sábado, 19 de setembro de 2020


38. Brahms: concerto p/ violino |

O concerto para violino de Johannes Brahms e os correspondentes sinónimos de Joseph Joachim. Amigo? Aliado? Partidário? Adepto? Confrade? Sócio? Talvez sim, talvez não... talvez irmão...






Para os jovens violinistas que em breve regressarão à aprendizagem d'"o belo" instrumento um pouco por toda a parte, e em particular para o meu Mémé: que o ano escolar que se inicia seja um sucesso e que o resultado alcançado seja aquele que ambicionas...
... por isso: ambiciona bem, se faz favor!


(E à lembrança do concerto a solo, que realizaste em Março de 2018 com a Orquestra de Cordas do Conservatório de Seia. Estavas a um mês de fazeres 12 anos, e a partitura de Küchler que ouvimos foi a melhor prenda que deste aos teus pais.) [24-3-2018])


[E para ti, avô, que por aquela altura estarias também a um mês de fazeres 94.]






Escrito depois das suas duas primeiras sinfonias, do seu concerto para piano nº 1 e do seu Requiem Alemão, o concerto para violino de Johannes Brahms (1833-1897) reflectiria o topo da capacidade artística e do domínio da escrita musical do compositor alemão, que naquela altura contava já com 45 Verões de idade (...pois embora a proposta dum concerto para violino por um jovem compositor, depois da obra-prima de Beethoven, não causasse medo a alguns poucos, por certo causaria algum receio a muitos outros...). E seria, então, num Verão, no de 1878 durante as férias passadas na localidade austríaca de Portschach, no Worthersee, que Brahms viria a compor o seu concerto para violino, op. 77, curiosamente no mesmo local onde um ano antes teria escrito a sua magistral sinfonia nº 2, op.73, e onde em 1879 viria a compor a belíssima sonata para violino nº 1, op. 78, o que nos leva a acreditar que aquela estação turística seria um dos melhores "spots" criativos disponíveis... pelo menos durante os meses mais quentes.
Inspirando-se no violino ao estilo de Bach (teria, inclusive, feito um arranjo da chaconne da Partita para piano em ré menor, em 1877), Viotti e Beethoven (uiiii... que medo!?), este concerto germinaria lentamente, sendo que, e um pouco à semelhança do seu concerto para piano em ré menor escrito vinte anos antes, Brahms viria novamente a lutar para ultrapassar o mesmo problema de sempre: como conciliar a escrita virtuosística do instrumento solista com a articulação sinfónica adequada ao gosto brahmsiano. A solução seria alcançada com a preciosa ajuda do violinista Joseph Joachim, "o" virtuoso germânico da época, cujo aconselhamento autoritário (directamente proporcional ao grau virtuosístico, depreenda-se) viria a contribuir para o resultado de que todos poderão já suspeitar: a criação de uma obra arrebatadora, na qual a mestria violinística e o destemido desafio técnico (...e que técnica!) de Joseph, são utilizados de forma reflectida no exuberante cenário musical imaginado (... e que imaginação!) por Johannes.
