O concerto para violoncelo de Edward Elgar: a atitude de um homem perante a vida... do regaço de um poema chamado Alice...
Para o meu filhote João, que quando me perguntou: "...que concerto p/ violoncelo?", eu respondi: "O de Elgar!" (...pergunta que me pareceu estranha na altura, conhecendo o João o pai que tem...).
(E à lembrança de um "Concerto p/ violoncelo, de Elgar", por Steven Isserlis e direcção de Joseph Swensen, com a Orquestra Nacional do Porto, na Casa da Música [22-6-2008])
Embora vivesse outros quinze anos, a última obra importante que o compositor britânico, Edward Elgar (1857-1934), viria a compor, seria o seu concerto para violoncelo de 1919 (partitura que enviaria para o seu editor a 8 de Agosto desse ano), um áudio-auto-retrato do desalento que a realidade da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) teria provocado no espírito pacífico do compositor, como o demonstraria claramente na carta que escreveu, em 1917: "Tudo o que é bom & agradável & limpo & fresco & doce está longe, nunca irá retornar".
Nesse ano de 1917, Elgar arrendaria uma casa de campo em Brinkwells, perto de Fittleworth, no Sussex, na tentativa de ganhar a força e inspiração necessárias para compor (sabendo-se que o isolamento campestre seria, como sempre, o tónico para a tão desejada natalidade Elgariana, como aliás se viria a provar pelo nascimento imediato de uma sonata para violino, um quarteto de cordas e um quinteto com piano... excelentes ares do campo, esses do Sussex!... porventura melhores que os do Middlesex londrino, dos quais, supostamente, terá usufruído também... questões de predilecção ambiental, entenda-se), e ao mesmo tempo convalescer de forma domiciliária (tivesse vivido nos nossos tempos e Elgar teria, seguramente, criado obras por estes dias também...), não só do cansaço físico provocado por uma intervenção cirúrgica à amígdala séptica, mas, sobretudo, da exaustão mental provocada pelas notícias dos horrores da guerra.
E seria nesse ambiente de música outonal (semelhante, aliás, à música de câmara tardia, escrita pelo seu ídolo artístico, Johannes Brahms), que o concerto para violoncelo terá florescido, como seria referido pela sua esposa, Alice, no seu diário, em Setembro de 1918: "Nova música maravilhosa, sonoridades verdadeiras nas madeiras e outros lamentos (...)", e pelo próprio autor, numa carta que escreveria ao amigo Sidney Colvin, em 26 de Junho de 1919: "Estou quase a completar um concerto para violoncelo, realmente um trabalho grandioso, e, penso eu, bom e vivo."
A obra viria a estrear-se, desta forma, no Queen's Hall de Londres em 27 de Outubro de 1919, pelo violoncelista Felix Salmond, a London Symphony Orchestra e Elgar na direcção, mas sem o sucesso aguardado (e com a consequente desilusão do autor), devido, em larga medida, a uma interpretação inconvincente do impreparado Salmond (interpretação essa, cujo brilhantismo seria maravilhosamente atingido na apresentação que se seguiu, por um jovem violoncelista de origem italiana, de nome Giovanni Battista "Tita" Barbirolli, que mais tarde viria a ser conhecido por Sir John Barbirolli... e sim, não há coincidências... embora por vezes haja sorte, que o diga Jaqueline), da notória falta de ensaios (sabendo-se que algum do tempo de ensaio atribuído a Elgar, teria sido gasto por Albert Coates... a ensaiar o reportório Russo que o próprio apresentaria nesse concerto também; o que terá levado Alice a dizer furiosa e justificadamente, aquilo que o bom Edward seguramente pensaria: "...um insulto a Edward daquele brutal egoísta... Coates."... não havia necessidade), ao que se acrescentaria a falta das cores opulentas da heroica pompa e circunstância que o público certamente esperaria (ou não fosse música de Elgar!), substituídas, neste caso, pela expressão destilada na aguarela introspectiva do compositor... um colorido difícil de aproximar, visto que teria pouco de semelhante (...o jovem Edward dum romantismo impulsivo, com o maduro Elgar, esgotado por uma última chama de inspiração, porventura representativa do fim do modo de vida social e artístico vivido até então). Se naquele dia de Outubro não houve milagres, em todos os outros que lhe sucederão haveria de permanecer um intenso concerto para violoncelo, legado por Elgar, e uma "Atitude do homem perante a vida", tomada por Edward.
