sucos espremidos por aquelas divindades clássicas, fossem elas gregas ou romanas, não nos desse seguramente para isso...
Afinal, as variadas visões que nos ocorrem ao escutarmos esta sétima, mostram como Beethoven, contrariamente à imagem estigmatizada de um compositor em constante conflito com o seu próprio destino, seria também ele capaz de iluminar o coração e "elevar o espírito criador" naqueles idos anos de 1810. Quem saberá se alguma da chamada "ternura dos quarenta" não terá começado por aqui...    

   
Nuno Oliveira




"Sinfonia nº 7, em lá maior, op. 92"


✨ Extractos que proponho para audição: (nota: ver também publicações nº 3, 45, 75 e 81)
  • Wiener Philharmoniker
  • Carlos Kleiber
  • Deutsche Grammophon, 447 400-2 GOR
"o belo": toda a obra (Performance sublime e interpretação genial por aquele que é
                considerado por muitos como o maestro mais influente da história: o mestre
                Carlos Kleiber. Sempre que a ouvimos é como se nos falasse pela primeira
                vez... da tal mensagem de Beethoven que não devemos perder!),
                com alguns destaques, identificados a seguir;
                [I]: tutti, aos 3:55-5:07 e 6:08-7:20 (Madeiras inspiradoras, cordas apaixonantes
                e metais inebriantes!) [youtube]
                [II]: Tutti é "o belo"!, principalmente com as cordas aos 0:00-1:27 (Pianíssimo
                ensurdecedor aos 0:33...), violoncelos aos 0:47-1:28 (Escutemos a voz do Ludwig
                van na ternura dos quarenta...), cordas aos 1:29-2:11(A expressão máxima de uma
                mensagem...) e trompas aos 2:12-2:52 (...e confirmação de recepção.) [youtube]
                [III]: tutti (Danças de roda à sombra de árvores mais ou menos famosas ou mais
                ou menos mundanas. Possíveis ânforas nas imediações...) [youtube]
                [IV]: tutti (Pares de baile, bebei, que vamos dançar a dança da vida!) [youtube]






  • The Chamber Orchestra of Europe
  • Nikolaus Harnoncourt
  • Teldec, 9031-75714-2
"o belo": (A excelência sonora chamada COE numa interpretação luminosa e fresca,
                maravilhosamente dirigida por Harnoncourt. Excitação e espirituosidade em 
                doses certas. Um registo simplesmente a não perder.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • London Classical Players
  • Roger Norrington
  • Virgin, CDM 7243 5 61376 2 2
"o belo": (Um registo esplêndido, com uma escolha de tempos convincente. Articulação
                e brilhantismo em toda a obra, com destaque para o final maravilhoso que nos  
                é oferecido por tímpanos e trompas. Uma excelente escolha também.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Wiener Philharmoniker
  • Simon Rattle
  • EMI, 7243 5 57570 2 9
"o belo": (Interpretação espontânea registada ao vivo no Musikverein da Viena de
                Beethoven. Aqui podemos encontrar a liberdade e a expressividade a que
                Simon Rattle nos habituou. Uma excelente opção, a todos os níveis.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks Hamburg
  • Günter Wand
  • RCA, RD 60091
"o belo": (Balanço orquestral impressionante e a inspiração e o carácter habitual
                na direcção do maestro alemão. Uma maravilha a ter em conta também.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • London Symphony Orchestra
  • Bernard Haitink
  • LSO Live, LSO0078
"o belo": (Doses certas de melancolia e alegria num registo ao vivo em 2005. A tensão
                nota-se e o domínio da obra pelo mestre holandês também. Um registo de eleição.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Wiener Philharmoniker
  • Leonard Bernstein
  • Deutsche Grammophon, 419 434-2 GH
"o belo": (Sonoridade gloriosa da orquestra vienense, registada ao vivo no Muzikverein,
                em 1978. Direcção enérgica e performance excitante como é habitual no mestre
                norte americano. Uma escolha de qualidade a ter em conta.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






  • Berliner Philharmoniker
  • Herbert von Karajan
  • Deutsche Grammophon, 439 003-2 GHS
"o belo": (A história dos registos sonoros obrigaria sempre a ter em Ludwig van
                Beethoven uma proposta chamada Herbert von Karajan. Uma boa opção.)
                [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]





  
   
✰ Outras sugestões:
  • Bernard Haitink/Concertgebouw Orchestra, Amsterdam/Philips, 420 540-2 PH (Elegância e melancolia numa interpretação polida do agrupamento holandês. A descobrir.)  [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]




  • Carlo Maria Giulini/La Scala Philharmonic Orchestra/Sony, SK 48 236 (A visão do mestre italiano que merece ser ouvida também.)  [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]




  • Gustavo Dudamel/Simón Bolívar Youth Orchestra of Venezuela/Deutsche Grammophon, 00289 477 6228 GH (Um milagre para escutar com atenção...), [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]




  • Jaap van Zweden/Residentie Orkest Den Haag/Decca, 00289 4765006 5 (Som quente e interpretação sem excessos. Aqui privilegia-se o lirismo.)  [I] [youtube], [II] [youtube], [III] [youtube], [IV] [youtube]






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Ludwig van Beethoven [Viena, 1812]




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Histórias entre dois cruzeiros...




...e o início de uma história.

 

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