Na realidade, a grande amizade entre Brahms e Joachim começaria com outra grande amizade, desta feita, entre Brahms e Reményi. Joachim teria sido apresentado a Brahms por Eduard Reményi, um violinista virtuoso de origem húngara, que após ter fugido do seu país devido a um suposto envolvimento na revolução de 1848, viria a dar a mão ao remediado jovem Johannes, que naquela época ganhava parcamente a vida como pianista de taberna e professor particular, contratando-o como seu pianista acompanhador nas tournées que realizaria um pouco por toda a parte, e transpositor à primeira vista de sonatas de Beethoven, umas vezes meio tom acima, outras meio tom abaixo, dependendo do artefacto artístico (para não lhe chamar piano...) que a cada noite a fortuna lhe reservasse. O biografo Karl Geiringer viria a referir também, que teriam bastado apenas alguns dias para que a ligação de uma vida entre Brahms e Joachim se tivesse formado, uma ligação espelhada na alegria de Brahms: de alguém que experiencia um entendimento artístico perfeito pela primeira vez.
Não seria surpreendente, portanto, que o concerto viesse a ser dedicado a Joachim, ou não se tratasse de uma obra de um talento virtuosístico extremo, acompanhado de um rico, e, no entanto, polido, ambiente orquestral, como tão bem diria o violinista e maestro Yehudi Menuhin (...pois haveria melhor contribuição com o seu testemunho, do que alguém dos dois mundos? Porventura não.): "... um pedaço de barro macio que deve ser moldado durante a interpretação, sendo necessários um maestro e uma orquestra de grande talento para lhe fazer justiça...". E essa justiça ter-lhe-á sido feita na apresentação de estreia, no dia de Ano Novo de 1879 em Leipzig, com o violino de Joachim e a direcção do próprio Brahms, tendo sido recebido de forma respeitosa embora pouco entusiástica. Joachim viria a interpretar o concerto inúmeras vezes ainda, com o intuito de estabelecer a obra no reportório para o instrumento, obra esta que só viria a ocupar definitivamente o lugar merecido (1º?, 2º?... acrescento eu), quando, mais tarde, outros violinistas notáveis se terão apercebido, à semelhança de Joachim, da sua real grandiosidade.
Inicialmente previsto em quatro andamentos, este concerto viria a apresentar os três andamentos finais, todos de um elevado poder expressivo, após a supressão de um scherzo e da revisão do andamento lento pelo compositor. O primeiro andamento destaca-se pela introdução orquestral, de um lirismo tipicamente brahmsiano, que conduz à entrada destemida do violino solista em modo cadenza-joachimniana, e o desaguar num mar de sentimentos poderosos logo a seguir. No segundo andamento, um lento, a melodia é lançada pelo famoso solo de oboé, que seguramente (... porque me vem ao ouvido um talento chamado Hans-Jorg Schellenberger) servirá de inspiração para o violino que lhe segue, ora receoso... ora dialogante, umas vezes introvertido... outras apaixonado, sempre memorável! (Durante os 8:15 do "Jovem" Heifetz, de 54 anos, e os 11:19 do "Senhor" Kennedy, 20 anos mais novo). O terceiro andamento final apresenta uma deliciosa dança eslava, sugerindo melodias húngaras (Em forma de agradecimento ao amigo Eduard? Quero acreditar que sim!) de humor invariavelmente tenso e relaxado, num originalmente: "Allegro giocoso", do artífice genial Johannes Brahms, ao que o talento engenhoso Joseph Joachim, acrescentaria: "Ma non troppo vivace? Se não é difícil...". "o belo" que é ter amigos que gozam connosco assim...    