Apesar de orquestrado de forma leve, o concerto nunca soaria superficial ou irrelevante, com o solista no centro da acção, acompanhado pelas cordas na maior parte das vezes e, pelos metais,
de forma menos frequente. Está dividido em quatro andamentos: o primeiro, forte, assertivo e com uma melodia longa e ondulante, como um desejo não alcançado; seguindo-se "um endiabrado pequeno andamento", baptizado assim pelo compositor e musicólogo britânico, Donald Tovey, que embora fosse amigo dos violoncelistas Pablo Casals e Guilhermina Suggia (um catalão e uma portuguesa, adeptos de si próprios, da sua ligação sentimental e deste concerto), como atestaria uma sonata para dois violoncelos que lhes ofereceria em 1912, teria, alegadamente e nessa malfadada ocasião, provocado a transgressão de Suggia, o ciúme de Casals, a tensão no nº 20 da Villa Molitor, de Paris, e a infeliz separação do celebrado casal (...o cataclismo que uma sonata pode provocar nos egos preconceituosos dos que desejam tocar a parte do 1º violoncelo..., ou eventualmente outros acontecimentos... mais despidos de preconceitos); a melodia do terceiro, numa melancolia para lá das palavras, sentida profundamente no canto de um violoncelista afortunado (...por estar ali... a tocar aqueles sessenta compassos); e o quarto andamento final, que faria recordar sonoridades escutadas, o desespero na despedida do modo de vida que se saberia ter acabado... e a profecia da perda dum poema chamado Alice, que Edward viria derradeiramente a sofrer seis meses depois.
Este concerto para violoncelo viria a ser a obra mais conhecida do compositor e uma peça chave no reportório para o instrumento, como seria reconhecido pelas sucessivas gerações de interpretes, encabeçada por Beatrice Harrison, e, mais tarde, por Paul Tortelier e Pablo Casals, que lhe dariam o reconhecimento e fama internacionais, ajudado também por Guilhermina Suggia, pelas suas apresentações da obra, mas fundamentalmente pelo legado que deixou a todos os violoncelistas, passados, presentes e futuros, sob a forma do sempre motivador (...para quem ganha) Prémio Suggia para a excelência da prática do violoncelo. A extensão da importância Suggia, está bem visível nos exemplos de audição que proponho a seguir: do melhor que o mundo tem para oferecer, pelos meninos e meninas da Sra. Dona Guilhermina!
"Concerto p/ violoncelo, em mi menor, op. 85"
✨ Extractos que proponho para audição:
Prémio Suggia, em 1956... com 11 anos, acompanhada por o especialista supremo
que é "Tita" Barbirolli!); (aconselho também a interpretação soberba de "Sea pictures")
I - violoncelo, tutti, (Os rubatos arrebatadores da juventude, numa invenção genial da
maturidade!) [youtube]
II - violoncelo, tutti (Cordas irrequietas e pedal no acelerador!) [youtube]
III - violoncelo, tutti (Poema... impossível a indiferença face a este: "o Belo"!) [youtube]
VI - violoncelo, tutti (Clímax que não chega a convencer... Vestígios de tragédia, talvez?)
[youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
✰ Outras sugestões:
Para o meu filhote João, que quando me perguntou: "...que concerto p/ violoncelo?", eu respondi: "O de Elgar!" (...pergunta que me pareceu estranha na altura, conhecendo o João o pai que tem...).
(E à lembrança de um "Concerto p/ violoncelo, de Elgar", por Steven Isserlis e direcção de Joseph Swensen, com a Orquestra Nacional do Porto, na Casa da Música [22-6-2008])
Embora vivesse outros quinze anos, a última obra importante que o compositor britânico, Edward Elgar (1857-1934), viria a compor, seria o seu concerto para violoncelo de 1919 (partitura que enviaria para o seu editor a 8 de Agosto desse ano), um áudio-auto-retrato do desalento que a realidade da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) teria provocado no espírito pacífico do compositor, como o demonstraria claramente na carta que escreveu, em 1917: "Tudo o que é bom & agradável & limpo & fresco & doce está longe, nunca irá retornar".
Nesse ano de 1917, Elgar arrendaria uma casa de campo em Brinkwells, perto de Fittleworth, no Sussex, na tentativa de ganhar a força e inspiração necessárias para compor (sabendo-se que o isolamento campestre seria, como sempre, o tónico para a tão desejada natalidade Elgariana, como aliás se viria a provar pelo nascimento imediato de uma sonata para violino, um quarteto de cordas e um quinteto com piano... excelentes ares do campo, esses do Sussex!... porventura melhores que os do Middlesex londrino, dos quais, supostamente, terá usufruído também... questões de predilecção ambiental, entenda-se), e ao mesmo tempo convalescer de forma domiciliária (tivesse vivido nos nossos tempos e Elgar teria, seguramente, criado obras por estes dias também...), não só do cansaço físico provocado por uma intervenção cirúrgica à amígdala séptica, mas, sobretudo, da exaustão mental provocada pelas notícias dos horrores da guerra.
E seria nesse ambiente de música outonal (semelhante, aliás, à música de câmara tardia, escrita pelo seu ídolo artístico, Johannes Brahms), que o concerto para violoncelo terá florescido, como seria referido pela sua esposa, Alice, no seu diário, em Setembro de 1918: "Nova música maravilhosa, sonoridades verdadeiras nas madeiras e outros lamentos (...)", e pelo próprio autor, numa carta que escreveria ao amigo Sidney Colvin, em 26 de Junho de 1919: "Estou quase a completar um concerto para violoncelo, realmente um trabalho grandioso, e, penso eu, bom e vivo."
A obra viria a estrear-se, desta forma, no Queen's Hall de Londres em 27 de Outubro de 1919, pelo violoncelista Felix Salmond, a London Symphony Orchestra e Elgar na direcção, mas sem o sucesso aguardado (e com a consequente desilusão do autor), devido, em larga medida, a uma interpretação inconvincente do impreparado Salmond (interpretação essa, cujo brilhantismo seria maravilhosamente atingido na apresentação que se seguiu, por um jovem violoncelista de origem italiana, de nome Giovanni Battista "Tita" Barbirolli, que mais tarde viria a ser conhecido por Sir John Barbirolli... e sim, não há coincidências... embora por vezes haja sorte, que o diga Jaqueline), da notória falta de ensaios (sabendo-se que algum do tempo de ensaio atribuído a Elgar, teria sido gasto por Albert Coates... a ensaiar o reportório Russo que o próprio apresentaria nesse concerto também; o que terá levado Alice a dizer furiosa e justificadamente, aquilo que o bom Edward seguramente pensaria: "...um insulto a Edward daquele brutal egoísta... Coates."... não havia necessidade), ao que se acrescentaria a falta das cores opulentas da heroica pompa e circunstância que o público certamente esperaria (ou não fosse música de Elgar!), substituídas, neste caso, pela expressão destilada na aguarela introspectiva do compositor... um colorido difícil de aproximar, visto que teria pouco de semelhante (...o jovem Edward dum romantismo impulsivo, com o maduro Elgar, esgotado por uma última chama de inspiração, porventura representativa do fim do modo de vida social e artístico vivido até então). Se naquele dia de Outubro não houve milagres, em todos os outros que lhe sucederão haveria de permanecer um intenso concerto para violoncelo, legado por Elgar, e uma "Atitude do homem perante a vida", tomada por Edward.