Nuno Oliveira




"Concerto p/ violino, em ré maior, op. 77"


Extractos que proponho para audição:
  • Maxim Vengerov
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Daniel Barenboim
  • Teldec, 0630-17144-2
"o belo": toda a obra (Paleta repleta de... tudo: magnetismo, tensão, espontaneidade,
                excitação... Uma interpretação de extremos, bravura imediata e puro lirismo
                a seguir, mas sempre a inspiração romântica de Vengerov. Um triunfo!);
                I - violino, tutti, (Inspiração aos: 2:46, 4:58, 5:56, 6:47, 6:55, ...[youtube]
                II - violino, tutti (Sonho aos: 0:09, 2:20, 5:50, ...[youtube]
                III - violino, tutti (Recordação aos: 0:01, 1:25, 4:47, ...) [youtube]






  • Renaud Capuçon
  • Wiener Philharmoniker
  • Daniel Harding
  • Virgin, 50999 9733962 5
"o belo": (A poesia sublime de um violino perdido em pensamentos de paixão.
               Orquestra superlativa e timbre solístico viciante. A bravura está lá, mas
               o suave embalo também (como "o belo" aos 20:24-21:55). Imperdível.)
               I [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Joshua Bell
  • The Cleveland Orchestra
  • Christoph von Dohnányi
  • London, 444 811-2 LH
"o belo": (Subtileza e sonoridade doce, espontaneidade e sentimentos profundos...
               Por favor, toquem os "sinos" em homenagem a Bell!)
               [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Hilary Hahn
  • Academy of St Martin in the Fields  
  • Neville Marriner
  • Sony, SK 89649
"o belo": (Pureza, precisão, detalhe e magnetismo do primeiro ao último compasso.
                O que eu gosto desta rapariga!)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Jascha Heifetz
  • Chicago Symphony Orchestra
  • Fritz Reiner
  • RCA, RD85402
"o belo": (Virtuosismo lendário de Heifetz, graciosidade e tensão elevada,
                acompanhados por Reiner e uma CSO em topo de forma.)
                I [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Itzhak Perlman
  • Chicago Symphony Orchestra ou Berliner Philharmoniker
  • Carlo Maria Giulini ou Daniel Barenboim
  • EMI, CDC 7 47166 2 ou CDC 7 54580 2
"o belo": (Entre o estúdio e o ao vivo, entre a exuberância e a introspecção, a beleza do
                som do oboé de Schellenberger e a expressividade do mestre Perlman. Bravo!)
                Giulini: I [youtube], II [youtube], III [youtube]
                Barenboim: I [youtube], II [youtube], III [youtube]







  • Anne-Sophie Mutter
  • Berliner Philharmoniker ou New York Philharmonic
  • Herbert von Karajan ou Kurt Masur
  • Deutsche Grammophon, 400 064-2 GH ou 457 075-2 GH
"o belo": (Entre o estúdio e o ao vivo, entre a angústia e a inspiração, a parceria natural
                dos mestres von Karajan e Masur e o sentimento da Princess Sophie. Bravo!)
                von Karajan: I [youtube], II [youtube], III [youtube]
                Masur: I [youtube], II [youtube], III [youtube]







  • Julian Rachlin
  • Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
  • Mariss Jansons
  • Warner, 2564 61561-2
"o belo": (Orquestra sonante, sentimentos guardados e o virtuosismo inspirado do jovem
               lituano. Lirismo de qualidade numa escolha a ter em conta.)
               [youtube], II [youtube], III [youtube]






  • Frank Peter Zimmermann
  • Berliner Philharmoniker
  • Wolfgang Sawallisch
  • EMI, CDC 5 55426 2
"o belo": (Timbres frescos e interpretação que contrasta o estilo mais imediato e
               virtuosístico de Zimmermann com o carácter mais emotivo de Sawallisch.
               O Mozart é um bónus delicioso.)
               [youtube], II [youtube], III [youtube]






   
Outras sugestões:
  • Nigel Kennedy/Klaus Tennstedt/The London Philharmonic/EMI, CDC 554187, (Diferenças de andamento, aqui entende-se mais lentamente e Kennedy é sempre Kennedy...), I [youtube], II [youtube], III [youtube] 




  • Uto Ughi/Wolfgang Sawallisch/Philharmonia Orchestra/RCA, RD 70072 (Doses equilibradas de lirismo e heroísmo, numa gravação onde o belíssimo som do violino de Ughi casa bem com a liderança romântica do mestre Sawallisch.), I [youtube], II [youtube], III [youtube] 




  • Thomas Zehetmair/Christoph von Dohnányi/Cleveland Orchestra/Teldec, 2292-44944-2 (O suave aconchego e a bravura acutilante ao serviço do lirismo Brahmsiano. Uma opção de qualidade.), I [youtube], II [youtube], III [youtube] 






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Johannes Brahms e Joseph Joachim [Klagenfurt, 1867]




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Parabéns para ti André!

  

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