Apesar de orquestrado de forma leve, o concerto nunca soaria superficial ou irrelevante, com o solista no centro da acção, acompanhado pelas cordas na maior parte das vezes e, pelos metais,
de forma menos frequente. Está dividido em quatro andamentos: o primeiro, forte, assertivo e com uma melodia longa e ondulante, como um desejo não alcançado; seguindo-se "um endiabrado pequeno andamento", baptizado assim pelo compositor e musicólogo britânico, Donald Tovey, que embora fosse amigo dos violoncelistas Pablo Casals e Guilhermina Suggia (um catalão e uma portuguesa, adeptos de si próprios, da sua ligação sentimental e deste concerto), como atestaria uma sonata para dois violoncelos que lhes ofereceria em 1912, teria, alegadamente e nessa malfadada ocasião, provocado a transgressão de Suggia, o ciúme de Casals, a tensão no nº 20 da Villa Molitor, de Paris, e a infeliz separação do celebrado casal (...o cataclismo que uma sonata pode provocar nos egos preconceituosos dos que desejam tocar a parte do 1º violoncelo..., ou eventualmente outros acontecimentos... mais despidos de preconceitos); a melodia do terceiro, numa melancolia para lá das palavras, sentida profundamente no canto de um violoncelista afortunado (...por estar ali... a tocar aqueles sessenta compassos); e o quarto andamento final, que faria recordar sonoridades escutadas, o desespero na despedida do modo de vida que se saberia ter acabado... e a profecia da perda dum poema chamado Alice, que Edward viria derradeiramente a sofrer seis meses depois.
Este concerto para violoncelo viria a ser a obra mais conhecida do compositor e uma peça chave no reportório para o instrumento, como seria reconhecido pelas sucessivas gerações de interpretes, encabeçada por Beatrice Harrison, e, mais tarde, por Paul Tortelier e Pablo Casals, que lhe dariam o reconhecimento e fama internacionais, ajudado também por Guilhermina Suggia, pelas suas apresentações da obra, mas fundamentalmente pelo legado que deixou a todos os violoncelistas, passados, presentes e futuros, sob a forma do sempre motivador (...para quem ganha) Prémio Suggia para a excelência da prática do violoncelo. A extensão da importância Suggia, está bem visível nos exemplos de audição que proponho a seguir: do melhor que o mundo tem para oferecer, pelos meninos e meninas da Sra. Dona Guilhermina!
Nuno Oliveira
"Concerto p/ violoncelo, em mi menor, op. 85"
✨ Extractos que proponho para audição:
- Jacqueline du Pré
- London Symphony Orchestra
- John Barbirolli
- EMI, CDC 5 56219 2
Prémio Suggia, em 1956... com 11 anos, acompanhada por o especialista supremo
que é "Tita" Barbirolli!); (aconselho também a interpretação soberba de "Sea pictures")
I - violoncelo, tutti, (Os rubatos arrebatadores da juventude, numa invenção genial da
maturidade!) [youtube]
II - violoncelo, tutti (Cordas irrequietas e pedal no acelerador!) [youtube]
III - violoncelo, tutti (Poema... impossível a indiferença face a este: "o Belo"!) [youtube]
VI - violoncelo, tutti (Clímax que não chega a convencer... Vestígios de tragédia, talvez?)
[youtube]
- Steven Isserlis
- London Symphony Orchestra
- Richard Hickox
- Virgin, VC 7 90735 2
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Yo-Yo Ma
- London Symphony Orchestra
- André Previn
- Sony, SK 39541
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Mischa Maisky
- Philharmonia Orchestra
- Giuseppe Sinopoli
- Deutsche Grammophon, 431 685-2 GH
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Julian Lloyd Webber
- Royal Philharmonic Orchestra
- Yehudi Menuhin
- Philips, 416 354-2 PH
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Robert Cohen
- Royal Philharmonic Orchestra
- Charles Mackerras
- Argo, 436 545-2 ZH
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Robert Cohen
- London Philharmonic Orchestra
- Norman del Mar
- EMI, CD-CFP 9003
I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
- Natalie Clein/Vernon Handley/Royal Liverpool Philharmonic Orchestra/EMI, VC 5 01409 2 (A versão fresca de Clein.), I [youtube], II [youtube], III [youtube], IV [youtube]
∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞ ∞
O João e o Calouste [Fundação Gulbenkian, Lisboa, 06-10-2017]
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------